Dança Ávida da Escuridão – Sobre escolhas e consequências

A morte é um dos temas mais caros à existência humana. A partir do momento em que tomamos consciência da finitude da vida, em um momento ou outro (ou mesmo em grande parte da vida, dependendo da pessoa) tentamos não somente entender esse fato inevitável como também desejamos saber tudo o que envolve um possível depois.

Essa importância do tema consequentemente o faz ser um dos mais abordados pelas expressões artísticas, independentemente de quais sejam elas, e o audiovisual, obviamente, não seria uma exceção. Seja em uma abordagem que fale sobre o desejo de morrer, como em Ensina-me a Viver (Harold and Maud, 1971), ou sobre o enfrentamento do luto, como em Gente como a Gente (Ordinary People, 1980) e O Quarto do Filho (La Stanza Del Figlio, 2001), só para citar alguns exemplos, tudo que envolve a morte como temática central sempre foi matéria-prima para filmes e séries. Em muitos casos, nessa tentativa de entender o fim da vida, muitas obras personificam a morte, transformando-a em um ser com consciência e existência física, como pode ser visto em filmes como O Sétimo Selo (Det Sjunde Inseglet, 1957) ou na série Sandman (The Sandman, 2022). É o caso também deste Dança Ávida da Escuridão (2019), curta-metragem da realizadora cearense Sunslly Marques

Aqui, temos a história de Rodrigo (Paulo Sérgio) que, ao chegar em uma festa, reencontra a ex-namorada, Celina (Glenda Morais), com a qual teve um relacionamento conturbado e de final traumático. Ela, no entanto, não é exatamente a pessoa que ele conhece; na verdade, é a Morte, que assumindo as feições de Celina, busca fazer com que Rodrigo enfrente a verdade e pague por seus atos. Centrado em uma conversa franca e dura entre os personagens, o filme traz um confronto de Rodrigo consigo mesmo, ao ser levado a perceber que suas ações e desejos impactaram de forma decisiva e cruel na vida de Celina, levando-a cometer um ato extremo. 

Ao optar por deixar a narrativa quase que totalmente focada nessa conversa, a realizadora consegue lidar com sua questão principal – as consequências de um relacionamento tóxico – sem soar superficial, ainda que saibamos que a limitação de tempo de uma curta-metragem impeça um aprofundamento maior da proposta. Isso, no entanto, não tira a força da história e é louvável como Sunslly – que também assina o roteiro – consegue definir claramente os personagens envolvidos, até mesmo Celina, da qual apenas ouvimos falar e vemos brevemente. Ainda que falte um refinamento nos diálogos, a veracidade que eles transmitem nos permite uma identificação imediata com tudo pelo qual os personagens estão passando, e isso é mais que suficiente para que o espectador seja conquistado. Também contribuem para essa imersão na narrativa o bom uso do espaço cênico, que mesmo limitado não deixa de ser dinâmico, tanto pela movimentação dos corpos como no uso da luz. 

Apesar das limitações inerentes ao formato – de duração, de orçamento – Dança Ávida da Escuridão revela-se um trabalho extremamente competente e promissor, além de trazer questões que provocam reflexão e identificação imediatas. É uma obra instigante, enfim, e que nos faz desejar ver mais vozes como a de Sunslly sendo propagadas pelo audiovisual.


Filme completo:


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