Charles (Dany Boon) é um cansado taxista em uma das maiores metrópoles da Europa, e isso está estampado em seu rosto, em seu olhar e na maneira tensa com que conduz seu automóvel enquanto se embaralha em ligações que significam para ele um lembrete dos vários problemas em sua vida. Um desses problemas é financeiro, e por isso Charles aceita uma corrida que deve levá-lo a atravessar toda a cidade, e é quando encontra sua passageira, Madeleine (Line Renaud), uma senhora de 92 anos que está se despedindo de sua casa para ir viver em um abrigo para idosos após sofrer um pequeno acidente doméstico, mas que para sua idade e morando sozinha poderia ter sido fatal.
Conduzindo Madeleine (Une Belle Course, 2022), novo filme do diretor francês Christian Carion – que demorou a encontrar uma distribuidora aqui no Brasil -, é sobre um desses encontros inesperados, mas que parecem uma jogada do destino tentando embelezar um pouco a vida. Charles se mostra um homem sisudo e de poucas palavras, mas Madeleine parece disposta a quebrar qualquer barreira entre os dois, já que ele o acompanhará em um momento muito importante para ela, mesmo após tantos anos de vida. E é através das lembranças de alguns destes anos que a simpática senhora quebra o gelo entre ela e o motorista.
Aos poucos vamos conhecendo um pouco de sua vida pregressa, quando uma jovem Madeleine encontra seu primeiro amor, dá seu primeiro beijo, e quando as coisas não saem como planejado. Fazendo Charles desviar um pouco de seu destino, Madeleine vai mostrando seu antigo bairro, o teatro onde passou boa parte de sua juventude com sua mãe, que era figurinista, e com isso rememora sua história. Até chegar o momento chocante que muda sua vida para sempre, que a leva a ficar anos encarcerada, mas também a se tornar um símbolo da luta contra a violência doméstica contra mulheres. Charles naturalmente, assim como nós, vai se interessando pela história conturbada daquela mulher que até pouco tempo atrás não conhecíamos. O taxista por sua vez vai se sentindo mais à vontade para se abrir e falar um pouco sobre sua vida, sua família, seus sonhos. A relação que os dois criam ao cruzarem Paris é mostrada de uma forma leve e bonita, com paradas para lanches, jantares e xixis, levam o dobro do tempo de uma viagem que já seria normalmente longa.
Até que quando chega o inevitável momento da despedida, aquelas duas pessoas que no começo do dia jamais haviam se encontrado parecem agora ser bons amigos, cúmplices de segredos e desejos um do outro. Tanto a direção
de Carion, quanto seu roteiro, escrito em parceria com Cyril Gely, trazem inúmeros clichês. Nada é muito inesperado e em alguns momentos parece que estamos acompanhando um daqueles longos comerciais em francês, mas ainda assim o filme usa dessas leveza e simplicidade para comover o espectador de forma eficiente. Conduzindo Madeleine me fez pensar em todas as vezes que nos deparamos com desconhecidos sem imaginar tudo que esta pessoa já viveu, todas as dores, perdas, tristezas, mas também as vitórias, alegrias, felicidades. Todo indivíduo carrega em si inúmeras histórias, às vezes só precisamos estar dispostos a ouvi-las.
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Cineasta e Historiador. Membro da ACECCINE (Associação Cearense de Críticos de Cinema). É viciado em listas, roer as unhas e em assistir mais filmes e séries do que parece ser possível. Tem mais projetos do que tem tempo para concretizá-los. Não curte filmes de dança, mas ama Dirty Dancing. Apaixonado por faroestes, filmes de gângster e distopias.