Gaspar Noé é um cineasta que gosta de chamar atenção para si. Polêmico tanto em suas falas públicas quanto nas temáticas de seus filmes, o diretor e roteirista parece gostar dessa imagem e se aproveita dela para causar sentimentos diversos nos espectadores a cada novo filme que lança, seja uma repulsa absoluta, seja uma euforia pelo que Noé trará desta vez. Mas, quem conhece os trabalhos do diretor precisa admitir que o cara sabe realmente mexer com a sensibilidade de quem os vê. Através de ideias não necessariamente inovadoras, mas certamente ousadas, ele se propõe a fazer de seus filmes verdadeiras experiências sensoriais, tanto em relação às narrativas, como às escolhas de direção e fotografia.
Não me deterei muito em sua filmografia, mas basta apenas lembrar que em Irreversível (Irréversible, 2002) o cineasta conta uma história perversa de violência fazendo uso narrativo de uma cronologia inversa visto por uma câmera eufórica e alguns planos sequência impressionantes, enquanto em Viagem Alucinante (Enter the Void, 2009) a proposta é acompanharmos de perto, através de planos subjetivos e alguns outros bem próximos à nuca do protagonista, uma jornada além-morte cheia de cores e músicas extremamente vibrantes num redemoinho psicodélico de drogas e violência. Em Love (2015), Gaspar Noé filma em 3D as lembranças sexuais e amorosas de seu protagonista, repleto de longas cenas de sexo explícito que encobrem qualquer traço de interessante que o filme possa oferecer, mas que eu não chamaria de desnecessárias pois esta parece ser exatamente a intenção do diretor.
Em sua nova peripécia, Clímax (Climax, 2018), Gaspar Noé volta a tentar embrulhar o estômago de seus espectadores, e devo admitir que, pelo menos comigo, ele conseguiu novamente. Supostamente inspirado em acontecimentos reais acontecidos no inverno francês de 1996 o filme trata sobre uma noite de ensaio de um grupo de dança dentro de um prédio que parece ser uma escola. Logo no início, após vermos todos os créditos e algumas frases de efeito, assistimos a uma longa sequência de vídeos que percebemos ser a seleção dos dançarinos que deverão fazer parte deste grupo. Nas entrevistas as personagens falam sobre assuntos os mais diversos, que acabam por servir como apresentação destas pessoas e irão dar uma ideia de porque elas agirão de certa maneira no decorrer do longa.
A sequência do ensaio em si é realmente incrível, com os movimentos da câmera acompanhando a coreografia dos dançarinos em uma performance que não nos deixa piscar, em um plano sequência longuíssimo que, vindo de um filme de Noé, já não mais nos surpreende tanto. Ao fim da performance o mesmo plano sequência segue cada uma das personagens na comemoração pelo ensaio bem sucedido, e em cada diálogo e ação passamos a conhecer melhor as relações que estes criaram desde que se conheceram após a seleção. Totalmente diferentes entre si, tanto em personalidades como nas formas de agir, passamos a conhecer seus problemas e suas sensibilidades, mas de uma forma pouco aprofundada.
Até a metade do filme ele se resume a isso, quando apenas aí nos são apresentados os créditos que geralmente estariam no início do filme, funcionando como uma preparação para a sua segunda metade. E é quando as coisas começam a desandar. Os ânimos começam a se alterar em cada uma das pessoas comemorando naquele lugar e logo se percebe, tanto pelos personagens quanto por nós espectadores, que algo não está certo. Algum tipo de droga parece ter sido misturada à bebida que a maioria estava consumindo e seu efeito gradual nas personagens vai os levando a um comportamento descontrolado e eufórico, que se abate de formas diferentes em cada um.
Este caos crescente se faz perceber, além de nas próprias pessoas, também nos movimentos de câmera, algo que o diretor já havia experimentado anteriormente em Irreversível, o que é eficaz em nos fazer sentir partícipe dele, e cada um dos acontecimentos que acompanhamos, justificado pelo efeito da suposta droga, vai se mostrando cada vez mais chocantes, mas nunca incompreensíveis dentro da narrativa, já que já havíamos tido conhecimento, mesmo que por cima, da personalidade de cada um ali.
Clímax não traz uma grande surpresa na filmografia de Gaspar Noé, e muito menos uma narrativa empolgante com personagens que nos interessem minimamente, mas é certo que consegue nos fazer dar umas caretas e sentir uns embrulhos no estômago, e como provavelmente era isto que Noé pretendia, só me resta o parabenizar mesmo.
Cineasta e Historiador. Membro da ACECCINE (Associação Cearense de Críticos de Cinema). É viciado em listas, roer as unhas e em assistir mais filmes e séries do que parece ser possível. Tem mais projetos do que tem tempo para concretizá-los. Não curte filmes de dança, mas ama Dirty Dancing. Apaixonado por faroestes, filmes de gângster e distopias.