Rivais – Uma crônica de fogo e gelo

Preciso começar esse texto dizendo que assisti a Rivais (Challengers, 2024) duas vezes no período de um mês. Em ambas as vezes, saí da sala de cinema extasiado e precisando digerir o que tinha acabado de ver. 

O plot é bem simples, quase banal. Tashi Duncan (Zendaya) era a mais promissora tenista da sua idade durante o colegial e os primeiros anos de faculdade, sendo reconhecida nacionalmente. Porém, após um acidente durante um torneio, ela se lesionou gravemente, dando um fim à sua carreira esportiva. Em 2019, Tashi está casada com Art Donaldson (Mike Faist), tenista profissional que, embora tenha conquistado fama e prêmios, vem enfrentando uma maré de derrotas. Para ajudar a recuperar a confiança do marido, Tashi inscreve Art em um challenger, um torneio de tênis de nível mais baixo. Os dois só não esperavam que Art teria que enfrentar Patrick Zweig (Josh O’Connor) durante a final do campeonato.

Patrick, ex-melhor amigo de Art e ex-namorado de Zendaya, hoje é um jogador fracassado que nunca conseguiu alcançar grandes patamares no esporte. Esse reencontro acontece cheio de tensão, e muito, mas muito tesão. Durante a partida final (que se entrelaça com flashbacks do relacionamento dos três durante décadas do começo ao fim do filme), o passado virá a tona e qualquer coisa pode acontecer. 

Tentei descrever a história do filme de maneira resumida e da melhor forma possível, mas isso não é importante. De verdade, eu juro. E pode ter certeza que não há nenhum spoiler significativo nas linhas acima. Rivais é uma obra pautada essencialmente na experiência estética do cinema. O longa é uma sequência de duas horas de muita música empolgante, slow motions e uma direção de câmera frenética e absurdamente genial. É o tipo de filme que você pode ter escutado ou lido toda a história e ainda assim não ter a mínima noção do que é a obra. É algo que precisa ser experenciado. 

A atuação do trio principal é sensacional. Mike Faist convence e cativa como o “bom moço”, mais recatado e tímido, mas que esconde alguns aspectos de sua personalidade. Já Josh O’Connor entrega um deslumbrante cafajeste, expansivo, charmoso e sedutor, que aparenta ser mais frio, mas sente intensamente. Na época do colegial, Art e Patrick competiam em dupla em torneios e eram conhecidos como Gelo e Fogo. Essa é uma boa metáfora para as personalidades opostas (e complementares) dos dois. Zendaya, por sua vez, entrega uma personagem complexa, bem sucedida na vida, porém frustrada pela interrupção da carreira no esporte. Sua personagem transita entre a impulsividade e uma frieza quase calculista. Como nas partidas de tênis, Tashi Duncan acredita estar sempre no controle de toda e qualquer situação. Mas até quando?

O elenco do filme é bem reduzido, com a trama girando em torno dos três protagonistas, com personagens de apoio pontuais mas cheios de personalidade. O foco no trio principal funciona para que possamos nos aprofundar nas personalidades de cada um, nos sentindo quase parte do jogo de sedução e controle que perpassa o relacionamento dos três. Digo relacionamento dos três porque, embora Tashi tenha namorado Patrick e anos depois se casado com Art, o filme explora muito como as dinâmicas sexuais e românticas entre os três se mantém durante toda a sua duração. A tensão sexual entre Patrick e Art é quase palpável e deixa os espectadores atentos a cada segundo. Grande parte do que faz o filme funcionar é justamente a dinâmica entre os três, diferente de outras produções em que triângulos amorosos são retratados apenas como uma “competição” de duas pessoas por uma terceira. Um ponto alto também são os flashbacks e passagens de tempo, que nos permitem acompanhar a evolução e amadurecimento dos personagens (e também perceber que algumas coisas nunca mudam). A dinâmica entre o trio é cheia de camadas: se, por um lado, Art representa para Tashi uma zona de segurança e estabilidade, também falta emoção e aventura entre os dois. Já Patrick traz a sensação de incerteza e risco, porém age intensamente e de forma espontânea. Já entre Art e Patrick, paira o tempo todo a tensão de um desejo nunca consumido (será?), uma nostalgia pelo passado e a frustração de sentimentos reprimidos.

A direção de câmera, por sua vez, atua em uma parceria deliciosa com a direção de áudio. Não apenas durante as partidas de tênis, em que jogos de câmera frenéticos acompanhados de uma batida eletrônica excitam a audiência e criam o clima de tensão adequado, mas também quando esses mesmos recursos são empregados em situações cotidianas, fazendo com que as interpretemos de uma forma completamente diferente. Cada ato de um personagem com outro é isso: um jogo. E a direção de Luca Guadagnino é muito competente em fazer uma história que poderia ser banal parecer algo grandioso e épico. Embora o abuso de cenas em câmera lenta possa incomodar algumas pessoas, não senti que isso atrapalhou minha experiência. Causou, sim, um certo estranhamento nos minutos iniciais, mas depois eu já estava tão envolvido que conseguia aproveitar cada segundo. Aqui, o recurso de slow motion não é usado durante cenas frenéticas nem movimentadas, mas, em geral, em cenas mais “paradas”. Me pareceu que o objetivo do diretor era capturar, destacar e prolongar as reações emocionais dos personagens, e na maior parte do tempo, funcionou.

Em suma, Rivais é uma experiência audiovisual intensa empolgante, com um roteiro simples, mas extremamente envolvente e cativante. A trama é cheia de sensualidade (mesmo sem ter uma única cena de sexo) e a atmosfera de tensão sexual se mantém do primeiro ao último segundo do longa. Uma obra que se dedica a capturar os detalhes, nuances e complexidades de três vidas que se cruzaram, e se recusam a se desentrelaçar. E, claro, um filme sobre tênis. Mas… no fim, não é tudo sobre tênis?


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