Homem-Aranha 2 – A incerteza da responsabilidade

 

Falar em continuações de produções cinematográficas sempre causa reações distintas. Uns depositam expectativas, outros só esperam ver o que a aguardada sequência trará. Nos bastidores, os executivos discutem sobre o que poderiam fazer, uma vez que se tem a fórmula e uma base do que o público gostou, nada mais cômodo do que repetir a dose. Felizmente, a visão que Sam Raimi teve ao idealizar Homem-Aranha 2 (Spider-Man 2, 2007) carrega até hoje o legado de um dos melhores filme de super-herói, e também, live action já feito sobre o aracnídeo. Grandes poderes trazem grandes responsabilidades, e a segunda jornada do Cabeça de Teia nos cinema traçou o desequilíbrio que há entre ser herói e gerenciar a vida pessoal. O fruto foi a graça de dialogar com a maturidade ágil de se contar uma história tão digna de ser apreciada.

Quase dois anos se passaram desde que Peter (Tobey Maguire) foi picado por uma aranha, perdeu o tio num tiroteio, enfrentou o pai do melhor amigo para proteger as ruas de Nova York e, por fim, dispensou a chance de finalmente namorar a garota com quem é perdidamente apaixonado, Mary Jane Watson (Kirsten Dunst). O baque da incrível euforia de possuir poderes veio com a decisão difícil de abrir mão do que mais queria para proteger quem ama: se ser o Amigo da Vizinhança poria em perigo tantas pessoas importantes e arriscar perder mais alguém como o tio Ben (Cliff Robertson), o melhor era se afastar de tudo. Não ter laços, não ter um amor, e o que tivesse, teria de ser o mais discreto e breve possível.

É com essa façanha que despontamos a Spider-Man 2, com um Peter dividido entre tantas responsabilidades: dois empregos, mal lhe sobrando dinheiro para pagar o aluguel daquele minúsculo apartamento, sem poder trocar de jeans, comprar uma mochila, e depois de atender as sirenes da polícia lançando teias sobre prédios, nem mesmo consegue chegar a tempo para aula do dr. Connors (Dylan Baker). Se na aventura anterior Sam Raimi seguiu por uma estrutura metódica para narrar as consequências vindas da responsabilidade, aqui sobreveio um olhar mais cuidadoso balanceando a incerteza do que Peter quer ser e fazer. Parece muito simples conciliar as coisas quando se é o Homem-Aranha, e, apesar do que a habilidade sobre-humana consegue oferecer, não beneficia todas as áreas, e principalmente, o remorso a respeito do que poderia ter feito na noite que seu tio foi morto.

Mesmo com os avanços dos estúdios em aprimorar os efeitos especiais, essa segunda empreitada do Aranha foi também um exemplo de quando desenvolver é mais importante que impressionar com o CGI eficiente – e o fez, ganhando até um Oscar na categoria de melhores efeitos em 2005. Enquanto transitava por uma história superiormente ambiciosa, Raimi não deixou de explorar o caráter mais emocional e humano do super-herói: em uma hora de filme era possível sentir o peso da dúvida, na falta de equilíbrio sobre ser o cara capaz de escalar paredes e não obter o êxito ao realizar qualquer outra atividade simplória.

Mas, antes mesmo de Peter abandonar a sua roupa de herói, se sentir um civil e tropeçar ao som de Raindrops Keep Falling on My Head, a película já inseria devidamente seu vilão. Abraçando um lado sombrio e com tons de terror sci-fi, Doctor Octopus (Alfred Molina) marcou presença como um doutor que viu o experimento de sua vida dar errado e ainda perder a esposa Rosalie (Donna Murphy) no caminho. Em paralelo ao conflito de Peter, estendia-se a complexidade do dr. Otto, tendo a própria sanidade contrariada pelo que criou: os braços ‘tentáculos’ mecânicos que outrora eram controlados por um inibidor, agora assumem o comando. Assim, o cientista se via cego por realizar as pesquisas que promoveriam sua carreira, até perceber que ao concretizar isso anularia seus princípios bem mais do que o reconhecimento poderia trazer.

Somando a destreza de se caminhar por uma boa história, Spider-Man 2 teve um triunfo ao trabalhar o arco da vilania de maneira independente, abrangendo a personalidade do personagem. E depois de tanto se falar acerca das peças desse tabuleiro, entregou cenas grandiosas de ação e pancadaria – com destaque para a sequência do trem em movimento – sem soar destoantes diante do arco dramático estabelecido, alternando em poucos intervalos do Aranha lançando teias.

Sem pressa para salvar o dia, a direção sabia onde queria chegar. O fato de dispor um romance dosado por trás de um drama denso, elevando cada personagem – tia May que o diga -, só fez a produção envolver com carisma. E para quem não tinha se convencido anteriormente, o longa posiciona o talentoso Tobey Meguire à conquista como escolha ideal na pele do aracnídeo. Com um ritmo ágil, mais contido e emocionante, Sam Raimi garantiu a certeza dos passos que conduzia o Homem-Aranha nas telonas. Das grandes responsabilidades, a graça de ser declarado o melhor filme do Cabeça de Teia.


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