Nada de Novo no Front – Os horrores e a banalidade da guerra

Longas de guerra fazem parte de um dos gêneros mais comuns e aclamados do cinema, com O Resgate do Soldado Ryan (Saving Private Ryan, 1998) sendo um marco da era moderna na forma de contar uma trama nesses moldes, todos os longas que vieram a seguir bebiam um pouco da trama dirigida por Spielberg, sendo copiado a exaustão por cineastas talentosos que queriam imprimir sua assinatura e ter um longa neste estilo mais cru para chamar de seu.

Os filmes de guerra mais comuns, são aqueles ambientados durante a Segunda Guerra Mundial, de longe um dos eventos mais destrutivos que já tivemos na história da humanidade. Pouco se fala, porém, da Primeira Guerra Mundial, que recentemente entrou em foco de novo graças ao longa de Sam Mendes, o aclamado e elogiado 1917 (2019), que foi filmado todo como se fosse todo numa tomada só, o famoso plano sequência, trazendo uma experiência diferente e uma imersão poucas vezes vista no cinema.

Seguindo nesta linha, chegamos ao ponto que importa, o novo longa internacional da Netflix, Nada Novo No Front (Im Westen nichts Neues, 2022), uma adaptação literária e também um remake do filme de 1930 de mesmo nome que conta a história de um jovem soldado alemão e um grupo de amigos que se alistam para lutar na linha de frente do exército durante a primeira guerra mundial.

O longa dirigido por Edward Berger é uma obra complexa, porque inicia de forma simples, numa pequena cidade alemã com amigos se reunindo para servir no exército, clima de felicidade, otimismo e empolgação. A narrativa não demora para ficar densa quando a realidade chega e o terror começa a tomar conta do rosto e da mentalidade dos combatentes.

O grande trunfo dessa obra é o fato de usarem a linguagem no idioma original alemão o que dá mais autenticidade e causa uma imersão quase que instantânea deixando tudo ainda mais intenso, muito porque o roteiro traça paralelos e cria vários estágios de amadurecimento e choque para os jovens soldados que estão dentro de uma máquina de guerra criada pelo Estado, onde os mesmos perdem logo a noção do porque estão lutando.

O roteiro escrito a três mãos pelo próprio Berger, além de Lesley Paterson e Ian Stokell adiciona um detalhe interessante: à medida que vamos progredindo na guerra, vemos a derrocada dos generais (e o começo do revanchismo alemão, semente para Segunda Guerra), um deles representado pelo ator Daniel Brühl, o rosto mais conhecido do elenco, estes se veem tomando decisões difíceis através de muita política e orgulho ferido, enquanto vemos milhares de soldados sendo massacrados no campo de batalha pelo exército adversário em prol de uma causa.

É incrível perceber como Nada Novo No Front é um longa pesado, pois não só escancara os horrores da guerra, mas mostra como esse tipo de evento rouba qualquer tipo de perspectiva de uma vida normal, onde também a fome, a exaustão e a morte pairam sobre esses combatentes como um fantasma que os assombra de forma implacável o tempo todo. Tudo isso é acentuado por uma direção espetacular de Berger que usa e abusa de tomadas longas, curtas e em primeira pessoa para não só mostrar a extensão das batalhas, mas também para criar uma tensão constante.

E o filme não para, apesar de ter alguns respiros, as sequências de guerra são viscerais e bastante longas, amparadas por uma trilha sonora e edição de som estupendas que funcionam como cornetas do apocalipse antecipando ainda mais destruição, mortes e violência. Isso tudo só funciona porque a parte técnica da produção é simplesmente um deleite para qualquer fã de cinema, a fotografia é uma das melhores que vi este ano, os efeitos práticos e visuais deixam tudo ainda mais críveis, a ambientação é uma das mais impecáveis que já vi em um filme de guerra.

E digo mais, tudo fica ainda melhor com o elenco bastante comprometido, com grande destaque para Felix Kammerer, o jovem ator é expressivo na medida e mesmo com poucos diálogos consegue transmitir todo medo, angústia e terror de estar num lugar inóspito e assustador, na pele de um soldado que vai passando por vários estágios de luto ao perder amigos até chegar num ponto anestésico.

O que nos leva ao terceiro ato, um dos mais chocantes e violentos que já testemunhei no gênero, destaque para a  sequência dos tanques, uma das mais bem filmadas e bem acabadas do ano, puro cinema, que faria mestres como Martin Scorsese abrirem um sorriso vendo tamanha precisão cinematográfica. 

No geral Nada Novo No Front é uma obra prima, daquelas que merecem ser vistas e revistas não só por mostrarem o lado alemão do conflito, mas por conseguirem trazer uma experiência imersiva daquelas inesquecíveis, me levando a crer que uma narrativa dessas vista numa sala de cinema seria ainda mais apoteótica. Ainda assim, a Netflix tem nas mãos um dos melhores filmes do ano que não passará despercebida na temporada do Oscar, uma obra muito bem dirigida, atuada e produzida que ficará marcada como uma das melhores senão a melhor ambientada na primeira guerra, onde a dor e o sofrimento são expostos, onde vidas são perdidas e onde uma geração inteira se esvai num piscar de olhos. Um longa pesado, necessário e chocante.


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