Dois Tipos de Contato – Um Olhar Sobre Dolan (Parte 1)

Não são todos os cineastas que se permitem a abrir um espaço para experimentação em seu próprio cinema. Muitos procuram encontrar logo de cara uma determinada voz, seu dito “estilo”, uma característica que se torne algo referencial para o seu trabalho. Algo pelo qual possa ser reconhecido. Talvez por ser um cineasta jovem, ou por sua própria personalidade, é perceptível que Xavier Dolan procurou um ambiente específico de experimentações estéticas – tanto em questões de corpo, como de encenação e dramaturgia – para cada filme seu.

Apesar de haver um certo padrão em suas obras como a abordagem de questões de gênero, sexualidade, e de relacionamentos entre pessoas, nota-se que ele se permitiu a ter uma liberdade ao escolher como abordar essas temáticas, e, com isso, experimentar novos métodos e novas estéticas.

Nas próximas semanas, faremos um apanhado dos longas dirigidos pelo franco-canadense, recentemente premiado com o Grand Prix no Festival de Cannes de 2016 com seu filme “Juste la fin du monde”, lançando um olhar sobre os principais aspectos de sua produção.

Em seu filme de estreia, Dolan já mostra que tem intenção de ter uma relação extremamente próxima a suas obras, ao interpretar o personagem principal ao mesmo passo em que dirige. Tanto é que ele mesmo diz que Eu Matei Minha Mãe (J’ai Tué Ma Mère, 2009) é “quase autobiográfico”. O filme conta a história de Hubert, interpretado pelo próprio Dolan, um adolescente de dezesseis anos impetuoso e de personalidade forte que tem uma relação regada a ódio e culpa com sua mãe, Chantele (Anne Dorval). Sendo consumido a cada dia mais pela confusão e as dúvidas dessa relação de amor e ódio com sua mãe, o longa vai mostrando um retrato de sua típica adolescência, mas ao mesmo tempo de um ponto de vista mais marginal.
Um dos pontos principais do filme é uma intenção no hibridismo entre ficção e documentário, já que o filme alterna entre longas cenas do protagonista divagando sobre a relação com sua mãe em frente a uma câmera que ele mesmo coloca, e cenas da narrativa linear do filme. Nessas cenas, é mais visível esse .hibridismo do que nas cenas gravadas com câmera na mão. Além, claro, de ser mais palpável, pois há cenas em que o protagonista aparece pegando a câmera para gravar esses vídeos-diário, por assim dizer

Mesmo que de forma tímida, é possível ver os corpos – por vezes raivosos, por vezes quietos – de Hubert e sua mãe e toda a presença na qual se impõem nos planos. A impressão que fica é que, por hora são dois meteoros prestes a entrar em colisão, por outras são dois seres humanos com uma necessidade urgente de atenção, sendo uma principal metáfora à relação dos dois.
No segundo filme de Dolan, já vemos uma proposta completamente diferente. Amores Imaginários (Les Amours Imaginaires, 2010) conta a história de dois amigos, Marie (Monia Chokri) e Francis, também interpretado pelo próprio Xavier Dolan, que conhecem Nicolas (Niels Schneider), um jovem enigmático. Logo começa uma intensa amizade entre os três, mas a amizade entre Marie e Francis começa a desabar quando ambos passam a perceber que os dois estão apaixonados pelo jovem. Então, inicia-se uma guerra silenciosa entre os dois para descobrir quem conquista o rapaz.
As diferenças entre o primeiro filme de Dolan e esse são gritantes, em todos os sentidos. A história cai em um clichê já enfadonho dos triângulos amorosos, e Xavier sabe disso. Sua saída interessantíssima para esse clichê é uma solução bastante ousada: abraçá-lo. Abusando de um projeto estético lírico e nitidamente caricato, o filme passa a mostrar graficamente a história de uma maneira que pode soar irreal, mas que funciona muito bem.
Uma das coisas mais interessantes do filme é que ele não se sustenta nas falas dos personagens – e nem poderia, já que não são muitas –, mas sim em suas ações, gestos e expressões. Por isso, o trabalho de corpo nesse filme é muito mais intenso que no primeiro filme do realizador. Os movimentos são bruscos, exagerados. As expressões dos personagens são intensas, com olhares fortes, caretas bem definidas, e gestos um tanto teatrais. Não bastasse os “exageros” nas ações dos personagens, há sequências em que essas ações são intensificadas por planos em câmera lenta, e com a repetição da música “Bang Bang”, da cantora italiana Dalida, que narra justamente o começo, meio, e fim de uma história de amor genérica, combinando muito bem com esses momentos do filme, dando uma sensação de embriaguez.
Os únicos momentos em que os gestos são os mais delicados possíveis são nas cenas em que Marie e Francis estão em suas camas com ocasionais parceiros sexuais. Os movimentos são mínimos, e quando eles são executados, são demorados. Os planos detalhe se prolongam nas mãos e em partes dos corpos. A câmera repousa sobre os gestos, sem pressa, unida à uma iluminação cenográfica única, transformando todo o cenário em algo lírico. Para exagerar a sensação de delicadeza, essas cenas são regadas por uma das sinfonias de Bach.

O hibridismo entre documentário e ficção volta de forma mais óbvia que em “Eu matei minha mãe”. O filme alterna entre as cenas da história e relatos de pessoas aleatórias, que narram seus romances e histórias de amor que, em sua maioria, deram errado.


Leia a continuação da série aqui: PARTE 2