Existem dificuldades em mesclar o humor e o terror sem fazer uma verdadeira pataquada, desde um roteiro bem escrito, atuado, quanto uma atmosfera digna. O curta-metragem Parla Italiano busca trazer elementos dos diferentes gêneros mesclados com diferentes vivências e reações relacionadas a experiências espirituais cotidianas. Quer você acredite ou não, existem vivências extremamente complicadas de explicar sem uma certa crença ou conhecimento sobre espiritualidade, sobre o além e diferentes crenças que trazem diferentes motivos para tais acontecimentos. Caso você que está lendo não esteja tendo lembranças de alguma história própria, certamente ouviu alguém contar alguma lembrança ou acontecimento com o sobrenatural.
Através de uma história simples, Parla Italiano cria uma história complexa e capaz de gerar múltiplas formas de representação das diferentes reações de pessoas reais (mesmo se tratando de personagens) sob um acontecimento sobrenatural. A mescla de diferentes gêneros flui de forma natural ao longo do filme, trazendo nuances do melodrama através de uma relação das duas amigas Gabriela (Rastricinha Dorneles) e Julia (Rayna Pegado), que está mudando para algo à mais, antes de adentrar o mundo do sobrenatural.
Claro, cito aqui o sobrenatural com um sentido mais amplo, pois não cabe a esse texto explicar as múltiplas espiritualidades e sincretismos. O filme mesmo não se propõe a fazer isso. Aparentemente há uma certa vivência escolhida quando o roteiro opta por traçar as personalidades e acontecimentos dentro de sua história, essa escolha combina muito com a escolha de elenco do curta. É de extrema importância para a criação dessa história o cuidado tomado pela direção e do roteiro tratando das diferentes reações dentro da história a espiritualidade. São pessoas diferentes, gêneros cinematográficos diferentes, reações diferentes misturados de uma forma bem saborosa para uma obra original e única.
Com a direção assinada por duas pessoas trans, Rastricinha Dornelles e Caim, o filme se junta a diversas obras capazes de mostrar o potencial e o alcance da arte trans. Importante aqui pontuar a direção feita por pessoas trans exatamente pelo fator histórico onde pessoas trans são e foram invisibilizadas dentro do audiovisual (seja em frente às telas como por trás). Outras pessoas trans foram essenciais tanto na equipe técnica quanto no elenco de “Parla Italiano” para tornar a obra algo essencialmente único de se assistir.
Através da composição de cena e caracterização das personagens, o místico e o real interagem perfeitamente. É criada uma atmosfera realista, bebendo de elementos do terror enquanto o espaço remete a uma casa comum. Utilizando elementos de iluminação e um belo jogo de sombras, a equipe de fotografia – cuja direção é assinada por Omar Ugelli – cria uma narrativa visual adequada para acompanhar a história de quinze minutos com a complexidade de explorar a comédia e o terror. Claro, a estética do terror é em si mais única e permeia todo o projeto, cujo roteiro se faz responsável por trazer o armário cômico para a história.
O curta Parla Italiano vai ter sua estreia oficial no Grande Encontro do Projeto Marietta, dia 13 de Agosto de 2025.
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Cineasta graduade em Cinema e Audiovisual, produtore do coletivo artístico independente Vesic Pis.
Não-binarie, fã de super heróis, de artistas trans, não-bináries e de ver essas pessoas conquistando cada vez mais o espaço. Pisciano com a meta de fazer alguma diferença no mundo.