Ná última quarta (29), tive a oportunidade de assistir a Godzilla II: Rei dos Monstros (Godzilla: King of the Monsters, 2019) numa pré-estreia de uma chamada relâmpago. Não estava pronto (já que gosto de me preparar psicologicamente antes de qualquer filme na tela grande, pois não gosto de chegar de qualquer jeito), mas foi uma grande experiência. Se você ainda não leu meu artigo anterior sobre a expectativa do filme, corra lá agora, pois introduzirá você a várias informações e termos que usarei aqui. O artigo a seguir está carregado de raios amarelos e azuis de spoilers. Esteja avisado. Não vou me atentar a todos os núcleos do filme, somente aos que achei interessante em construção. Então não me odeie se eu não citar alguns protagonistas humanos.
A abertura do filme começa como uma forma de preparar o espectador para a situação global após a aparição do Godzilla de 2014 com um enxurrada de construções visuais de mídia. A obra se passa 5 anos depois. Agora, o mundo vive debaixo do terror das aparições dos “titãs” em vários cantos do globo. Diante do medo de uma crise maior estourar, governos do mundo todo debatem uma militarização da Monarca, instituição que monitora (e contém) atividades de kaijus. Em diversas das instalações da Monarca estão sendo contidos kaijus de diversos naipes.
O primeiro monstro a dar as caras é Mothra, acabando de sair de seu casulo, ainda na forma larval. Nesse momento, somos apresentados ao ORCA, dispositivo criado por Emma Russell (Vera Farmiga) capaz de se comunicar com os titãs e acalmar os mesmos, ou deixá-los loucos, dependendo da situação.
Após isso, Mothra sai do foco do filme para dar destaque a Ghidorah, preso nas geleiras da Antártica. Godzilla, o herói do filme e portador da força de equilíbrio das espécies, rapidamente vai ao encontro da besta de 3 cabeças para confrontá-la. Godzilla e Ghidorah são inimigos mortais e já se enfrentaram num passado pré-histórico, como algumas gravuras antigas apresentadas no filme revelam. Destaque para a construção visual de Ghidorah, com as personalidades distintas das três cabeças da fera e a co-operação das mesma ao longo do filme (e as brigas entre si). Sua presença imponente representa sua vontade de reinar como o Rei dos Monstros da Terra. Ghidorah, neste filme, veio do espaço, alterando o equilíbrio das espécies do planeta, por isso a voracidade de Godzilla para eliminá-lo.
O personagem de Ken Watanabe, Dr. Ishiro Serizawa, mais uma vez funciona como uma presença que traz o contexto metafísico da presença do Godzilla e de outras criaturas. Aquele que todos ignoram, mas que no final era o indivíduo que tinha toda a razão da situação. Entretanto, dessa vez, é dada a ele uma missão prática: levar material nuclear para acelerar a recuperação de Godzilla após uma batalha penosa contra um dos monstros. Uma cena poética marca o encontro de Watanabe numa missão suicida, com Godzilla ofegante ao chão. “Até mais, velho amigo” diz ele ao tocar o Rei, funcionando como uma metáfora de encontro da figura e suas raízes japonesas, como criador e criatura. Se algum morresse, saberiam ambos que retornariam, pois Godzilla e sua mitologia são imortais, mutáveis, mas imortais.
Destaque para a personagem de Zhang Ziyi, que junto com o personagem de Watanabe constroem os portadores de informações vitais e subliminares sobre os kaijus. Ziyi é como uma enciclopédia viva dos diversos titãs espalhados pelo mundo. Pertencente à terceira gerações de agentes (?) da Monarca com grande conhecimento mitológico (que se torna histórico, já que os monstros deixam de ser lendas para tornarem-se realidade). O encontro de Watanabe e Godzilla resulta em sua morte. Fica com a personagem de Ziyi a responsabilidade de decifrar a ação dos monstros nos futuros filmes que virão. Quem sabe mais japoneses não entram para essa equipe. Inspirações de personagens nos originais não faltarão.
Mais a frente, temos o despertar de Rodan, que atrai Ghidorah. A fera de três cabeças emite um sinal que desperta kaijus de todo o mundo, que iniciam uma onda de destruição. Ghidorah quer se impor como Rei de Todos. Watanabe, em seu sacrifício, traz Godzilla de volta de seu “túmulo” para uma batalha final épica contra o invasor do espaço. Gojira está em desvantagem, pois Ghidorah ter a ajuda de Rodan. Num momento onde tudo tende a destruição (pois Godzilla tá “bombado” além da conta com radiação e explodirá a qualquer momento), Mothra desperta com suas asas cintilantes e vai de encontro à batalha para ajudar a derrubar Ghidorah. Mothra é colocada como a “Rainha dos Monstros”, aliada de Godzilla no jogo do equilíbrio de espécies dominantes na Terra.
No geral, as lutas não são preguiçosas, os confrontos tem níveis épicos que jamais vi nessas adaptações americanas de tokusatsu. Hoje a tecnologia já permite bem mais coisas que há 20 anos atrás (já viram Godzilla 1998?), e o filme soube fazer bom uso para performar coisas impensáveis em toda a história do Gojira. Cada monstro foi posto com a toda a voracidade que se esperaria de tais criaturas. Mutilações não foram poupadas, assim como nos originais japoneses. A proposta furtiva de Godzilla de 2014 não está nesse filme (graças a Deus), e pudemos ter uma presença enorme dos monstros em ação, como um bom tokusatsu deve ser.
A fotografia dos confrontos é alaranjada, terrosa. O ar sempre carregado da poeira que os monstros levantam em sua passagem, escurecendo o céu, fazendo dos grandes planos gerais verdadeiras pinturas. O onírico e o horror escupidos no céu. No limiar entre o verossímil e o totalmente fantástico.
Não vou expor o (confronto do) fim do filme, mas o que posso dizer é que o mundo se torna mais aberto em diversas áreas do conhecimento para a realidade dos monstros após a crise dos titãs iniciada aqui. No arco final, os monstros reconhecem a soberania de Godzilla e literalmente se curvam para ele. Se você achou isso estranho demais, lembre-se que as raízes disso tudo é tokusatsu, onde o horror e a fantasia são uma grande amálgama, verossimilhança não cabe muito aqui. Um universo com monstros em todo lugar conseguiu ser instaurado com sucesso com esta obra, agora só a bilheteria vai dizer se continuações virão.
Na minha opinião, foi o melhor filme de kaiju americano de todos até agora. Não teve um ritmo maçante. A apresentação dos diversos monstros foi feita de forma dosada na medida de favorecer o plot, sem atropelar o enredo. O espectador não ficará perdido com tanto monstro na tela (que na verdade nem são muitos). A película reserva alguns momentos para “atiçar”o próximo filme, King Kong vs. Godzilla, que, se seguir a linha de maturidade de produção desde o Godzilla de 2014 até agora, pode ser um filme tão bom quanto este.
Vejam este filme na tela grande, é lá onde os monstros gigantes se tornam supremos em performance. Se você não gostava de monstros gigantes, talvez repense após este filme. E o universo deles é bem grande para vários gostos. Escolha uma linha (ou todas) e sigam assistindo.
VEJA TAMBÉM:
Godzilla II: Rei dos Monstros – Plano Sequência #take005
Cineasta de formação, programador e SysAdmin. Viciado em café, novas tecnologias e fixado em colocar equipamentos antigos para funcionar. Nas horas vagas produz seus próprios tokusatsus com a ajuda dos amigos. Não pode ver uma câmera antiga que quer comprar. Criador da Mirai Fantajii.