Lincoln

 

Lincoln é um filme chato.
Minha dor de cabeça e a proximidade que estava da tela devem ter atrapalhado minha percepção do filme, mas acho que mesmo que estivesse com minha cabeça perfeitamente bem e numa poltrona de penas de gansos suíços no melhor lugar da sala de cinema Lincoln ainda seria chato. Chato e confuso.
Confesso que não conheço muito bem esta parte da história da Grande Nação dos EUA (apesar de ser um historiador) sei somente o que tinha lido corriqueiramente (Lincoln, presidente dos Estados Unidos de 1861 a 1865, quando foi assassinado, governou durante a famosa Guerra de Secessão Americana e lutou pela aprovação da 13ª emenda constitucional, que aboliu a escravidão no país) , mas estaria mentindo se dissesse que depois de assistir o novo filme do aclamado Steven Spielberg virei um expert no assunto. Isso porque parece muito corrido e político demais. Não espere ver um filme como outros mais romantizados sobre nacionalismo estadunidense como O Patriota (The Patriot, 2000) ou Gangues de Nova York (Gangs of New York, 2002). Lincoln torna-se muito travado, além de tratar o personagem título como um ser mitológico e salvador (até mais do que as figuras heroicas dos filmes citados acima).
Quanto a produção técnica só posso dizer que é fantástica. A reconstrução do cenário de guerra, as vestimentas e a fotografia estão impecáveis, como já era de se esperar de um veterano do porte de Spielberg. Enquanto isso a trilha do gênio John Williams (parceiro “das antigas” do diretor) está bem econômica, mas sempre pontual.
As atuações estão ótimas. Sally Field como a Sra. Lincoln não decepciona com seus pitis ataques de loucura, David Strathairn como o Secretário de Estado Seward faz bem seu papel. Temos também participações ilustres como Walton Goggins (da série Justified e um dos meus atores favoritos atualmente), Michael Stuhlbarg (da ótima série Boardwalk Empire e outro dos meus atores favoritos) e o Robin Joseph Gordon-Levitt como o teimoso filho mais velho do presidente.
Mas quem realmente rouba a cena são os incríveis Tommy Lee Jones e Daniel Day-Lewis. O primeiro pode parecer repetitivo em seu papel de sujeito carrancudo (sério alguém já viu o Tommy sorrindo?), mas pela foto do verdadeiro Thaddeus Stevens era isso mesmo que o papel requeria (olha só) e Jones foi perfeito no papel, a expressão facial e o rosto enrugado, sem contar aquelas já famosas bolsas embaixo dos olhos mostram o rosto de um velho político cansado daquele ambiente, mas disposto a dar sua última gota de suor pela causa a que luta a tanto tempo.
Daniel Day-Lewis é uma atração a parte. Desde Gangues de Nova York e Sangue Negro (There Will Be Blood, 2007), onde está simplesmente espetacular, Day-Lewis vem dando uma aula de como ser um ator foda. Em Lincoln, no papel do presidente norte-americano que dá nome ao filme, não faz diferente. Com o jeitão mole e calmo, contando suas longas histórias e dando suas lições de moral, tomando decisões que podem mudar o rumo da nação e ao mesmo tempo brincando com o filho mais novo, a impressão que temos é que Lincoln foi um santo homem (imagem essa que eu como historiador não posso aceitar tão assim de mão beijada).
E não há nada mais simbólico no filme quanto a cena em que o personagem de Tommy Lee Jones entrega a sua companheira negra o projeto de lei recém aprovado que torna a escravidão ilegal no país, afirmando ser um presente dele para ela, soando quase como um “tome mulher, sou um branco salvando o seu povo. Sinta-se agradecida.”
Apesar de tudo, Lincoln é um filme para conhecer (ou pelo menos tentar conhecer) e refletir sobre a história não só dos Estados Unidos mas de uma realidade tão sombria e as vezes esquecida da história de todos nós, a escravidão.
Um conselho: assista Lincoln e Django Livre (Django Unchained, 2012) para observar duas visões sobre a escravidão vindas de dois cineastas norte-americanos.