Após assistir Venom (2018), passei bastante tempo me perguntando qual conjunção de fatores levou um filme tão pobre de ideias e simples de execução a ser um sucesso tão grande de bilheteria. Diferente do igualmente ruim Esquadrão Suicida (Suicide Squad, 2016), Venom não contava com astros em seu elenco, nem fazia parte de um universo cinematográfico maior, pois sua ligação com o Homem-Aranha era extra-filme, já que o personagem do aracnídeo não é nem citado. E, apesar de ser considerado um dos vilões mais adorados do Homem-Aranha por uma boa parte dos fãs de HQs, sua única outra presença significativa perante o grande público havia sido no polêmico Homem-Aranha 3 (Spider Man 3, 2007). E, mesmo nesse filme, o personagem e o ator que o interpretava – Topher Grace, claramente desconfortável no papel – foram um dos pontos mais criticados. No entanto, num desses fenômenos que ocasionalmente acontecem, o filme caiu nas graças do público e rendeu um absurdo de dinheiro para a Sony. Pode ter sido um sucesso surpreendente para nós, pobres mortais, mas o estúdio tinha tanta confiança no material – talvez pelo fato do personagem fazer parte de universo do Homem-Aranha, um dos heróis mais adorados do mundo todo – que, além de deixar as portas abertas para uma sequência, que foi logo confirmada, também apresentou uma cena pós-créditos que já dava conta do que se poderia esperar da continuação, apresentando o possível vilão, conhecido como Carnificina.
E assim chegamos a Venom: Tempo de Carnificina (Venom: Let There Be Carnage, 2021), um filme que, apesar das promessas de melhorias dos seus realizadores, repete os erros do antecessor, ainda que se leve menos a sério e traga uma ou outra ideia interessante (porém, mal desenvolvidas). Na história, temos Carnificina/Cletus Kasady (Woody Harrelson), um serial killer condenado à morte que foge da prisão – com a ajuda involuntária do Venom – e que procura se reunir com seu grande amor, Frances (Naomie Harris), uma mulher internada numa instituição para doentes mentais e que possui o poder de disparar ondas sonoras. O casal busca se vingar daqueles que os mantiveram separados e presos e encontram em Venom/Eddie Brock (Tom Hardy) tanto um obstáculo como o causador da fuga de Cletus, visto que é o sangue de Eddie que permite o surgimento do simbionte derivado chamado Carnificina. Em meio a esse embate, há uma crise na relação entre Eddie e Venom, que agem basicamente como um casal que está há muito tempo junto, ou, como tornou-se comum classificar, vivem um bromance (termo criado para nomear homens hetero vivendo um relacionamento “gay” sem de fato assumirem isso).
A relação entre os dois, por sinal, é responsável pelos poucos momentos interessantes do filme. Ainda que Tom Hardy pese a mão e esteja bem longe de suas melhores interpretações, a dinâmica com o simbionte permite que ele mostre um razoável timing cômico. Além disso, o filme assume quase uma estética camp, com um visual que, mais que quadrinístico, é carnavalesco, senão no colorido, ao menos na forma como arquiteta a construção das cenas, nos enquadramentos e fotografia, apesar desta ser quase toda noturna e escura. Isso se revela principalmente na sequência da festa na boate e na batalha final. O filme flerta também com o queer, na estranheza da relação de Eddie e Venom, e nos muitos diálogos de duplo sentido, com claras conotações sexuais, além da presença constante de símbolos fálicos, muitos deles na forma de extensões do corpo dos simbiontes sendo introduzidas um no outro.
É interessante também notar que o filme assume a galhofa que estava presente timidamente no primeiro, mas nem isso é capaz de torná-lo uma obra melhor, já que as piadas são velhas e repetitivas, copiadas de dezenas de filmes que lidam com duplas/casais com problemas de relacionamento. Tom Hardy até tenta trazer alguma vida ao texto que lhe dão, mas seu esforço não consegue vencer uma sucessão de diálogos terríveis. Quanto ao restante do elenco, parecem estar no filme apenas para cumprir algum tipo de obrigação contratual – sem falar nos dólares que receberam, claro. Até mesmo o normalmente confiável Woody Harrelson faz um trabalho medíocre, sendo superado só pela apatia de Michelle Williams, que passa o filme todo com cara de “o que é que eu tô fazendo aqui, pelo amor de Deus?”. Sobre a direção de Andy Serkis, o máximo que se pode dizer é que ele fez exatamente o que os produtores lhe pagaram para fazer, já que não é possível identificar o mínimo de personalidade no filme.
Ainda assim, como é uma obra levemente superior ao seu antecessor, além de contar com a vantagem de ser um filme curto, é possível imaginar que nenhum desses fatores negativos vão influenciar o público, que está cativo do personagem. Por isso, é melhor nos prepararmos para Venom 3, 4, além da provável união do personagem com o Homem-Aranha. Nesse último caso, espera-se que ocorra um tratamento melhor do personagem, e que isso resulte em um filme ao menos divertido, e não tão sem graça e esquecível quanto esse.
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Cineasta e roteirista, formado em Letras e graduando em Cinema, respira literatura, filmes e séries desde que se entende por gente. É viciado em sci-fi e terror, e ama Stephen King, Spielberg e Wes Craven. Tem mais livros em casa, e séries e filmes no computador de que seria humanamente possível ler e assistir, mas não vai desistir de tentar. Não consegue lembrar o que comeu ontem, mas sabe decorado os vencedores do Oscar de melhor atriz do últimos trinta anos (entre outras informações culturais inúteis).