Sendo bem sincera, eu não acho de todo ruim a ideia da Disney de fazer novas versões de suas animações clássicas. Já é mais do que comprovado que novas versões e adaptações de histórias geram interesse pela obra original, além do fato de muites responsáveis terem preconceito de mostrar filmes “velhos” para suas crianças, eu fui monitora de uma turma de calouros na faculdade em 2019 e me deparei com uma turma onde a maior parte das pessoas nunca tinha assistido Procurando Nemo (Finding Nemo, 2003), imagine então filmes mais velhos ainda, então a empresa tem histórias que são aclamadas, mas o grande público mais novo conhece mais por nome, e cabe uma nova interpretação, uma nova versão. Pessoalmente, sou das que defende que as histórias podem sim ser recontadas com valores e contextos mais condizentes com os atuais e isso não é um desrespeito com o material original, pelo contrário, é um modo de mantê-lo vivo.
Resumindo, a ideia é boa e claramente lucrativa, mas até hoje a empresa ainda não acertou definitivamente suas fórmula para isso, então acabamos tendo filmes ótimos, filmes decepcionantes e alguns no meio disso, que para mim é o caso de Pinóquio (Pinocchio, 2022).
E só para tirar o elefante da sala, eu optei por escrever esse texto antes de assistir a Pinóquio de Guillermo del Toro (Guillermo del Toro’s Pinocchio, 2022), porque eu acho que um filme tem que ser bom ou ruim independente de filmes iguais ou parecidos, e eu sei que esse texto ficaria tendencioso se não fosse assim. Mas nós já temos texto sobre o Pinóquio de del Toro bem aqui, para você conferir.
Como toda vez em que assisto um live action da Disney, eu assisto primeiro a animação original e depois o novo filme, para observar melhor as mudanças e porque eu sou chata. A animação do Pinóquio é um pouco obscura nos dias de hoje, assim como todos os filmes da Era de Ouro da empresa, todos eles rendem piadinhas sobre terem sido traumatizantes para quem os assistiu na infância. A cena dos elefantes em Dumbo (1941) é campeã nesse tipo de piada.
Em Pinóquio, acompanhamos o boneco de madeira que dá nome ao título e sua jornada para se tornar um menino de verdade. A história de Carlo Collodi já foi adaptada muitas e muitas vezes e serviu de inspiração para tantas outras, mas a original é bem pesada. Antes da metade do livro Pinóquio já faz o Gepeto ser preso, esmagou o Grilo Falante com um martelo e o protagonista fica sozinho na rua.
A versão da Disney deu uma boa remodelada na história – como a empresa sempre fez – para deixa-la mais amigável para as famílias e a transformar realmente em uma história de encantamento e o live action optou por seguir a risca o roteiro da animação original, sem tirar nem pôr.
O filme é dirigido por Robert Zemeckis, que dispensa apresentações, tem no seu currículo a trilogia De Volta Para o Futuro, O Expresso Polar (The Polar Express, 2004) e Náufrago (Cast Away, 2000). O roteiro é dele com Chris Weitz, que tem uma carreira mais atribulada e poucos trabalhos como roteirista, tendo dirigido O Céu Pode Esperar (Down to Earth, 2001) e A Bússola de Ouro (The Golden Compass, 2007). E a fotografia é de Don Burgess, que trabalhou com Zemeckis em De Volta Para o Futuro II (Back to the Future Part II, 1989) e De Volta Para o Futuro III (Back to the Future Part III, 1990).
A direção de Zemeckis é um pouco indecisa, ele quer seguir o clássico, mas tem caminhos para inovar que acaba apenas passando superficialmente, mas no geral ele sabe conduzir o filme. A fotografia é escura e muito do filme se passa durante a noite, o que dá a entender que história vai seguir rumos mais sombrios, alguns momentos de fato o são, mas não todos.
O sempre polêmico CGI também é ok, nada incrível, o que me desagradou na verdade foi coisas que poderiam ser efeitos práticos e ficariam muito mais interessantes assim, foram feitos em efeito visual, como os relógios de Gepeto.
Das atuações, é nítido como o elenco do filme se divertiu, em especial Tom Hanks e Cynthia Erivo (que merecia ter mais tempo de tela), sobre isso não há muito o que dizer, as atuações são boas, e as crianças Kyanne Lamaya e Lewin Lloyd entregam muito, deixando uma marca, por mais leve que seja, no filme.
Eu assisti ao filme dublado e a dublagem ficou muito boa, um trabalho de qualidade com direito a novos nomes como Lorenzo Galli e nomes mais conhecidos como Robson Kumode, Dláigelles Silva e Luiza Porto.
O roteiro do filme como já adiantei é em suma, o mesmo da animação, o que tem de mais original são algumas pontas soltas do filme original que são concertadas, deixando-o mais explicadinho. Além de algumas que visam deixar o filme mais politicamente correto para os dias de hoje, como as crianças beberem refrigerante e não cerveja na Ilha dos Prazeres, toda a questão do tabagismo foi embora e Monstro, não é mais uma baleia e sim um monstro marinho, um ser fantástico.
A mudança que mais gostei foi o aprofundamento nas personagens, o Pinóquio da animação está para além da ingenuidade, ele parece realmente não ter um cérebro, acredita em todos e vai com todo mundo. O deste novo filme vive as mesmas aventuras, mas vai parar nelas por razões diferentes, mais forte do que apenas um garotinho bobo que caiu em uma mentira, ele é desconfiado e receoso, pergunta e questiona bem mais. Até o próprio Gepeto não é mais apenas um homem solitário, ele está viúvo, de luto e recluso, o tornando mais complexo e interessante, assim como sua relação com Pinóquio.
Existe uma tentativa de criar algo de fato novo para a história com a adição de Fabiana, que é uma personagem interessante e poderia trazer uma discussão sobre trabalho infantil e preconceito, mas logo ela some da história. A relação de Pinóquio com as crianças de sua escola também se torna algo jogado, por mais que de certo modo a história fale um pouquinho sobre aceitação e este é um dos motivos do protagonista se meter em tantos problemas, o assunto não é abordado a fundo.
No fim das contas foi um filme que me divertiu, mas que provavelmente não vou revisitar muito e não surpreende. Para mim os melhores live actions da Disney até agora foram os que não tiveram medo de se distanciar da animação clássica, como Cinderela (Cinderella, 2015) e Mogli: O Menino Lobo (The Jungle Book, 2016), e todos os momentos em que Pinóquio faz isso, eu gostei, com exceção do final, que eu ainda penso se gostei ou não.
ALERTA DE SPOILER PARA O PRÓXIMO PARÁGRAFO
Com a decisão de deixar o final em aberto quanto a Pinóquio ter ou não se tornado um menino de verdade, me deixa em um misto de frustração, pela personagem principal não ter alcançado seu objetivo, com achar uma ideia muito esperta que leva a questionamentos como “preciso me tornar o que todo mundo é e quer que eu seja para ser aceite? Mudar minha essência é a solução?” “o que é ser um menino de verdade? O que é ser humano?” “Depois de toda essa jornada, ele precisa se tornar um menino de verdade ou já provou seu valor?” Mas são questionamentos que o próprio filme não dá força, quando o assunto é falado, logo é esquecido, me parece um final para um filme que abordaria melhor aquelas questões que apenas arranharam a superfície, mas de fato, é um final de certo modo corajoso para se colocar em um remake de uma animação clássica, com tantas pessoas querendo apenas uma versão copiada e colada.
PRONTO, PASSOU O SPOILER
Pinóquio consegue trazer de volta o encanto do clássico da Disney, mas não passa disso, talvez esse encanto inclusive seja apenas nostalgia, arrisca pouco e tem medo de tentar se algo além do que já foi feito.
Pinóquio com certeza não é um dos meus remakes favoritos da Disney, e gostemos ou não esses filmes continuarão saindo, o próximo com data definida é A Pequena Sereia, e com esse sim eu estou empolgada.
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Bacharel em Cinema e Audiovisual, roteirista, escritora, animadora, otaku, potterhead e parte de muitos outros fandoms. Tem mais livros do que pode guardar e entre seus amigos é a louca das animações, da dublagem e da Turma da Mônica. Também produz conteúdo para o seu canal Milady Sara e para o Cultura da Ação TV.