Parte da essência de se ouvir uma história nova, é reconhecer o fato de que não sabemos de tudo. Aquilo que achávamos saber, surge com outra informação, daí abrange o leque para mais conhecimento. Se cutucarmos repetidamente uma caixa repleta de diferentes objetos, o que podemos descobrir? O item descoberto, que mudanças fará? Talvez seja essa ideia do elemento distinto ainda não mostrado, que leve a Sétima Arte a revisitar tantas histórias: tanto reboots como prequels, sequências rejeitando outras sequências para trazer o moderno capítulo, os tradicionais remakes; a coisa se divide entre explorar mais do material inicial, adaptar livros inéditos de uma saga, corrigir aquela primeira tentativa que não foi bem-vinda. Seja como for, esta não será a última vez, há sempre a segunda versão da história, um pouco além do que já foi visto.
Ao passo que o remake americano de O Grito (The Grudge, 2020) tomava forma para estrear nas telonas, a Netflix, no ano passado, já começava a trabalhar numa série também inspirada na famosa saga de terror psicológico – que estreou no último dia 3 de julho -, contudo, japonesa. Apesar das origens destoantes, ambas as obras contam com um aspecto comum: compactar da melhor forma os moldes narrativos da franquia original. Para os fãs do horror, e os assíduos da saga, O Grito: Origens (Ju-On: Origins, 2020) prometeu seu frescor para a mitologia. Repletas de boas intenções, o conto para telinhas pode ser um deleite para os amantes dos filmes, mas um desgaste para um meio que se repete.
Distribuída entre seis episódios de trinta minutos de duração, a recente aposta já apontava que queria ser breve no que iria apresentar. Ter esse tipo de produção testa a reação do público à medida que nos empolga em encarar, se ora não temos nada a perder em algo tão curto, principalmente para Ju-On, que já carrega sua fama. Criada por Takashige Ichise (produtor da primeira franquia, remakes, e roteirista de alguns derivados) e Hiroshi Takahashi (roteirista da franquia original de Ringu: O Chamado), a dupla aqui também se responsabilizou pelo texto da série. Visando seus currículos, ao menos esperava-se que trariam um bom argumento, para uma história que encerrou aparentemente as sequências japonesas em 2015, e retornou ao cinema este ano.
Acompanhando um investigador de histórias sobrenaturais, Yasuo (Yoshiyoshi Arakawa), a série nos conduz através de suas pesquisas que se resolveram por sete livros. O levando a uma antiga casa, em que mãe e filho morreram e que detém um terrível segredo. Basicamente, esta é a premissa: somos apresentados ao que ele descobriu num tempo de sete anos (1988-1995). Assim, se faz a estrutura narrativa, discorrendo sobre os eventos inferidos para quem teve contato com a casa.
Seguir com o que deu certo na franquia, certamente é a opção mais segura quando se quer contar mais daquele universo, porém, esse aspecto é a soma arriscada que pesou o desenvolvimento base para o resultado. Para um público que se acostuma cada vez mais com estruturas narrativas, Ju-On pode pegar desprevenido quem esperava sentar e ver o remake americano em formato de série, porém, o ligamento aqui se dá pelo modelo fonte. São inúmeros personagens dando as caras, compondo esta costura de casos interligados, mas que diferente do efeito esperado, enriquecer a trama, terminam dando um tom excessivo de circunstâncias. Se as notícias na TV não estavam sendo o bastante para dar o panorama de crimes horrendos descamados na vizinhança, ficamos a par das principais peças que colaboram na busca de Yasuo num ritmo peculiar que marca a cultura japonesa de compor suas histórias.
Os pontos chaves para movimentar a mesa são óbvios: como começou a maldição? Como todos se interligam? Cadê Kayako? No meio da roda, O Grito: Origins faz sua força descamando o lado obscuro da humanidade, com uma onda de violência, atrocidades caóticas, possessões de ódio e sacadas nonsenses que com certeza causarão desconforto pelas cenas pesadas. Para quem queria o terror envolto no jumpscare pensando saltar da cadeira, a série entrega o horror que há no ser humano de maneira bizarra. Os efeitos de adentrar o palco da maldição se manifesta de formas singulares, abraçando as peças ao redor até poder consumir como um todo.
Nisso, no caminho, a direção de Shó Miyake sacrificou um maior aprofundamento dos personagens, os tornando peças sem substâncias em prol da fórmula daqueles que fazem parte da maldição. No desfecho das idas e vindas, termina acarretando num exercício fatigante de instrumentos espalhados aliados a algo maior da própria narrativa, esquecendo de nutrir com mais engajamento os detalhes para tal composição. O sucesso dos filmes se deu em contar, por tantos títulos, casos e mais casos ligados a tragédia de maneira independente que expandia seu legado, mas aqui, compactar o formato teve seu preço.
Se a reação de confusão é considerada em algum momento, é porque a narrativa carece de um fator que empolgue e cative, além de só ter um sistema bolado para colidir as consequências de uma maldição. O que iniciou com caos, esmiúça com caos as partes diretas da mitologia de ódio, mas, mesmo que aparente não ter consistência, O Grito -Origens celebra a raiz narrativa e montagem que rodeiam seu pivô.
Ao menos evitando as expectativas da nostalgia para algo óbvio (Kayako, tô falando de você), as mentes por trás do texto da série aproveitaram a oportunidade de trazer mais personalidade pro enigma e sua caracterização, o que rende seis episódios despreocupados com o terror apelativo, mas empenhado em demonstrar os impactos arrasadores que norteiam o ju-on, e com isso, sustentar a trama. Em suma, inspirar-se no que mais os filmes seguiram, pontua o início e fim de uma possível renovação da série dos rancorosos: invocar novamente a fórmula, seria como um loop de mesmice que não sabe onde acabar. Felizmente, o final foi redondo. Para evitar a maldição, é só não continuar com esta história.
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Ama ouvir músicas, e especialmente, não cansa de ouvir Unkle Bob. Por mais que critique, é sempre atraído por filmes de terror massacrados. Sua capacidade de assistir a tanto conteúdo aleatório surpreende a ele mesmo, e ainda que tenha a procrastinação sempre por perto, talvez escrevendo seja o seu momento que mais se arrisca.