Todo mundo sabe que Pokémon é um fenômeno mundial que já atravessa mais de duas décadas e segue com toda força. Entre animações, card games, mangás, camisetas, brinquedos, e claro, os jogos de videogame, onde apareceram pela primeira vez em 1995, alcançando, hoje, o segundo lugar como franquia de mídia de jogos mais bem sucedida do mundo, atrás apenas do imbatível Mario. Muitos de nós crescemos consumindo produtos e mídias dos monstrinhos de bolso, outros já nasceram em uma época em que os bichos já bombavam com tudo nas telas das TVs, dos celulares, dos consoles portáteis. O fato é que é difícil encontrar alguém que nunca tenha ouvido falar de Pokémon ou que pelo menos não reconheça o simpático ratinho amarelo com bolinhas vermelhas nas bochechas que é a cara da franquia.
Comigo não foi diferente. Comecei a acompanhar a animação na Record, no finado programa da Eliana. Ávido por ver novos daqueles bichos a cada episódio, ansiando para que eles evoluíssem, sem fazer ideia de que a origem daquele universo era um jogo de videogame. Quando descobri isso, mesmo que quisesse jogar, nunca tive como, pois não possuía um GameBoy (console portátil da Nintendo onde os jogos eram lançados), ficando só na vontade e na inveja dos amigos que tinham esse enorme privilégio. Enquanto isso ia me contentando com os tazos, cartinhas, miniaturas do Guaraná Antártica (<3) e outros colecionáveis. Até que, finalmente, quando ganhei meu primeiro PC, antes mesmo de ter internet em casa, consegui um belo de um emulador, onde pude, pela primeira vez, ser eu mesmo um treinador Pokémon. Foram anos jogando todos os jogos que já haviam sido lançados (e já eram muitos até então), enquanto acompanhava Ash Ketchum da Cidade de Pallet em suas infindáveis aventuras (tão infindáveis que ainda seguem, firme e forte, em sua 22ª temporada).
Anos depois, já crescido (mais em corpo do que em cabeça) eis que é lançado um jogo que era o sonho de qualquer fã da franquia, onde cada um, usando seu smartphone, poderia andar pelo mundo capturando os monstrinhos, treinando-os e os evoluindo. Pokémon Go foi uma febre em seu lançamento, muito mais pela, já inigualável, fama da marca do que pela tecnologia que o envolvia, e até hoje leva vários grupos de jogadores a eventos ao ar livre pelo mundo todo. Claro que assim que adquiri um celular que rodasse o jogo entrei na onda e obviamente fiquei completamente encantado. Aos poucos o encanto foi passando e fui percebendo as falhas da jogabilidade e a quase impossibilidade de andar com o celular na mão pelas ruas de Fortaleza foram me desanimando. Mas o importante é dizer que, com quase 30 anos de idade me juntava a outros amigos da mesma faixa etária para trocar Pokémons e fazer missões nas praças da cidade.
Essa história vai se repetir, com uma ou outra diferença, em muitas das pessoas que estão lendo esse texto. Então é inegável que, após mais de 20 anos, o anúncio de um primeiro longa-metragem live action de Pokémon mexesse com vários coraçõezinhos saudosos. No meu caso a empolgação inicial durou alguns minutos, até descobrir que o filme seria inspirado em um jogo que só tinha ouvido falar e que diferia muito dos tradicionais games da franquia, geralmente baseados em batalhas e capturas dos monstrinhos. Mais devastado ainda fiquei quando, ao assistir ao primeiro trailer, vi os monstros na forma “realista” como seriam mostrados. Desde lá passei a repudiar qualquer coisa ligada ao filme e reclamar abertamente com qualquer pessoa que o esperasse ansiosamente. Quando saiu a notícia de que o Pikachu falante do filme (!) teria a voz do Ryan Reynolds, aí já era pedir demais dar qualquer credibilidade à produção. E o pior era saber que o filme seria um sucesso sendo ele bom ou ruim, já que qualquer coisa com o nome “Pokémon” no título é consumo garantido.
Ao sair da sessão do filme, o sorriso no meu rosto surpreendia até a mim mesmo.
Dirigido pelo pouco conhecido Rob Letterman, responsável por algumas animações esquecíveis e filmes estrelados por Jack Black mais esquecíveis ainda, o filme nos apresenta a Tim Goodman (Justice Smith), um jovem solitário e emburrado que, diferente de praticamente todo mundo, prefere viver sem a companhia de Pokémons, ostentando orgulhosamente a estabilidade de seu emprego numa empresa de seguros. Ao receber a notícia da morte do pai, o detetive Harry Goodman, em um acidente de carro em outra cidade, Tim precisa sair da casa de sua avó, onde cresceu, para resolver alguns pormenores. Ao chegar em Ryme City, o rapaz se depara com o companheiro Pokémon de seu pai, um pikachu cheio de personalidade que, por algum motivo desconhecido, consegue se comunicar com ele. A partir daí os dois seguem uma jornada de investigação sobre a misteriosa morte de Harry, já que o Pikachu não consegue lembrar de nada que aconteceu antes do acidente.
O filme tenta seguir um plot básico de filmes noir, onde geralmente temos uma trama investigativa seguindo os passos de algum crime ou plano maléfico, e mesmo que tenha sugerido isso literalmente, ao nos mostrar uma TV ligada transmitindo um desses filmes em preto e branco no apartamento do detetive desaparecido, o roteiro fica apenas na intenção, nos apresentando apenas soluções simplistas demais ou até mesmo de forma ridícula para as pistas do mistério. É claro que devemos lembrar que o público alvo do filme não são apenas os marmanjões metidos a sabidos como eu, mas também crianças de várias idades que precisam de algo mais objetivo. Claro, mas isso não quer dizer que o roteiro precisa ser preguiçoso a ponto de criar um personagem com a única função de ter várias das respostas e pistas da investigação, além, é claro, de um forçado e desnecessário interesse amoroso por parte do protagonista.
Por outro lado, mesmo errando feio no quesito filme de investigação, o roteiro é certeiro ao criar um universo que, mesmo parecendo familiar a muitos dos espectadores, pudesse trazer algo novo, estabelecendo novas regras que devem surpreender muitos dos fãs, ao mesmo tempo em que apela para a nostalgia na criação e no comportamento dos monstros, além da interação com os humanos, belamente explorada em vários momentos, como quando vemos um grupos de squirtles ajudando bombeiros a apagar um incêndio ou um snorlax dormindo no meio da rua enquanto um machamp usa todos os seus quatro braços para apontar o caminho livre e desafogar o trânsito, sem contar os loudreds servindo como caixas de som em uma festa.
O design dos Pokémons é outro acerto, levando o realismo até o limite de não mudar demais os monstros como já os conhecemos. Não espere ver um Charizard como um dragão gigantesco como os que aparecem em Game of Thrones, ele é um Charizard como aquele teimoso do Ash, mas com uma pele texturizada de escamas, assim como o psyduck é coberto de uma curta penugem amarelada e a magikarpa tem escamas como um peixe qualquer do mundo real. O design da cidade não fica atrás, apresentando-se como uma grande metrópole japonesa, cheio de placas iluminadas em neon e prédios altíssimos, nos dando várias informações sobre como os Pokpemons são parte intrínseca daquele mundo.
O humor do filme fica basicamente a cargo do Pikachu detetive, contrastado pela personalidade pessimista de Tim. O ratinho elétrico não para de falar nem dois minutos e é certamente a estrela do filme, com todas as suas tiradas rápidas e irônicas e seu vício doentio em cafeína, não me admira a escolha de Reynolds após seu sucesso com o falastrão Deadpool. Destaco aqui a sequência hilária com o Mr. Mime, que também serve para nos ressaltar a impaciência de Pikachu. As sequências de ação também se mostram bastante competentes, e mesmo que o filme não trate sobre isso, os roteiristas foram bondosos em nos darem ao menos o gostinho de uma batalha Pokémon aos moldes tradicionais.
Tenho que dizer que Pokémon: Detetive Pikachu é sagaz em iniciar sua história com um tom mais sério e ir se tornando leve conforme vamos voltando a nos sentir mais à vontade, quase como se nos fizesse reencontrar a criança que cantava o tema de abertura do desenho até ficar rouco todas as manhãs. Claro que não é o filme live action de Pokémon que eu queria, mas é o que temos, e fiquei muito feliz de tê-lo visto.
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Cineasta e Historiador. Membro da ACECCINE (Associação Cearense de Críticos de Cinema). É viciado em listas, roer as unhas e em assistir mais filmes e séries do que parece ser possível. Tem mais projetos do que tem tempo para concretizá-los. Não curte filmes de dança, mas ama Dirty Dancing. Apaixonado por faroestes, filmes de gângster e distopias.