O romance contemporâneo tem muitas nuances que percorrem desde o classicismo na literatura. As famosas histórias de amor não só possuem um padrão em seu enredo, como também estabelecem um determinado estilo de personalidade dos personagens. Durante o romantismo, houve uma tentativa de quebra desse tipo de obra, que se tornaram apenas clássicos clichês e que volta e meia iam ganhando força com algum best-seller que se destacava, afinal, todo mundo gosta de um casal apaixonado.
Colleen Hoover é um dos nomes que tem ganhado destaque depois da era teen de Crepúsculo e A Culpa é das Estrelas, conquistando um público jovem com os enredos para além de conhecidos, mas com um toque de dark romance que ganha cada vez mais destaque, principalmente com a força de obras de true crime e fama conquistada na internet.
Lily, a protagonista, segue os padrões de boa moça que toda protagonista de romances água com açúcar, sendo branca, ruiva, feminina e cheia de esperanças de que o universo dará tudo para ela. Entretanto, um ponto que já inicia interessante é o fato dela ter vindo de um lar violento e seu relacionamento com um rapaz que também vinha de uma família desestruturada. Essas experiências trazem uma profundidade para a personagem, assim como a escolha disso ser contado. Apesar disso, ela se perde quando tenta prolongar a história com atitudes incoerentes da personalidade da protagonista.
Confissões em cartas
É Assim que Acaba é dividido em dois tipos de narração, todas em primeira pessoa e feitos por Lily. No entanto, para apresentar o personagem Atlas o gênero escolhido foi o epistolar. Particularmente, eu acho incrível quando o autor consegue adicionar cartas dentro de uma história de um jeito que atraia o leitor para esse mundo, dentro de outro mundo e esse é o ponto auge de toda a obra. Lily apresenta sua paixão pela apresentadora Ellen DeGeneres e numa tentativa de ter uma válvula de escape, como testemunha da violência diária de sua mãe, o aprofundamento da relação consigo própria e com Atlas, seu amadurecimento precoce e como utilizava as cartas como diários e silenciosos pedidos de socorro. Era a melhor parte da história. As cartas são extremamente envolventes, a linguagem de uma adolescente é totalmente convincente, além da poética escolhida por uma adolescente vivendo esse turbilhão de acontecimentos.
A evolução da personagem feminina
Quando Lily começa a contar que seu destino, agora, cabia só a ela, a partir da morte de seu pai e a emancipação de sua mãe e consequentemente a sua também, tudo isso enquanto olha o céu estrelado de Boston. Não podemos dizer que ela quebra a expectativa, pois a expectativa mal havia se formado, pois logo após, todo esse momento introspectivo é interrompido por uma montanha de músculos que demonstra um comportamento violento em sua primeira aparição. Automaticamente ela esquece todos os problemas e até mesmo é ignorado o impacto que uma pessoa sendo violenta causaria em alguém que tem traumas. Lily entra num tipo de comportamento anestésico que a acompanha até quase o fim do livro. E isso foi escolhido para tentar tornar coerente quando ela recebesse o primeiro tapa. Riley se mostra incontrolável, sem carisma e egoísta o tempo todo e sem motivação para ser o mocinho por quem ela se apaixonou, mesmo assim Hoover insiste que Lily seguiria perdoando esse homem, por ser quem ela escolheu amar. Riley não respeita nenhuma decisão da ruiva desde o primeiro encontro, ao transformar um momento de desabafo entre desconhecidos em flertes baratos e proposta de sexo. Quebra totalmente o clima de empatia compartilhada, como também o pedido de casamento sem tempo para pensar, compra de apartamentos que a prende a ele o tempo todo, a manipulando sem parar. Lily se encontrou com a versão atualizada de seu pai e em muitos momentos se questiona isso, mesmo sendo rica e numa posição de privilégios não vai atrás de nenhuma ajuda profissional.
A necessidade do outro resolver tudo e o outro é sempre um homem
Uma coisa que sempre detestei em Lua Nova, segundo livro da saga Crepúsculo, foi como Bela reflete muitas vezes que Jacob seria seu salvador depois de ser abandonada por Edward. Faz com que uma personagem independente sempre precise de um homem para se sentir bem sucedida na vida. E mesmo com o passar do tempo, Lily quase caí nessa mesma armadilha. Apenas Atlas pode tirá -la desse amor tóxico, desse ciclo de violência, pois ela não é apenas uma vítima, mas também fraca e frágil demais para sair disso sozinha, não apenas sair dessa relação, mas ficar sozinha para construir sua vida a partir de si mesmo. Obviamente, que uma rede de apoio é extremamente importante, e mesmo com essa tentativa de Atlas ser o grande salvador, o fato dela preferir não se envolver com ninguém romanticamente, mas continuar casada com Riley e só considerar capaz de ser independente quando descobre que o bebê que espera é uma menina e se vê se tornando a mais recente versão de sua mãe, não sei exatamente se foi bom. A inconsistência da personagem realmente é incômoda e confusa dentro da história, parecendo ser duas histórias distintas que por algum motivo se fundiram.
A responsabilidade da literatura
Assim como Colleen Hoover, vou me contradizer, pois defendo que a literatura nunca teve nenhuma responsabilidade com a sociedade. Não é função do escritor, nem da história repassar qualquer mensagem ou exemplo, entretanto, quando o autor, ou nesse caso, a autora se coloca nesse lugar, automaticamente será cobrado uma consciência sobre o poder que essas obras têm sobre a vida daqueles que o leem. Principalmente quando o público é totalmente influenciável pela construção desses personagens, em especial, garotas. Para fora das cartas, existem poucos momentos do livro que fica claro o quanto a violência doméstica pode ser evitada em seu início, ela não busca ajuda de ninguém até o pior acontecer e quem se torna seu salvador é um outro rapaz, rico e forte, pronto para destruir tudo por ela. A sororidade e apoio de outras mulheres não existe para além de sua mãe e sua única amiga, que também é irmã do agressor e em sua maioria, relativiza as ações do irmão, pois ele tem suas cicatrizes. Lily não tem rede de apoio, o sucesso dela incomoda, a possibilidade dela ter outras coisas longe do marido incomoda. Durante toda a história ela toma apenas duas atitudes para si mesma: abrir a floricultura com plantas subversivas – particularmente a coisa mais branca que já li na minha vida -, e ligar para Atlas depois da maior e mais intensa agressão de Riley, que inclui a tentativa de violência sexual, quase completando toda a cartela de bingo de possíveis violências numa relação.
Outro ponto importante, é o fato de como na cultura pop atual, que não se limita apenas a literatura, mas não a exclui, é a recorrente escolha de amadurecer uma mulher por algum tipo de violência sexual, a liberdade feminina ainda é colocada como uma arma que mulheres usam ou são a principal ferramenta que homens vão utilizar para exercer poder sobre essas mulheres.
Precisamos ler Colleen Hoover?
Dado as polêmicas e tudo que ronda as publicações dessa autora, acredito que ainda me lerão falando muito mal de suas obras, o que é uma pena. Acredito fielmente que Hoover tem potencial de escrever grandes obras, retratando personagens que não são clichês de romances dos séculos passados, com uma pincelada de atualidade. Que suas vendas e demandas não seriam desconsideradas por isso, pelo contrário, ela abraçaria um público ainda maior do que tem atualmente. E torço para que esse momento aconteça para poder falar sobre como essa escritora pode construir para além de Lilys, outras facetas de mulheres independentes.
Título original: É Assim que Acaba
Autora: Colleen Hoover
Editora: Galera
Publicação: 2018
Nº de páginas: 368
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Estudante de Letras, ainda fingindo ser escritor, mesmo nunca lançando nada. Um paulista perdido pelo nordeste e obcecado por bolinho de chuva. Apaixonado por Duro de matar e filmes de heróis, evito musicais e romances clichês.