Este ano ainda não entregou tudo o que preparou para o terror, mas está começando. Ainda que não tenha sido exibido em algum festival, The Rental (2020) chamou a atenção como um dos títulos promissores que viria a dar as caras. O motivo, a estreia de Dave Franco por trás das câmeras. Agarrado às expectativas, o longa garante surpresas em vários estilos a quem pensava se surpreender com algo grandioso – ou que no mínimo fizesse valer as fichas -, através de uma direção contida, ciente do que contaria.
Privacidade e segurança são dois termos que andam lado a lado quando se trata de internet. O que se torna irônico quando a mesma oferece ferramentas de praticidade e comodidade para os internautas. A confiança para fechar uma compra é ganha graças aos comentários positivos feitos ao produto pretendido. Uma rápida pesquisa de avaliação a lojas online, testifica a dúvida quanto a integridade da empresa. De forma parecida, o feedback acerca de um local, aponta a qualidade do serviço – assim, poderei comprar tranquilamente, ou me dirigir àquele estabelecimento pela primeira vez, porque a web me disse isso.
Dito isso, chegamos a The Rental (o aluguel, na tradução livre). Visando uma comemoração de férias, dois casais alugam uma casa para passar o final de semana – um site aqui, outro ali, um acabou convencendo como o lugar ideal de que precisavam. Contrariando os pombinhos, logo a estadia se mostra bem diferente do que queriam encontrar, pondo em xeque segredos e a própria privacidade.
Para o primeiro longa-metragem, a condução de Dave Franco se mostra bem interessante. Assinando o roteiro ao lado de Joe Swanberg, o desenvolvimento inicial se preocupa em nos introduzir aos personagens que em breve irão se acomodar numa bela casa. Pavimentando o terreno do suspense, a direção estabelece uma rasa trilha para adentrarmos ao clima de tensão e inquietude sobre o que vai se desenrolar. Até de forma óbvia, já que as peças provocam apostas fáceis do que vai fazer o horror acontecer – proprietário vilão, de novo?
De fato, a direção estava ganhando mais pontos pela atmosfera criada junto a ambientação e técnica da fotografia, do que o enredo conseguia convencer ao pontuar conflitos. Contudo, a premissa ainda carregava o seu aspecto chave, a garantia da virada: a casa. Ter esse elemento no terror – um espaço, grupo de pessoas, isolamento e divergências -, é só questão de tempo para esperarmos o que será causado nos personagens. Aqui temos um quarteto que se comporta de maneira diferente quando estão juntos e afastados, o que é evidente nas conversas entre Josh (Jeremy Allen White) e sua cunhada Michelle (Alison Brie), assim como com Charlie (Dan Stevens) e Mina (Sheila Vand), namorada do seu irmão.
A lógica por trás da casa, funciona como um palco para o que mais estão propensos a ser e fazerem – um imã que expõe as relações distintas e cheias de camadas e segredos que ocultam por trás da imagem oca de casais decididos -, e não seria um simples final de semana, aparentemente de diversão, que afastaria tais tendências. A essa altura, o longa já tinha engrenando o suficiente ao movimentar a tensão dos personagens pelo que queriam manter naquele lugar afastado, explorando os limites da moral que estariam dispostos a quebrar para se salvarem: o egoísmo humano é tão insano que se torna um efeito dominó intensificar um “erro” em prol de sair impune, e basta uma pessoa para causar isso.
Com a mão já na roda, seguindo as regras próprias do que concebia, Franco firmou a sagacidade ambiciosa por trás da sua ideia e direção ao guiar o longa para um ápice brusco, porém, inteligente, mesclando ao suspense dramático e terror, um flerte sobre os subgêneros do home invasion e também ao slasher – de forma proposital, utilizando da estupidez do grupo, como a categoria pede. A loucura dessa mistura, é acertar o que desenvolvia além do óbvio sugerido. Se todo cuidado é pouco, The Rental chega para lembrar o quanto a privacidade é frágil, podendo ser transgredida de maneiras assustadoras.
Fazendo valer o aluguel, será intrigante ver o que Dave Franco poderá fazer em outros longas do gênero, depois de tornar um tema tão recorrente para um terror, uma viagem elegante, tensa, capaz de ir longe e com identidade, mas que também pode não convencer com todas suas ideias.
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Ama ouvir músicas, e especialmente, não cansa de ouvir Unkle Bob. Por mais que critique, é sempre atraído por filmes de terror massacrados. Sua capacidade de assistir a tanto conteúdo aleatório surpreende a ele mesmo, e ainda que tenha a procrastinação sempre por perto, talvez escrevendo seja o seu momento que mais se arrisca.