Pawel Pawlikowski não é novato no Oscar. Seu filme anterior, Ida (2013), também concorreu à estatueta no ano de 2015. Se em seu filme anterior a protagonista buscava entender quem ela era e em que contexto sua família se relacionava, em Guerra Fria (Zimna wojna, 2018), filme mais atual de seu diretor, a busca passa a ser as relações interpessoais e amorosas entre os dois protagonistas intercalados pelo período logo após a Segunda Guerra Mundial e início da chamada Guerra Fria e a divisão do mundo entre o regime socialista e capitalista.
A história acompanha os protagonistas durante 15 anos, eles se conhecem em 1949 e o filme termina em 1964. Durante esse tempo, a história de paixão, amor e, em alguns momentos, raiva se desenvolve na vida destes dois. O filme trata de uma história de amor em uma Polônia durante a Guerra Fria. Porém ele não é só sobre isso. A trama geral, na verdade, serve apenas como um fio condutor para a análise de caráter e sentimentos dos personagens. Por se tratar de um músico e uma bailarina e cantora, o filme ganha, em certos momentos, ares de um musical. Isso é mais acentuado no início do filme com a busca pelas raízes folclóricas poloneses para criação de um novo número musical.
A fotografia do filme é belíssima, um preto e branco bem contrastado e um aspecto de 4:3 dão características importantes para a narrativa. Nada disso é jogado à toa. Essas escolhas visam sobretudo emular uma estética da época e uma imagem quase metalinguística. Todos os enquadramentos são propositais e não há um plano sequer perdido durante a decupagem e montagem. Tudo aqui serve a um propósito. Talvez a fotografia seja o maior ponto do filme. Outro destaque vai para o som e a música. O diretor opta por construir todas as cenas com um som diegético, ou seja, todos os sons, músicas, barulhos que os personagens ouvem o espectador também escuta, em alguns momentos o uso desse recurso deixa o público mais perto da história tornando-o um cúmplice daquele romance.
As atuações são muito boas, tanto Joanna Kulig quanto do Tomasz Kot. Enquanto ele apresenta momentos mais contidos transparecendo tudo por meio de seu olhar, ela demonstra muito mais extravagância. O contraste entre os dois personagens é fundamental para a química do casal que se desenrola em cena. É certamente o que move o romance dos dois e o que faz com que eles aguentem a separação imposta pela divisão da Europa durante o período da Guerra Fria. Por fim, a edição do filme é muito eficiente, ela trabalha com um anti-clímax muito bem desenvolvido. Enquanto o espectador espera uma reação imediata depois de uma cena muito pesada ou uma que gera muita expectativa o filme corta e cria uma elipse temporal saltando vários anos na frente, deixando a cargo do público desenvolver e entender o que aconteceu durante o tempo que não foi mostrado no filme. Esse recurso tem um efeito muito interessante no filme que potencializa ainda mais a interação do público com a obra.
Guerra Fria é um filme sobre amor, mas não como estamos acostumados a ver. É um amor contido separado por longos anos. Persistindo através do tempo, do espaço e do contexto político. É uma busca por ressignificar o amor e tentar fazê-lo sobreviver mesmo às situações mais adversas. É o amor nos tempos de separação, principalmente em uma divisão ideológica.
Atual Vice-presidente da Aceccine e sócio da Abraccine. Mestrando em Comunicação. Bacharel em Cinema e formado em Letras Apaixonado por cinema, literatura, histórias em quadrinhos, doramas e animes. Ama os filmes do Bruce Lee, do Martin Scorsese e do Sergio Leone e gosta de cinema latino-americano e asiático. Escreve sobre jogos, cinema, quadrinhos e animes. Considera The Last of Us e Ocarina of Time os melhores jogos já feitos e acredita que a vida seria muito melhor ao som de uma trilha musical de Ennio Morricone ou de Nobuo Uematsu.