Loves Lies Bleeding: O Amor Sangra – A Bela, a Má e o Feio

Bonito, cruel e tenso! Não há título mais apropriado para definir uma história sobre paixão, crimes hediondos e problemas familiares do que Love Lies Bleeding – O Amor Sangra (Love Lies Bleeding, 2024). Amor é o que move a trama de Lou, vivida pela grandiosa Kristen Stewart, e Jackie, interpretada pela potência tímida de Katy O’Brian, porém não é um amor doce, calmo ou caridoso (espero que você não esteja esperando por isso), e sim um amor voraz, faminto e explosivo, que sangra e faz sangrar. Na história, a protagonista leva uma vida miserável sendo sócia, e única funcionária, de uma academia financiada pelo seu pai mercenário até conhecer uma bela mulher que acabou de chegar na cidade. Tudo na vida de Lou vira de cabeça para baixo quando ela sente uma paixão avassaladora pela fisiculturista em ascensão, pois, para seu temor, Jackie também está envolvida com Sr. Lou (Ed Harris), seu pai, e com J.J. (Dave Franco), seu genro agressor. Por esses motivos, em instantes, Jackie é o gatilho final para todos os dramas familiares de Lou, o que resulta em uma pequena carnificina.

Na direção, Rose Glass, que também roteirizou com Weronika Tofilska, encontra formas inteligentes de construir uma ambientação que transmite todo o clima e intenções dramáticas almejadas por ela, sendo dois dos elementos mais importantes a caracterização dos anos 80 e a temática do fisiculturismo. Aos poucos, também como trunfos da direção de fotografia e arte, as cores saturadas dos figurinos oitentistas e o calor de derreter do espaço da academia dão o tom para a paixão febril entre Lou e Jackie e, em poucos minutos, vemos a entrega de ambas para essa relação tal qual o grande dito “no pain, no gain”. É nesse clima que vemos a constante inquietação da fisiculturista e o mar de segredos da introvertida mulher de cidade pequena agirem como fogo e combustível entre si e se espalharem queimando para as demais tramas de uma família completamente disfuncional, para dizer o mínimo.

Desde o início, há uma contextualização de quais papéis cada um dos personagens vai seguir: Lou limpando as merdas de outras pessoas; Jackie sendo impulsiva e sonhadora; Beth (Jena Malone), irmã de Lou, vivendo uma relação de dependência e violência doméstica com J.J; e Sr. Lou sendo uma figura bizarra e perigosa. Seguindo a receita do desastre através do amor avassalador entre as duas mulheres, o roteiro avança sutilmente com os demais conflitos e, em pouco tempo, há pequenos incêndios em todas as instâncias da vida de Lou, que segue de forma fria e calculada lidando para consertar, ou amenizar, todas as situações que aproximem a polícia do passado criminoso de sua família. Porém, para o conflito da personagem, tudo é resultado das ações inconsequentes de sua amada, que, por sua vez, segue numa crescente de estresse por conta do campeonato de fisiculturismo que une a sua paixão à perspectiva de um futuro glorioso, o que representa tudo que Jackie quer e precisa.

Apesar de Jackie ser o ponto fora da curva dentro da narrativa conflituosa familiar, ela é de longe a personagem mais explorada e complexa do filme, principalmente por toda sua  obsessão, dedicação e falhas. Ela até pode ser uma montanha de músculos, mas a construção de roteiro, juntamente com a atuação perfeitamente equilibrada de O’Brian, permitem que conheçamos o lado ingênuo e doce da personagem. Esse é outro ponto crucial para a caracterização de Jackie, já que o fator fantástico que acompanha sua rotina de treinos e seu uso de anabolizantes permite que adentremos no subconsciente puro e inocente dela, assim tornando aceitável escolhas de roteiro que acontecerão durante o segundo ato e na resolução da história. Posteriormente, esse lado sonhador vai servir tanto para o escapismo, quanto para a manipulação da personagem, tornando-a em uma agente do caos para os planos de Lou e colocando em cheque o amor que uma tem pela outra.

Seguindo pela imprudência da co-protagonista, vemos tudo sair dos eixos por conta do contato de Jackie com Sr. Lou, J.J e Dayse (Anna Baryshnikov),  sendo esses três personagens que representam pedras no sapato de Lou, mas que ela não confrontava diretamente até a chegada de sua nova paixão. Embora não sejam aprofundados, os personagens de Ed Harris, Dave Franco e Anna Baryshnikov são ótimos condutores para a tensão da crescente trama policial que aos poucos sufoca a relação do casal principal. É com essa tensão que os crimes hediondos dão as caras e entramos de vez como um ponto sem volta para o relacionamento de Lou e Jackie e para a vida que ambas tinham antes de se conhecerem. A partir desse ponto, contemplamos um uso de efeitos gráficos e tecnológicos de explodir a cabeça por conta de seu acabamento e realismo, principalmente por se tratar de uma produção pequena em comparação a outras, o que é mais um trunfo para o filme.

Após todo o caos ser instaurado, a trama, que já seguia com uma violenta gráfica impressionante, se joga de vez em uma ação com elementos de western que já se fazia presente de forma mais sutil. Nesse ritmo, entendemos melhor a relação entre pai e filha e como tudo foi colocado em cheque pela entrega emocionalmente instável de Jackie, assim tendo o terceiro ato que gira em torno de Lou,  sua amada e seu pai, um trio instável, perigoso e excêntrico. O que era uma guerra fria entre os Lou se torna um conflito mortal e sangrento entre quem é mais cruel e pela vida, ou morte, de Jackie. No fim, a relação romântica das duas mulheres e a ingenuidade de Jackie, além de serem os disparadores que dão início para os conflitos dentro da trama, também são os mesmos que, de uma forma inusitada, encerram a disputa entre os Lou, entre a aprendiz e o mestre. 

Love Lies Bleeding – O Amor Sangra pode não agradar a todos, principalmente pelo seu final e por tratar a trama romântica entre Lou e Jackie de uma forma pouco convencional, afinal, dificilmente alguém olha para a trajetória de ambas e pensa “uau, é isso que quero ter com a pessoa que amo”, mas é aí que o roteiro se destaca. Ao se apropriar de vários signos de drama policial e western, Ross Glass deixa óbvio que essa é uma história sobre entrega emocional e ao não convencional. Essa escolha traz à tona aquele famoso tweet sobre “gays trambiqueiras” que emana a falta que a comunidade LGBTQIAPN+ tem em contemplar narrativas que falam mais do que apenas o sofrimento que já conhecemos da nossa realidade. Com toda essa entrega e excentricidade, esse filme com certeza diverte e se torna um escapismo vibrante durante cada um de seus minutos enquanto acompanhamos a entrega alucinante das duas protagonistas. No mínimo, é emblemático.


Mauro Salu

Estudante de Cinema e Audiovisual com amor infinito em mundos fictícios e suas ramificações e na arquitetura da psiquê de personagens odiados (tipo a Abby de The Last of Us). Sonha em viver em uma realidade em que o nosso país vai investir pesado nos curtas e longas de animação para que haja uma diversidade de técnicas, gêneros e narrativas que só o Brasil é capaz de ter.


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