Conclave – Política religiosa em sua essência mais pura e empolgante

O jogo político também é sobre um jogo de interesses, onde alianças são formadas, peças se movem com a maré, mas os ventos podem sempre mudar de uma hora para outra em favor dos mais frágeis, que em algum momento não são vistos como jogadores de peso, mas escondem seus interesses a vista, porém só são percebidos quando ascendem no topo da cadeia alimentar.

Essa analogia resume muito bem o longa dirigido por Edward Berger, Conclave (2024), que concorre a oito indicações no Oscar e traz uma trama que mostra os bastidores da votação mais importante da Igreja Católica, quando precisam escolher um novo líder após a morte de um Papa.

Não precisa ser religioso para entender este longa adaptado do livro de mesmo nome de Robert Harris, na verdade, o roteiro de Peter Straughan é bastante minucioso nos diálogos, deixando o público por dentro dos ritos e protocolos que precisam ser seguidos para a realização de um dos eventos mais fechados do mundo. Apoiado pela metódica direção de Berger, que já tinha mostrado seu talento no premiado Nada de Novo No Front (Im Westen nichts Neues, 2022), o filme ganha em qualidade e precisão, capturando a atenção do público em poucos minutos de projeção.

A história é contada pelo ponto de vista do Cardeal Lawrence (Ralph Fiennes), que ficou encarregado de liderar todos os procedimentos que antecedem o Conclave para escolha do líder máximo da igreja. É neste turbulento período que o personagem se vê no meio de uma conspiração que vai ficando mais complexa a cada nova cena.

O melhor de Conclave é a forma como o texto te envolve numa teia de mistérios, intrigas, sujeira e uma guerra de egocentrismo da boa, que vai nos puxando numa espiral de eventos que vão virando um quebra cabeça com ecos de thriller político e que vai introduzindo uma quantidade significativa de bons personagens representados pelos cardeais Bellini (Stanley Tucci), Tremblay (John Lightow), Adeyemi (Lucian Msamati), Tedesco (Sergio Castellito) e o misterioso novo cardeal Benitez (Carlos Diehz).

Cada um desses indivíduos tem uma agenda própria e o interesse de se eleger papa, ou ser o maior aliado daquele que será eleito. É desta forma que somos surpreendidos com um primeiro ato que mistura drama e mistério, mas logo evolui rapidamente para uma disputa velada e às vezes explícita numa votação que só acaba quando existe unanimidade e a fumaça branca sai da chaminé do Vaticano.

É incrível como o filme é bem executado e possui uma finesse nos detalhes muito por conta da edição muito bem feita, que coroa ainda mais a direção que consegue, através das reviravoltas dentro das votações, mudar o foco da narrativa tornando tudo muito imprevisível para o público, chegando a surpreender em muitos momentos sem desacelerar a trama, mas aumentando o ritmo que alimenta a segunda parte.

Isso tudo só foi possível não só por conta da direção excelente de Berger, ou o roteiro bem escrito, ou a fotografia lindíssima, ou pela ótima ambientação que realmente nos transporta para o Vaticano, mas porque o elenco, composto de veteranos, eleva ainda mais o texto com atuações consistentes e personagens cheios de personalidade e profundidade.

Os destaques ficam por conta de Ralph Fiennes, que interpreta um homem atormentado pela culpa, e que recebe a missão mais importante de sua vida ao organizar um dos eventos mais celebrados do mundo. O ator entrega bastante numa atuação memorável, que equilibra altivez, vulnerabilidade e uma inesperada ganância palpável pelo poder. 

Outros destaques vão para o sempre ótimo Stanley Tucci, que trava ótimos diálogos com Fiennes, inclusive. E Isabella Rossellini, que mesmo com tempo de tela limitado, teve a chance de mostrar uma atuação rápida e exemplar, evidenciando quem realmente comanda o espetáculo nos bastidores em meio a um ambiente bastante masculinizado, onde poucas mulheres tem voz.

Por tudo que foi comentado, Conclave é daqueles filmes de almanaque, feito na medida, bem executado, que prende atenção, que segue caminhos que parecem óbvios, mas acabam se tornando ótimas reviravoltas, incluindo a surpreendente sequência final. Com atuações consistentes, um roteiro bem estruturado, além de uma direção excelente onde cada detalhe é importante, este longa não só é um dos melhores de 2024, mas é de longe um dos melhores entretenimentos desta temporada de premiações.


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