Você Deveria Ter Partido – A fábula do conceito mal explorado

Sem dúvidas, a capacidade de inovar e explorar na linguagem do cinema é um primor. Ou um desafio, quando se tem uma boa história pronta para ser degustada, mas é triste quando todo o esforço se resume a desígnios mal passados, moídos numa complexa mistura de ideias presumidas, jogadas, e que se resultam em um filme pretensioso. Essa é a sensação que dá ao assistir a nova aposta da Blumhouse, Você Deveria ter Partido (You Should Have Left, 2020), estrelada por Kevin Bacon e Amanda Seyfried.

A premissa cabulosa de envolver drama e terror psicológico é tentadora. Balancear conflitos internos, usando do artifício do horror permite um exercício sagaz e ambicioso para se contar uma história, e para alguém como David Koepp, depois de tempos intercalando comédia e terror no currículo, é um tiro erroneamente calculado apostar naquilo que poderia ser outra nova sacada do seu leque, e que caiu num enfadonho desenvolvimento, se perdendo no efeito esperado.

Partindo em viagem a uma aconchegante casa, seguimos o casal Theo (Bacon) e Susanna (Seyfried) acompanhados da filhinha Ella (Avery Essex), esperançosos da beleza que encontrariam ali. Porém, o lar doce lar converte o lazer em confusão, contrariando a sanidade do homem, fazendo-o questionar tudo o que acreditava.

Articulando o “complexo” enigma que irá se desdobrar, o cineasta dá uma pista, provocando acerca do que quer contar, o que é ótimo para chamar atenção, enquanto o caminho da rota está sendo traçado. A proeza é como se fosse uma armadilha preparada para capturar um camundongo: a isca está ali, sem que o roedor esperasse ser fisgado. Mas não era o suficiente para atraí-lo. Munindo a narrativa de artifícios que deveriam segurar o objetivo por trás do longa, Koepp deixa escapar o fator de interesse, antes mesmo que se dê conta nos largos cômodos da casa.

Ao tempo que permeia entre alimentar a estrutura com ares de uma residência mal assombrada – perdendo tempo com a fórmula de quando todos sabem o que está acontecendo, menos o mocinho da história, além de um humor deslocado -, a trama perde seu alicerce, haja vista o suprimento pouco convincente, que não sustenta a ideia. Movimentar o jogo de incerteza do personagem junto ao espectador se mostrava inteligente, mas faltava ainda uma execução mais contida para credibilizar o que tentava manter. Incitar com um suspense, depois partir para um drama raso almejando render oposições na relação do casal apaixonado, só deixava os personagens frouxos em meio a trama que não conseguia decolar.

Parecia mesmo que algo bem bolado estava a eclodir, apesar do texto didático fornecer informações para que nos importássemos com o protagonista que vagamente hesitava contra a estabilidade. E quando então decide impulsionar o objeto por trás do conceito, You Should Have Left, título em reflexão ao miolo que ronda o escritor Theo, a película de Koepp carecia de gás, de mais demonstração da própria concepção, em vez do fraco fluxo para encantar e, no último movimento, tentar às pressas impactar.

Aliás, foi nesse momento que se percebe um interessante campo a ser explorado, se tivesse a dedicação de adentrar ao mote sem permanecer tanto tempo no raso, passando por outras portas da imensa casa, que de nada preenchiam a base e tampouco serviam para enriquecer o enredo de frágeis argumentos.

Assim como a opacidade de cores, do amargo da culpa e do arrependimento que pintam as paredes da casa, o retrato final desse afetado terror psicológico é sem brilho, incapaz de cativar. A casa prometia refúgio, comodidade em grande espaço, e um intenso mergulho no acinzentado paralelo do horror e do que queremos fugir. Mas, por fim, eu deveria ter visto outro filme.