Prazer, eu sou do Bom – Você conhece a sua cidade?

Por Victor Comenho

Texto resultado da OFICINA DE CRÍTICA DE CINEMA PARA PESSOAS DISSIDENTES, COM ERIC MAGDA LIMA – MINISTRADA NA CASA AMARELA EUSÉLIO OLIVEIRA DURANTE O PERÍODO DE 18 DE JUNHO A 02 DE JULHO.


Prazer, Eu Sou do Bom (2019) é um curta-metragem documental que traz um recorte específico da vida cultural no bairro Bom Jardim, localizado na cidade de Fortaleza. Dirigido por Rodrigues Castro, a obra propõe um outro olhar sobre um bairro que é apresentado, pela mídia tradicional, como local perigoso e violento na periferia da cidade. Não é novidade que os grandes veículos de comunicação detém uma abordagem bem específica e cheia de preconceitos para as áreas periféricas de qualquer capital do Brasil, associando sempre um recorte de classe social e raça a elementos de violência. Embora, sim, a falta de segurança pública esteja presente em muitas dessas regiões (e até mesmo nos bairros ditos “nobres”), essas ruas também fervilham de vida, cultura e esperanças. É esse o olhar que Rodrigues Castro lança, nos apresentando um recorte bem pontual, mas muito representativo dessa região.

Tendo residido por muitos anos no Bom Jardim, a proposta do diretor e produtor do curta é desmistificar as ideias preconceituosas e mostrar como a periferia também é local de potência e transformação. A partir das falas iniciais do pesquisador Jamieson Simões e do arte-educador Joaquim Araújo, somos apresentados sem rodeios a essa perspectiva que se opõe às narrativas predominantes. Se, sim, há violência na periferia, de onde ela vem? Quais os mecanismos do próprio Estado que permitem e garantem que essa violência se perpetue? Ao iniciar o filme com esses questionamentos, de início o espectador já precisa se confrontar com suas percepções não apenas sobre a cidade de Fortaleza em si, mas com a própria experiência e vivência na cidade em que mora, qualquer que seja. Guardadas, claro, as devidas especificidades culturais de cada local, existem pontos comuns à vida em todo o Brasil que perpassam questões políticas, sociais e econômicas. Mesmo que o documentário traga um recorte muito específico de uma capital, ele nos provoca a pensar sobre a vida nos grandes centros urbanos do nosso país como um todo.

Partindo desse ponto de inquietação e denúncia, somos então convidados a acompanhar um recorte intimista e pouco conhecido da vida cultural do bairro. Somos apresentados à vida e ao trabalho de Katiana Pena. É, inclusive, a essa fala que a obra dedica a maior parte de sua duração. Acompanhamos então seu relato, que se inicia na infância e com o encantamento com o mundo das artes através de um circo localizado perto de sua casa. Após anos de estudos e prática, a bailarina sentiu necessidade de trazer para sua comunidade os conhecimentos e vivências que teve a oportunidade de aprender em outras áreas da cidade. Assim, fundou o instituto que leva seu nome, do qual hoje é coreógrafa e diretora e no qual, através da dança, transformou e segue transformando a vida de diversos jovens. Para compor a narrativa, também ouvimos os relatos de Cibele Araújo (bailarina e professora) e Ivina Ferreira (bailarina e aluna), e ambas destacam como terem conhecido a dança e encontrado alguém que acreditava em seus sonhos foi essencial para seu desenvolvimento profissional e pessoal. Aqui, a arte é mostrada como elemento fundamental na vida das jovens, que encontraram ali não apenas uma forma de se expressar, mas também um local onde conseguiram construir uma rede de apoio e se profissionalizar.

A escolha por se aprofundar no ambiente da academia de dança faz desenvolver maior proximidade e intimidade com os personagens retratados. A fotografia, inclusive, ajuda a dar o tom intimista, com planos bem fechados e várias cenas em close, quase como se nos convidasse para sentar e ouvir seus relatos. Esses elementos, somados às falas bem articuladas e cativantes das personagens, tornam Prazer, eu sou do Bom uma experiência imersiva e cativante que, sim, denuncia e provoca, mas que acima de tudo é um belo retrato da vida e dos sonhos dessas pessoas.  Apesar de nos apresentar o bairro como um local tão rico e diverso, e retratar apenas uma única narrativa do local, esse pequeno recorte de uma região muito viva é como um tímido aceno e um caloroso convite  não apenas para conhecer mais do universo do Bom Jardim, mas para o espectador questionar a sua forma de se relacionar e experienciar a cidade em que vive, seja ela qual for.

Você pode assistir Prazer, Eu Sou do Bom aqui.


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