RESENHA | A Química Que Há Entre Nós, de Krystal Sutherland

Ler o título desse livro nos faz esperar uma história típica de como o amor deve ser — e tem um jeito certo? — ou da forma especial que acontece. Nessas horas, há os inúmeros clichês que caracterizam o núcleo, ao menos, aquilo que ouvimos Sandy & Júnior cantar “olha o que o amor te faz, te deixa sem saber como agir“, e também, Fábio Júnior na sentimental Alma Gêmea. Embarcar em obras literárias ou nas diversas comédias cinematográficas, induzia a sensação de que o chamado arrebatador do amor, tudo sofria, suportava e vencia com um final feliz – exceto para Romeu e Julieta. Em seu trabalho de estreia, A Química que Há Entre Nós, a australiana Krystal Sutherland veio pronta para contrariar essa bagagem romântica num debute intenso de acertos e erros.

Publicado em 2017, a autora nos apresentou Henry Page, tímido adolescente do ensino médio que nunca viveu uma grande aventura e tampouco se apaixonou, até conhecer a estranha e interessante Grace Town. Descrevendo assim, parece a versão escrita de alguma produção romântica adolescente americana — o que foi proposital —, mas a obra garante seus méritos. Narrado em primeira pessoa, decolamos capítulo por capítulo através de um personagem carregado emocionalmente, mensurar a turbulenta vez que amou — amou?

Claro que, de tantas garotas do mesmo colégio que ele conhecia, Henry se apaixonaria logo pela novata. Seria Grace genuinamente popular, ou outra polêmica Manic Pixie Dream Girl, arquitetada para dar um choque de realidade no homem cis triste demais para viver? A jovem Town era misteriosa, desajeitada — manic p… — não vestia roupas femininas, o cabelo com corte desalinhado e bagunçado, e mancava enquanto andava usando uma bengala. Fazendo a química reagir, Krystal pegou os arquétipos fundados pela cultura pop para dizer: não é bem assim. O amor não é único, não é totalmente belo, não durará pra toda vida. Em colocações diferentes, é como se pincelasse a própria história com o que a narrativa norte-americana (e muitas outras) costuma compor e então mostra o lado realista escondido.

De distintas realidades, apesar de alguém intensivo, o meio ao qual Henry cresceu e seus ideais o fez acreditar no amor em sua incessante forma. Como seus pais, poderia encontrar a segunda metade, se fundir a tudo que sentem e se tornarem cúmplices. A carga produzida desde a primeira vez que os lábios e o resto do corpo se chocou, surgiria a cada tempo para fortalecer a chama. O problema foi depositar tais realizações em Grace: mesmo com as esquisitices, e tantas omissões, a beleza e os sentimentos que tinha por ela, eram os motores. Porém, havia bem mais. Eram vivências opostas, e assim como ele mirava um amor ideal, a jovem Town vinha de raízes que a moldaram e ensinaram outras definições de amor, não sobre uma pessoa que conheceria, e mais tarde, as fábulas amorosas seriam verdade.

Nessa linha, conhecemos dois personagens difíceis. Ter sido escrito por uma mulher, permitiu aqui um Henry ciumento, obsessivo, persistente, inseguro, ansioso, externar sobre Grace além da sua visão frustrada e personalidade problemática, de maneira a dar profundidade. Sabemos como a moça é reprimida, em poucos momentos radiante, na maior parte do tempo, atuando na misteriosa cortina oculta que cobre emoções espontâneas, deixando as pessoas próximas confusas, diante do mistério que a mantém perdida e afastada de se comprometer a conversas, ppermanecend, assim, a versão que envolve e os dispersa para o escuro. Percorrer as páginas, transmite  desconforto e um desejo de que sentenças tão caóticas tomem um rumo reconfortante.

Pisando em sacadas primorosas, Krystal discorre em pontos maduros, entregues em momentos capazes de atingir o leitor ao chegar no ápice da sua proposta, desmascarando e rejeitada a fórmula dos finais felizes. Contudo, mesmo tendo um ritmo fluído, há os seus percalços. Ainda que não assuma inspiração, é inegável a influência de John Green na história, nisso, a australiana tentou criar um código humorístico com os personagens, mas terminaram sendo atípicos e mal desenvolvidos dentro da premissa: em certos trechos, destoa fazendo a escrita parecer infantil e preguiçosa. Como também, são calcados em nuances genéricas, pensando em obter efeitos determinados.

Além disso, a autora peca ao exceder as referências a cultura pop. Mirando um público jovem, é compreensível dizer que tal personagem gosta de Star Wars, mas não de Doctor Who — ou nunca leu ou assistiu a Harry Potter —, porém, refletindo na escrita seu gosto em nomear as coisas, se torna um porre Henry ter sempre uma comparação com longas-metragens para fazer. Grace com a bengala andando no corredor da escola “parecendo uma vilã de James Bond”. Grace vomitou nos meus sapatos “parecendo o filme O Exorcista”… lembrar como Edward Cullen era obcecado com Bella — enquanto Henry se avaliava quando pensava em Grace — foi uma das exceções em que a descrição não soava vagas – mas ter os calçados vomitado assim, joga logo fora.

Tratando sobre luto, perdas, superação e relacionamentos, A Química que Há Entre Nós sabe ser dispensável, e pouco depois, surpreender pelo bom uso dos personagens e condução da história. Assim como a divergência de Grace e Henry, o livro oscila na composição, a ponto de parecer duas coisas em um capítulo, mas em suma, o saldo inicial de Krystal é relevante: entre o frio e morno, alcança o aquecimento de sua mensagem.