Avatar: A Lenda de Aang – Livro Um: Água – O início de uma jornada de descobertas e responsabilidades

Quem foi criança e/ou adolescente na primeira década dos anos 2000 assim como eu, deve lembrar bem da era imediatamente pré streamings, quando quase que a totalidade do acesso que tínhamos a produções seriadas infantis e infanto-juvenis no audiovisual estava presa à grade de programação de alguns canais de TV. Para os mais privilegiados que tinham acesso à “TV à Cabo”, também chamada de “TV por assinatura”, a gama de canais com programação exclusivamente infantil era até razoável, como Cartoon Network, Disney Chanel e Nickelodeon, mas para os que, como eu, precisavam se submeter à programação disputada dos canais abertos, o horário da manhã até por volta das 11h era geralmente o período em que sentávamos ansiosos na frente da Televisão antes e durante o almoço para assistirmos nossos adorados desenhos. Foi por volta dessa época que me entreguei aos animes – já famosos no Brasil desde a década anterior por meio da extinta TV Manchete -, como Dragon Ball Z, Sakura Card Captors e Hamtaro, mas também a alguns hoje clássicos que vinham dos canais pagos, como Bob Esponja, Três Espiãs Demais e Os Padrinhos Mágicos. Foi nessa leva que fui apresentado a uma das animações mais incríveis daquela época e que viria a ser uma enorme influência no meu gosto por séries animadas e universos fantásticos: Avatar: A Lenda de Aang (Avatar: The Last Airbender, 2005 – 2008).

Criada pela dupla Bryan Konietzko e Michael Dante DiMartino e lançada pela Nickelodeon em 2005, a ideia de Avatar era mesclar traços das animações japonesas com técnicas de produção americanas, mas com um alto grau de influência na cultura, religiosidade e história do Leste asiático e sua riquíssima variedade de povos e civilizações. A história nos insere em um mundo fantástico claramente inspirado em uma Ásia medieval, onde algumas pessoas conseguem com algum treinamento manipular um dos quatro elementos – água, fogo, ar, terra – e utilizá-lo em várias situações, desde o cotidiano como em batalhas. Este mundo é dividido em alguns reinos que se organizam de acordo com cada um desses elementos e as pessoas que os dominam: as Tribos da Água, a Nação do Fogo, os Nômades do Ar e o Reino da Terra, e cada dominador se movimenta de forma diferente para controlar os materiais do elemento que domina, sendo cada um desses movimentos inspirado em uma modalidade ou estilo de Wushu, arte marcial chinesa que por aqui é mais conhecida como Kungfu. Os movimentos dos dominadores de água se inspiram no T’ai chi ch’uan, enquanto os de fogo no estilo conhecido como Shaolin do Norte, os de terra no Hung Gar e os dominadores de ar emulam o estilo Baguazhang.

Neste mundo dividido uma entidade tem a responsabilidade de manter a paz e a harmonia entre todos os povos, trabalhando como um árbitro e cuidando para que haja equilíbrio entre este plano e o espiritual, ao qual tem acesso quando necessário. A cada geração o espírito deste Avatar encarna em uma pessoa nascida em algum desses elementos, sempre seguindo uma sequencia conhecida como o Ciclo Avatar, e cada encarnação deve treinar cada um dos elementos além do que já é de sua dominação nativa.

Quando a série começa somos jogados em uma situação atípica, em que o mundo não sabe a localização de seu atual Avatar, desaparecido por todo o último século, ocasionando em uma degradação da paz mundial encadeada pelo desejo de uma hegemonia sobre todos os outros povos por parte da Nação do fogo e seu líder, o senhor do fogo Ozai, se utilizando da ausência de um Avatar – e com ela a falta de esperança de grande parte das pessoas – para sobrepujar todo e qualquer vilarejo que se ponha em sua frente neste objetivo. Até que o último e desaparecido Avatar, Aang, nascido entre os Nômades do Ar, é encontrado quase que aleatoriamente ainda criança congelado em uma enorme bola de gelo próximo ao Polo Sul, onde vive a Tribo da Água do Sul. Os jovens Sokka e Katara ajudam então Aang a escapar do príncipe exilado da Nação do Fogo, Zuko, e de seu tio e mestre, Iroh. O trio então decide seguir a jornada de treinamento do Avatar, mesmo com um atraso centenário, e seguem a bordo do adorável bisão voador, Appa, em busca de respostas que ajudem Aang a lidar com a situação caótica em que o mundo está passando e buscar treinamento para aprender a dominar os outros três elementos além do ar, enquanto fogem tanto de Zuko, que tenta buscar redenção frente a seu temível pai, quanto pelo tirano almirante Zhao.

A riqueza de detalhes da construção deste universo e todo o seu funcionamento me faz querer passar muito mais tempo descrevendo-o e divagando, mas tentando me controlar finalizo esta introdução apenas dizendo que, além disso tudo, Avatar ainda funciona como uma bela alegoria de problemas e questões que permeia o nosso mundo, tocando em pontos delicados e complexos, especialmente quando falamos de uma produção voltada para um público infanto-juvenil.

Na primeira de três temporadas, intitulada Livro Um: Água, acompanhamos o Time Avatar em sua jornada cruzando o mundo em busca de um mestre dominador de água na Tribo da Água do Norte para ajudar Aang e Katara a dominar o elemento. Logo no início do caminho o jovem Avatar – que havia sido congelado com apenas 12 anos de idade – busca auxílio em sua terra natal, nas montanhas outrora habitadas pelos Nômades do Ar onde iniciou seu treinamento, mas chegando lá descobre que o Reino do Fogo, na tentativa de eliminar a ameaça Avatar, provoca um genocídio executando todos os monges do lugar. Tratar de um tema tão obscuro e complexo logo em seu início já demonstra que os roteiristas não desejavam apenas fazer mais uma animação engraçadinha que cativasse os pequenos telespectadores através de lutinhas e piadas rasas, mas uma série que tivesse maior profundidade em sua construção narrativa – além, é claro, de um pouco de lutinhas e piadas rasas também.

Após esse primeiro grande impacto o grupo começa a criar fortes laços afetivos e vamos conhecendo melhor cada um dos personagens que o compõe, reforçando uma dinâmica maravilhosa onde três crianças, em toda sua inocência, ainda precisam lidar com a maior responsabilidade possível naquele mundo, e no caminho passando por experiências que os fazem evoluir e receber lições que vão os tornar cada vez mais preparados para os riscos que os esperam. Conhecem novos aliados, ajudam a resolver problemas de vários tipos, são desafiados e perseguidos por piratas, e juntos vamos descobrindo ainda mais desse universo, a influência das encarnações anteriores do Avatar, tanto no comportamento de Aang, quanto sobre o legado de transformações que deixaram em sua passagem pelo mundo.

Nos últimos três episódios dos 20 da temporada, ao chegarem em seu objetivo, o grupo percebe que a verdadeira jornada está apenas começando, e os desafios que irão enfrentar serão ainda mais difíceis. Por outro lado, paralela a campanha do Time Avatar, temos um surpreendente arco na figura de Zuko, inicialmente apresentado como vilão o príncipe exilado se mostra um personagem interessantíssimo quando descobrimos seu background e a complexidade de sua personalidade, expressando seu potencial desde essa primeira temporada, quando mesmo com sua redenção em risco faz decisões que nos fazem repensar sua vilania. Além disso sua relação com o Tio Iroh entrega alguns dos melhores momentos da temporada.

Agora que estamos prestes a descobrir se uma segunda tentativa de uma versão live action deste universo irá funcionar (me abstenho de comentar sobre a primeira tentativa), e sabendo que este lançamento deve despertar uma redescoberta da animação, tanto por novos e jovens curiosos, quanto por nós velhos saudosistas, rever o primeiro Livro de Avatar: A Lenda de Aang e ter um novo olhar sobre a animação, me fez notar ainda mais a força da criação de Konietzko e DiMartino. Aguardemos ansiosos por esta nova encarnação do Avatar, então, e torçamos que faça jus à toda glória de sua versão original.


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