A mitologia cercando bruxas e magia é bem presente – especialmente nos últimos anos – em uma enorme quantidade de séries e filmes. Em 1996 o filme Jovens Bruxas (The Craft), dirigido por Andrew Fleming, marcou uma geração com sua moda gótica, além da abordagem sobre bruxaria trabalhando alguns elementos baseados em religiões, crenças e práticas neo-pagãs. Um misto de reboot e sequência foi lançado no ano de 2020, trazendo muitas novidades, especialmente em sua forma de lançamentos, foi um dos seletos filmes do ano lançados simultaneamente nos cinemas e para vídeo on demand.
Quando iniciamos o filme, temos uma premissa razoavelmente interessante, com um coven de bruxas (um trio, para melhor definir) e a necessidade das três de completarem o grupo. Quatro elementos, quatro pontos cardeais, é de se esperar necessitarem de mais uma bruxa para completarem seu círculo. Não mergulhamos demais nas personalidades destas garotas ou em suas vidas nesse início, e infelizmente o longa também falha em apresentar mais delas ao longo do seu desenvolvimento. Criamos uma primeira impressão do filme ser sobre estas personagens e sua quarta integrante, mas essa expectativa não passa para muito além disto.
Logo somos apresentados à jovem Lily (Cailee Spaeny), e sua mãe Helen (Michelle Monaghan). Ambas estão de mudança para a casa do atual namorado de Helen. Em seus primeiros momentos de tela notamos como a personagem vivida por Cailee não se encaixa muito, seja em sua nova família, seja no seu colégio. A família de Adam (David Duchovny), consiste dele e seus três filhos homens, nada muito interessante a primeira vista, fora uma estranha cobra presente pela casa da família. Aos poucos somos apresentados a vários enredos potenciais envolvendo este núcleo e o espaço onde a nossa protagonista passa a viver.
Vamos começar falando sobre o gênero do filme, misturando fantasia, elementos de coming of age, horror, uma verdadeira salada. O maior problema do filme parte exatamente do fato de que esses múltiplos gêneros não se misturam bem, parecem divididos em camadas. Hora temos cenas de um drama adolescente, outras de terror e ficamos indo e voltando entre tais elementos. Normalmente, quando se mistura gêneros cinematográficos, podemos ter este tipo de problema, onde as cenas não parecem se completar muito bem. Muitas partes do filme parecem diferentes obras, não servindo exatamente a um mesmo objetivo ou enredo. É como se fôssemos apresentados a vários enredos e eles não se concluíssem.
Começando por nossas bruxas: um grupo único em sua própria forma de garotas unidas com um propósito em comum, formar um coven e fazer magia. Nossas personagens tem um enorme potencial, suas atrizes são de grandes talentos a serem descobertos, mas infelizmente o filme não o faz. Destaque para a presença de Lovie Simone, atriz que tive o prazer de conhecer na série Greenleaf (2016 – 2020), este foi o primeiro longa no qual pude vê-la trabalhando. Ela interpretou Tabby, a bruxa representante do elemento fogo dentro do coven, uma personagem de personalidade interessante, mas totalmente mal aproveitada e desenvolvida. Caímos aqui num exemplo de quando o filme tem muito a dizer, mas o faz de forma superficial. Em determinado momento, Tabby fala sobre como deseja ter mais amigas negras e sobre o medo do que pode acontecer ao seu irmão quando ele sai. As falas tem um peso enorme, especialmente levando em consideração as afirmações da atriz do primeiro Jovens Bruxas, Rachel True, sobre ser excluída de reuniões de elenco feitas pelas outras três estrelas.
Falando sobre racismo através de uma breve fala e mudando rapidamente de assunto, termina tirando muito o peso potencial da fala. Ali estava a única protagonista negra no filme falando sobre sua vivência, sobre seu medo e sobre como é afetada pelo racismo, mas a trama não dá a menor importância para isso. Bem, não é um filme sobre isso, então para quê dar espaço para esse tipo de discurso? Esta é a impressão dada nesse momento, como se o roteiro não soubesse como se aprofundar mais no assunto em questão. Se torna bem pior quando é levado em consideração o fato da própria personagem não ser minimamente aprofundada.
Um dos elementos relativamente bem cuidados neste filme é a presença da personagem de Zoey Luna, Lourdes, uma jovem bruxa trans. Frequentemente, ao longo do filme, é bem enfatizado sobre a existência de Lourdes dentro de um coven, reafirmando a realidade de mulheres trans serem mulheres. Há um incrível diálogo no filme sobre como as mulheres são sagradas por gerarem vida e a personagem de Luna ressalta que nem todas as mulheres geram vidas e sobre como garotas trans são mágicas de sua própria forma. Ao longo de uma breve montagem podemos ver a personagem defender um jovem queer de um valentão. Embora seja uma cena curta e bem sem noção é algo interessante de se ver. Em nenhum momento do filme temos a personagem sendo intimidada ou violentada por ser uma garota trans, mas como outras partes deste filme não temos desenvolvimento o suficiente da mesma.
Jovens Bruxas: Nova Irmandade (The Craft: Legacy) deveria ser minimamente sobre o grupo de bruxas, um laço formado entre as quatro, mas a obra falha miseravelmente em desenvolver as protagonistas como grupo ou como indivíduos. Só nos jogam informações sobre seus poderes, então sobre um feitiço, sobre um potencial romance, consequência dos seus poderes, antagonistas, e a possibilidade de vencer tudo com o poder da amizade. O filme dirigido e roteirizado por Zoe Lister-Jones falha por se propor a fazer muito e termina por não conseguir concluir seus enredos de forma satisfatória. Molhando os pés em diversas possibilidades, ele termina não mergulhando profundamente em qualquer um destes elementos.
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Cineasta graduade em Cinema e Audiovisual, produtore do coletivo artístico independente Vesic Pis.
Não-binarie, fã de super heróis, de artistas trans, não-bináries e de ver essas pessoas conquistando cada vez mais o espaço. Pisciano com a meta de fazer alguma diferença no mundo.