Osamu Tezuka, conhecido como “Deus dos mangás”, foi um mangaká que ajudou a consolidar a indústria de quadrinhos japoneses, mais que isso, foi responsável pela criação de um estilo próprio e divulgação da arte dos mangás tanto para o Japão quanto para além. Sua relação com o Brasil se deu muito pela aproximação de seu criador com Maurício de Souza durante a década de 1980. A obra mais famosa de Tezuka talvez seja Astro Boy (1952-1968), um mangá de ficção científica que tem como pratogonista, Atom – o Astro Boy – um robo que, devido algumas complicações de sua história, passa a combater o crime e a lutar por justiça.
O futuro do mangá original se passa no ano de 2003, e é justamente nesse ano que começa a ser publicado Pluto (2003-2009), obra de Naoki Urasawa em colobaração com Takashi Nagasaki, que é uma releitura de um arco inteiro de Astro Boy, chamado “O Maior Robô da Terra”, história que marcou Urasawa na infância e que ele teve oportunidade de reimaginar nessa homenagem. Conhecido por obras como Monster e 20th Century Boys, Urasawa possui um estilo próprio bem desenvolvido; suas obras, sejam elas as mais conhecidas ou não, trabalham sempre com aspectos do suspense e de crimes, ele é um excelente mangaká para desenvolver personagens, narrativas e cria tensão. Contudo, com Pluto o desafio seria outro, afinal, retrabalhar uma obra que já é tão conhecida e aclamada poderia ser um problema, porém essa dúvida se esvai já na leitura dos primeiros atos do mangá.
A obra é divida em 8 volumes com média de 200 páginas cada, com exceção do último volume que tem 250. A edição brasileira ficou a cargo da Editora Panini sob o selo Planet Manga. Por aqui ele tem o formato 13,7 x 20 cm com miolo em papel off set, com algumas páginas coloridas, capa cartonada e com orelhas. Seu preço gira em torno de 18,90, mas é possível encontrar mais barato, principalmente em sites como a Amazon. Como é um mangá relativamente recente (no Brasil sua primeira edição saiu em dezembro de 2017) ainda é possível encontrar os primeiros volumes com facilidade tanto em lojas de quadrinhos quanto pela própria Amazon ou livrarias on-line. De uma forma geral, tirando alguns problemas de impressão em algumas páginas, a edição brasileira é muito bonita e muito bem acabada, um trabalho muito bem feito pela Panini.
Dadas as informações sobre a edição, uma breve sinopse: depois da 39ª Guerra da Ásia Central, o mundo vive em paz, os sete robôs de alta performance que lutaram durante a guerra agora vivem de acordo com suas necessidades e buscando contribuir para a prosperidade do mundo. Essa calmaria não dura muito tempo, pois logo no início um desses robôs, chamado de Mont Blanc, é cruelmente assassinado e desmembrado, sua cabeça é achada e nela estão ferros que lembram chifres. A narrativa se desenvolve, outro robô de alta performance, o detetive de Europol, Gesitch é designado para investigar o caso e então começa o jogo de gato e rato, o detetive descobre que o nome do assassino é Pluto, conhecido como deus da morte na mitologia romana, e que ele tem como objetivo destruir os sete robôs, a característica principal deste serial killer é inserir os ferros que lembram os chifres, fazendo jus a figura mitológica romana que possuía chifres também.
O mais interessante desse mangá é a maneira como Urasawa trabalha a questão do suspense, cada volume se desdobra para algo que não é possível prever embora, ao mesmo tempo, o autor deixasse pistas ao longo dos volumes passados, coisas que poderiam passar despercebidas, mas que são fundamentais para o desenvolvimento da narrativa. Outro aspecto importante é o desenvolvimento de personagens, Urasawa se distancia de Tezuka em dois pontos fundamentais; o primeiro a arte, o desenho, embora seja muito inspirado, possui um tom bastante realista, diferente do tom mais infantil do seu criador, segundo no aprofundamento das personagens, suas histórias de fundo, duas características pesadas e controversas, o peso dramático que Urasawa dá aos seus personagens os aproximam demais do mundo em que vivemos, a ponto de nós, leitores, nos identificarmos com os dramas de alguns. Ainda na história, mesmo que o grande condutor da narrativa seja a questão investigativa, o autor dá como background várias questões que permeiam a nossa sociedade contemporânea, a discussão sobre intolerância racial, o imperialismo norte americano (aqui representado pelos Estados Unidos da Trácia), até que ponto vale uma mentira, por exemplo, inventar que um país é uma ameaça mundial e invadi-lo antes mesmo que essa ameaça seja comprovada. Enfim, trata-se de uma obra maior do que ela se propõe.
Pluto é um mangá curto, mas que trabalha temas importantes para nossa sociedade. É uma reflexão necessária e atual, além de ser uma bela homenagem a obra original. Ela tem sua força principalmente na genialidade de seu autor e nos seus personagens, que embora sejam robôs, apresentam mais humanidade que muitos humanos. Tezuka está bem homenageado e nós bem servidos com essa obra-prima do suspense e ficção científica de Naoki Urasawa.
Atual Vice-presidente da Aceccine e sócio da Abraccine. Mestrando em Comunicação. Bacharel em Cinema e formado em Letras Apaixonado por cinema, literatura, histórias em quadrinhos, doramas e animes. Ama os filmes do Bruce Lee, do Martin Scorsese e do Sergio Leone e gosta de cinema latino-americano e asiático. Escreve sobre jogos, cinema, quadrinhos e animes. Considera The Last of Us e Ocarina of Time os melhores jogos já feitos e acredita que a vida seria muito melhor ao som de uma trilha musical de Ennio Morricone ou de Nobuo Uematsu.