Tão bem como o terror, o coming of age é um gênero trabalhado de forma eclética no cinema e na TV. As diferentes abordagens surpreendem pela individualidade singela (ou incrivelmente triste) com que conseguem dialogar através de seu mote. Comparar os dois gêneros se torna ainda mais curioso pela facilidade com que são mesclados a outras categorias, assim como usar do terror para tratar o amadurecimento. Seja como for, dos muitos modos que o gênero se apresenta, a recente produção do Prime Video, Get Duked! (2019) chegou de forma hilária, envolta em absurdos e alucinógenos para falar desse pontapé à vida adulta.
Apesar da divulgação não encontrar tanto alcance – e o design do catálogo pouco ajudar -, a Amazon Prime Video tem se destacado com seus lançamentos originais, iniciados em 2010. Se tratando de séries, o quadro de sucesso é nítido, mas com filmes, a coisa parece estar a passos lentos por ainda não liberar todos os lançamentos mundialmente. Mesmo assim, é possível encontrar – depois de um esforço – alguns dos títulos produzidos pelo estúdio. Certamente, este talvez seja o motivo de Get Duked! (e o corretor querendo corrigir a palavra para a expressão em palavrão, “fucked”) estar sendo pouco comentando, o que é uma pena, visto o quão divertida a empreitada pode ser – até quando consegue.
Exibido no SXSW do ano passado com o título de “Boyz in the Wood”, a estreia de Ninian Doff dirigindo a um longa-metragem (após de alguns curtas) chamou a atenção por vender a produção como uma comédia britânica com toques de terror e humor negro. Bem, se tratando do terror, a coisa pode desanimar aos amantes de um bom gore, ou a quem esperava tiradas espalhafatosas com muita agonia e sanguinolência, mas ainda assim, entre todas as combinações que se propõe, Get Duked! garante bons momentos naquilo que aproveita.
Certamente, o longa também roteirizado por Doff, tira sarro o tempo todo, inclusive com o próprio nome. Como parte de um programa (inspirado no real The Duke of Edinburgh’s Award) com intuito de formar bons indivíduos para a sociedade através do trabalho em equipe, três amigos adolescentes são selecionados como punição após um ato de vandalismo na escola. Com personalidades semelhantes no que diz respeito a quebrar regras, o tripé é obrigado a acolher o novo membro (aquele que faz tudo certinho) nessa competição que entrega um prêmio, ministrando uma boa lição no trajeto. Entre ler o mapa e realizar a tarefa o quanto antes ou fumar maconha, o grupo não contava em ser caçado por um estranho no recinto. É aí que entra a lógica do título, que brinca com uma forma light de dizer “se ferre” – melhor dizendo, que é “se fo*a!”
Só pela descrição e proposta do programa ao qual foram inseridos, é notável o desenho do coming of age. Jovens de interesses e ambições distintas colocados em um local que provoca a reflexão do que são, do que serão e de enfrentar seus demônios? É o Clube dos Quatro em campo livre. O bom que, atrelado ao uso de muitos excrementos alucinógenos de coelho – e os arranjos para espalhar a nóia, combinados a hits do pop e hip-hop, é mais outra prova de acerto inventivo aqui – a prosa encontra espaço para fazer funcionar em meio a sacadas absurdas que zombam o tempo todo de reviravoltas – com reviravoltas – e conveniências comuns em tramas do tipo – tais como quando os personagens se deparam numa situação de risco e precisam lutar por suas vidas.
Indo um pouco mais fundo, Get Duked! rege também uma analogia ligada ao fato de que, no tempo em que o quarteto de jovens tenta se reencontrar, a figura misteriosa que os caça, corresponde ao elementos que os – nos – sufocam durante a transição para vida adulta. Sejam nossas dúvidas, descobertas, medos, frustrações, tudo faz parte do mix de sensações que nos marcam. Não ficando só nessa ótica, a premissa deixa claro a representação anárquica política que coloca essa geração contra a parede, com a velha guarda questionando e contrapondo os valores que os separam.
Apesar do teor debochado, em algum momento na transição entre os três atos, o roteiro cansa nas suas tiradas humorísticas. Ou seja, mesmo definindo a ideia de satirizar com estereótipos e estender a idiotice dos diálogos e reações ao máximo, o texto se perde para manter a abordagem interessante, a qual acaba afetando também as colocações absurdas que não se levam a sério, levando um filme para resoluções comuns na estrutura que se propõe, mas que, ainda assim, termina compensando pelos personagens.
Em suma, mesmo com uma fórmula posta a mesa, a execução criativa de Doff se sobressai e define uma experiência divertida e descompromissada dessa comédia danosa e hilária ambientada nas Terras Altas da Escócia.
VEJA TAMBÉM
A Babá: Rainha da Morte – A sátira descomedida da adolescência
A Química Que Há Entre Nós – Um conto melancólico sobre amadurecimento
Ama ouvir músicas, e especialmente, não cansa de ouvir Unkle Bob. Por mais que critique, é sempre atraído por filmes de terror massacrados. Sua capacidade de assistir a tanto conteúdo aleatório surpreende a ele mesmo, e ainda que tenha a procrastinação sempre por perto, talvez escrevendo seja o seu momento que mais se arrisca.