E se a capsula espacial que trouxe o último filho de Krypton ao Planeta Terra tivesse caído na União Soviética durante a Guerra Fria?
Isso aconteceu. Claro que em uma outra realidade. A linha de histórias Elseworlds da editora DC Comics, que também foi responsável por um dos quadrinhos mais aclamados de todos os tempos, “O Cavaleiro das Trevas” de Frank Miller, tinha como premissa colocar nossos heróis em realidades diferentes. E foi o que o roteirista Mark Millar fez com o Homem de Aço na série em três edições de “Superman – Entre a Foice e o Martelo” publicada em 2003.
Na história, a capsula kryptoniana cai em uma fazenda comunitária nos arredores de Moscou e o pequeno extraterrestre é criado por trabalhadores pobres. Ao se tornar adulto, o Superman, já uniformizado e com o simbólico escudo com o “S” substituído por um com uma foice cruzando um martelo, símbolo do Socialismo, torna-se braço direito do camarada bigodudo Josef Stalin, e após descoberto todos os seus incríveis poderes, passa a ser o símbolo da força soviética. Enquanto isso, nos EUA, o governo americano já não sabe como lidar com tal ameaça, tendo como única saída pedir ajuda ao ser humano com a mente mais avançada do planeta, o excêntrico milionário Lex Luthor. Obviamente que tudo isso causa transformações não só nas vidas particulares dos personagens, mas toda a história se reinventa a partir destes eventos. É interessante observar como Millar imagina esta realidade em que, após a morte de Stalin e sua sucessão pelo agora Presidente Superman, praticamente todas as nações da Terra tornam-se socialistas, ficando no decadente capitalismo apenas os EUA
O surgimento de outros heróis nesta realidade também se dá de maneiras inusitadas, como um Batman que, nascido na URSS, tem seus pais mortos por soldados de Stalin e torna-se um dos mais perigosos inimigos do governo e do próprio Superman. Alguns vilões também surgem, em sua maioria criados pela supermente de Luthor para acabar com Superman e suas ideologias. O quadrinho é muito detalhado e o roteirista Mark Millar se preocupa o máximo possível em não deixar pontas soltas em sua história (o que já era de se esperar do cara que depois criaria o ótimo Kick-Ass), os desenhos (de Dave Johnson e Killan Plunkett) também são impressionantes e em alguns quadros é possível perceber uma similaridade com os cartazes de propaganda socialista de Stalin. Mas o ponto mais alta da trama certamente é o final, genialmente elaborado por Millar, e que explode completamente a mente do leitor.
Entre a Foice e o Martelo, acima de tudo, é um quadrinho político (e qual não é?), que nos faz pensar sobre possibilidades e consequências de uma realidade diferente.
Cineasta e Historiador. Membro da ACECCINE (Associação Cearense de Críticos de Cinema). É viciado em listas, roer as unhas e em assistir mais filmes e séries do que parece ser possível. Tem mais projetos do que tem tempo para concretizá-los. Não curte filmes de dança, mas ama Dirty Dancing. Apaixonado por faroestes, filmes de gângster e distopias.