Acredito que todo e qualquer texto sobre um filme do Sean Baker começa com a afirmação de que seu cinema aponta para lugares não-vistos, o despercebido em meio ao mundo. Por mais generalista que essa afirmativa possa parecer, ela cabe muito bem para descrever os filmes do cineasta que surpreendeu a crítica e o público com seu filme Tangerine (2015), gravado inteiramente com iPhone 5S. Mas essa afirmação se confirma ainda mais para O Projeto Flórida (The Florida Project, 2017), novo filme do diretor, que para além de olhar para o despercebido à margem da sociedade consegue registrar a magia e o momentos onde tudo se ilumina no cotidiano dos personagens. Tudo isso sem romantizar a vida de nenhum deles.
No filme acompanhamos as vidas de pessoas que moram em motéis baratos e coloridos à beira da estrada de Orlando. Coloridos como se para emular a magia vinda dos grandes parques da Disney, seus vizinhos. Em um desses motéis, o Magic Castle Inn, habita Moonee (Brooklynn Prince), uma garotinha que, mesmo perto dos famosos parques, passa suas férias de verão transitando pelos arredores dos motéis, cuspindo em carros, falando com estranhos na rua e invadindo casas por aí. Sua mãe, Halley (Bria Vinaite) , é uma jovem mulher que, assim como a maioria das pessoas em situação de risco, vive para resolver os problemas de agora, sem criar muitas perspectivas para o futuro, não por falta de interesse, e sim por pura questão de sobrevivência. Mesmo tendo dificuldades de administrar sua vida e de sua família, eles encontram maneiras de aproveitar o que tem e se unirem de uma das formas mais bonitas já retratadas. Em pequenos causos, por vezes até um tanto repetitivos, vamos nos aproximando cada vez mais desses personagens em situações não exatamente extraordinárias, mas que ganham uma dimensão gigantesca quando ficamos conscientes do que estamos observando.
Acredito que uma das coisas mais impactantes do filme seja o olhar que o diretor escolhe lançar para essa periferia de Orlando, que além de marginalizada, é esquecida por grande parte das pessoas. Os motéis tem cores vibrantes, que vão do extremo do ciano ao magenta, e quase sem esforço algum você acaba comprando de alguma forma essa aura “mágica” que o filme exala. E por “mágica” quero dizer brincalhona, quase travessa, como a própria infância das crianças. O contraste entre o ambiente e os personagens é claro, como se eles não pertencessem aquele lugar, mas isso não os impedem de continuarem lá, existindo. Há uma intenção na misè-en-scene criada por Sean Baker ainda de se aproximar desses personagens em certos momentos como quem tenta dizer que “sim, essas pessoas parecem deslocadas nesse lugar à distância, mas olhe mais perto”, e então podemos ver que apesar de todos os males há sim uma beleza naquelas figuras e mais ainda no cotidiano delas. O melhor de tudo é que isso é feito sem higienização alguma, porque ele quer mostrar todos os personagens exatamente como são, tanto interna quanto externamente.
É inegável que a estrela desse filme é a garotinha Moonee. Ela consegue englobar todos os feitos e males da infância da forma mais inocente e sincera, por mais que por vezes possa não parecer. Ela e seus amigos fazem muita bagunça por onde passam, são repreendidos por isso, mas impondo essa energia da juventude que ultrapassa todas as questões maiores que rondam o filme. Essa infância começa a ser interrompida por “coisas de adulto” que surgem para exigir que a pequena Moonee cresça mais rápido do que o necessário, mesmo que ela não perceba de início. Tudo isso carregado pela atriz estreante Brooklynn Prince, que dá um verdadeiro show de atuação.
É muito difícil colocar em palavras sensações e afetações com relação a esse filme, e o quando ele me inquietou. O maior sentimento é de que nada que eu escrever aqui fará jus à sutil grandiosidade dele, já que mesmo tratando de cotidiano e de uma forma não exatamente nova, faz tudo isso muitíssimo bem ao tratar de pessoas singulares, e por vezes de situações cruéis. Até o fim do filme você já está tão imerso e apegado à todos os personagens que torna o final do filme ainda mais dolorido. Todo o discurso do filme se completa nele, e, mesmo que ele acabe após os créditos, com certeza ele permanece com você.
Graduado em Cinema geminiano com ascendente em escorpião. Conhece muito de tudo, faz de tudo um pouco. Fã de carteirinha de Xavier Dolan, John Green e Steven Universe. Leitor inveterado, Ilustrador, escritor e atrasado para tudo.