Luke Cage estreou em 2016 como parte do selo Marvel Netflix, preparando terreno para a (mini?) série Os Defensores (The Defenders, 2017 -). Mike Colter assumiu o papel de Carl Lucas, o ex presidiário que sofreu experimentos durante seu tempo em cárcere e ganhou a habilidade de ter a pele inquebrável e passou a viver sob a identidade de Luke Cage. A primeira temporada da série trouxe de volta Claire Temple (Rosário Dawson) e lhe deu um destaque antes visto apenas na primeira temporada de Demolidor. Além disso introduziu personagens como Misty Knight (Simone Missick), uma policial do Harlem que criou uma forte amizade com o homem da pele indestrutível até indo contra a própria lei que deveria defender em alguns momentos, e também Mariah Dillard (Alfre Woodard), uma política corrupta cuja família sempre esteve presente na vida criminosa do Harlem.
A segunda temporada continua de onde Os Defensores parou, com Luke Cage protegendo o Harlem e mantendo seu relacionamento com Claire Temple. A história de Luke, agora um homem oficialmente livre e o ‘defensor’ do Harlem, trata do equilíbrio entre o combate de Luke ao crime organizado e os problemas que ele passa a enfrentar na sua vida pessoal com o retorno de seu pai Reverendo Lucas (Reg E. Cathey) à sua vida. A série aborda bem o fato de que embora a sua pele seja indestrutível, Luke ainda é um ser humano por dentro, com emoções, traumas e mágoas. O problema do enredo é que ele não sabe desenvolver bem e cai no estereótipo de homem negro e violento – mesmo com pessoas com quem ele muito se importa – em vez de dar uma profundidade ao personagem cuja a única válvula de escape não seja a violência.
Voltando de uma primeira temporada bem abalada, onde a morte de Cornell “Boca de Algodão” Stokes (Mahershala Ali) foi uma péssima escolha especialmente resultando na tomada do poder e do papel de antagonista principal por Willis Striker, o Kid Cascavel (Erik LaRay Harvey), o departamento de antagonista não foi uma falha nessa segunda temporada, apresentando bem inimigos dignos de Luke Cage e de carregar uma temporada – enquanto Kid Cascavél mal conseguiu carregar os últimos episódios. Alfre Woodard volta como Mariah Dillard, desta vez saindo da vida política e agindo como chefe do crime. A personagem de Mariah vai cada vez mais mergulhando na insanidade e na maldade, especialmente quando o personagem de Bushmaster (Mustafa Shakir) aparece para cobrar de Mariah uma dívida deixada por sua família.
Os enredos dos antagonistas, uns se virando contra os outros, são bem desenvolvidos especialmente quando se considera a mulher que Mariah Dillard era no início da série e como ela se tornou uma completa vilã sem integridade ou piedade ao final da segunda temporada. A adição da personagem Tilda Johnson (Gabrielle Denis) e a conexão dela com Mariah é interessante, especialmente considerando como aos poucos a temporada prepara terreno para que ela assuma o manto da vilã Nightshade numa possível terceira temporada. Theo Rossi trás de volta Shades, dessa vez com uma maior profundidade e também um pouco de representatividade para a comunidade bissexual (o mínimo que a série deveria fazer considerando que ele é um ator branco interpretando um personagem originalmente latino de pele escura).
Um dos melhores pontos desta temporada é conseguir balancear bem entre a ação e também a emoção, com os personagens parecendo cada vez menos caricatos e mais aprofundados do que previamente apresentados. Cenas de ação com um ar bem desenvolvido e também uma coreografia adequada para o estilo de série, considerando que não se trata de nenhum mestre das artes marciais. Toda a natureza trazida pelo personagem de Bushmaster, além de sua história, é muito bem vinda esteticamente. Luke Cage é um herói negro das ruas do Harlem, a ação da série se passa no Harlem com personagens naturais dali, então é meio estranho esperar lutas totalmente coreografadas e bem desenvolvidas quando a maioria dos personagens ali aprendeu a lutar na rua e na marra.
Sendo uma sequência não só de sua primeira temporada mas também de Os Defensores, Luke Cage lida com suas ligações com o crossover. Especialmente numa das melhores cenas (não só pela ação) onde Misty Knight e Coleen Wing (Jessica Henwick) lutam contra uns caras num bar. Essa cena em particular apenas faz o aguardo pela série das Filhas do Dragão (como a dupla é conhecida nos quadrinhos) aumentar. Dannny Hand (Finn Jones) também aparece em um dos episódios finais, cimentando mais a sua relação com Luke Cage tão conhecida nos quadrinhos e não tão desenvolvida n’Os Defensores.
A segunda temporada de Luke Cage termina sendo um grande passo na direção certa, mesmo com alguns problemas. Ela cria uma atmosfera e é capaz de a manter, assim como aumenta gradativamente o interesse do público na trama sem desviar totalmente as coisas. Uma das maiores falhas da temporada é como usa do protagonista para pouco a pouco ser um ‘antagonista’ de si próprio. Os personagens coadjuvantes da série se destacam muito e as montagens e trilha sonora deixam na série uma assinatura clara. Dessa vez a Netflix conseguiu imprimir a marca Luke Cage, sem se tornar mais uma série de herói vs vilão como em muitas séries baseadas em quadrinhos.
Cineasta graduade em Cinema e Audiovisual, produtore do coletivo artístico independente Vesic Pis.
Não-binarie, fã de super heróis, de artistas trans, não-bináries e de ver essas pessoas conquistando cada vez mais o espaço. Pisciano com a meta de fazer alguma diferença no mundo.