A nova série brasileira Bom dia, Verônica (2020), estreada no início do mês de outubro e inspirada no livro homônimo da escritora e criminóloga Ilana Casoy, ao lado de Raphael Montes, especialista em analisar perfis psicológicos de criminosos (com especialidade em assassinos em série), apresenta aos espectadores uma trama instigante abordando violência psicológica, abusos, perturbações mentais e serial killer, tudo isso com um teor de brasilidade como elemento especial no ingrediente da historia.
De certo que todos nós já fomos alimentados por muitas vezes com esses enlatados estadunidenses como os inúmeros Law & Order ou CSI e seus derivados, entretanto, a produção brasileira, comandada pelos próprios Raphael Montes e Ilana Casoy, dirigida por Rog de Souza, José Henrique Fonseca e Izabel Jaguaribe, acaba por nos envolver em seu enredo por uma característica única, o fato de não estarmos no país dos finais felizes.
Nossas respostas não são sempre desvendadas através de alta tecnologia da policia forense e seus super reagentes químicos e aparatos tecnológicos. Ou ter como oficiais de justiça, profissionais que assumem sempre o lado de bem no maniqueísmo das ficções. A obra revela em seus personagens as relações de ambiguidade de caráter comumente identificadas em nossa realidade.
A trama, em resumo, apresenta a rotina de Verônica (Tainá Muller), uma escrivã do departamento de homicídios da cidade de São Paulo que, além de conviver com a violência dos casos no trabalho e a impotência perante as resoluções, também precisa lidar com seus conflitos internos e psicológicos engatilhados por um drama familiar envolvendo a morte de seus pais. Lendo de forma seca, podemos rotular Bom dia, Verônica como mais do mesmo, das conhecidas séries policias. Todavia, como disse anteriormente, o Brasil tem seu próprio jeito de contar uma historia, e não estou falando sobre nossas questões sociais, mas sim de nossa passionalidade diante das questões que estão a nossa volta.
Verônica, a heroína da série, logo de início trás a luz da empatia com as vitimas que entram na sua rotina e, mesmo enfrentando seus dilemas psicológicos, tenta se identificar diante das violências alheias que lhe cercam, e que anseiam por uma solução. Caros leitores, de certo que a partir do primeiro episódio meu texto será de pouca eficácia para lhe motivar que assista a série, porque, logo de cara, o processo visual é tão vigoroso, que lhe incitará a seguir ao próximo passo da história. A ligação e as conexões que amarram os casos e as narrativas dos personagens estão muito bem interligadas, pois o enredo relaciona dores, abusos psicológicos e violência de um mesmo universo, quase primordialmente sofrido por mulheres.
O que nos leva a uma reflexão direta: a de que, somente se faz justiça no Brasil quando existe a empatia como motivação. Logo, a justiça real, aquela que é imparcial em sua natureza, só existiria como ficção? Divagações a parte, vou frisar aqui que temos precedentes similares e de grande valor em produções nacionais do mesmo gênero, como a minissérie da Rede Globo Justiça (2016), com emocionantes interpretações de Adriana Esteves e Jesuíta Barbosa, e mais anterior ainda, temos A Justiceira (1997) com Malu Mader. E já que cheguei no tocante das interpretações, é impossível não citar o trabalho impressionante de Camila Morgado, que interpreta a personagem Janete e toda a relação de submissão e controle psicológico mantido com o marido Brandão, (Eduardo Moscovis). Amigos leitores, se assim como eu, vocês tem uma crush por obras que envolvem um certo teor de “desgraçamento mental”, episódios que terminam de forma impactantes e uma toque visceral da crueldade humana, então vem nesse bonde e dá o play. E se prepare para seguir até o final dos oito episódios da primeira temporada.
A partir daqui o texto seguirá com spoilers, portanto quem seguir adiante já está de sobreaviso.
Muito bem, aos que aqui seguem, vamos falar de coisas obtusas e que a maioria das pessoas prefere não encarar ou reconhecer como passiveis da capacidade humana. Tentativas de suicídio, depressão, psicopatia e serial killers. Questões únicas e reconhecidas em uma única espécie que habita esse mundo: Nós, seres humanos!
A protagonista não escapa de uma dessas característica obscura, pois vemos constantemente seus pulsos cortados, com uma cicatriz vertical, fato esse que indica a dificuldade em realizar uma possibilidade de socorro emergencial na tentativa de suicídio. O que, obviamente, a desqualificaria para assumir um cargo na área de segurança pública, devido a necessidade da aprovação em um exame psicotécnico para o tal. Entretanto, esse mesmo fato a deixa intrinsecamente ligada a primeira morte, que é genialmente interpretada pela atriz Julia Ianina (intérprete de Marta), que após um processo de depressão e humilhação causadas por uma golpista, decide disparar uma arma contra si mesma, em plena delegacia, após perceber que seu caso seria apenas mais um sem importância para os policiais.
O desencadeamento do enredo, a partir daí, é um ponto realmente levado de forma passional, pois Verônica se disponibiliza diante da imprensa a ser uma espécie de ponto de luz para as vitimas (focando em mulheres) que sofrem algum tipo de abuso. Porém, sem responder, ou respeitar alguma hierarquia da corporação. Uma falha perdoável, pois trata-se e um ficção e a história precisa caminhar de algum jeito.
O que nós leva a abrir com um bisturi o doentio mundo de Janete (Camila Morgado), que através de cada cena, cada close em suas expressões, somos postos a digerir uma relação tóxica de dominação por parte de seu marido, que é um serial killer (Eduardo Moscovis). Confesso que cada cena desse núcleo, me deixava entre um misto de asco e curiosidade pelos símbolos apresentados. Como por exemplo a imagem de Nossa Senhora da Cabeça, as fotos com rostos riscados, os desenhos, as mulheres em suspensão por ganchos e todas as outras espécies de bizarrices, fetiches que envolviam a tortura de todas as vítimas, incluindo a própria Janete.
Enfim, algumas questões ficaram por permear em minha cabeça após o final da série. E, apesar de ver no quadro de pistas as fotos e conexões que “Verô’’ remonta para dar seguimento a sua nova forma de fazer “justiça”, acabo por sentir que elas podem não ser respondidas em uma nova temporada. Todavia, torço para que ela aconteça. E vocês?
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Pisciana, web-jornalista, filósofa, social media, editora, aspirante à mochileira, dramaturga, maquiadora de efeitos especiais e viciada em fazer monografias. Sabe fazer malabares com objetos, mas joga bem melhor com as palavras. Detesta vestir roupa, filmes redublados e não pode comer abacaxi, mas adoraria.