E chegamos ao final da temporada da série que foi uma das melhores apostas da Netflix nos últimos anos, mesmo lutando com os narizes torcidos de alguns telespectadores habituados com produções norte americanas. A série alemã Dark (2017 – 2020), criada por Baran bo Odar e Jantje Friese, conquistou e fidelizou fãs desde a primeira temporada. Os mistérios da cidade de Winden foram instigando cada vez mais a curiosidade e as teorias em torno das viagens no tempo e suas causas e efeitos.
A produção finaliza seu ciclo de forma surpreendente, o que à primeira vista, apresenta-se de forma complexa, porém se desenrola de maneira muito sagaz, provando que tinha o controle de todo o enredo, desde o princípio, (ou do final). Principalmente quando adentramos a segunda temporada e ficamos cientes da existência de um universo paralelo e sua relação inevitável com o apocalipse. O que, para os mais apaixonados por Dark, foi o momento de pegar papel, caneta e cair nas teorias.
Tenho certeza que os leitores dessa resenha não estariam nesse ponto do texto se já não tivessem assistido e se maravilhado com o final. Porém, mesmo com essa certeza no coração eu vos digo: Seguem spoilers nas próximas linhas a seguir.
Por fim, entendemos que o ponto principal da trama resulta da batalha entre Adam/Jonas (Dietrich Hollinderbäumer/ Louis Hofmann ) e Eva/Martha (Barbara Nüsse/ Lisa Vicari) para realizar seus objetivos, sendo que ele anseia pelo apocalipse para finalmente, pôr fim em ambos os mundos existentes, ao passo que ela deseja salvar o seu mundo no universo paralelo. E todas as ações realizadas por eles condenam ambas as realidades a vivenciarem um eterno loop.
Os personagens protagonistas, creem que exista uma conexão desses dois mundos que foram criados a partir das viagens no tempo. E que essa conexão seria o filho que tiveram juntos (O Jonas no primeiro mundo e a Martha do segundo mundo). O personagem, não batizado, mas que se apresenta entre os dois planos sob três versões de si ( a criança, o adulto e o idoso).
Acompanhamos então, Eva ( Martha) tomando decisões e atitudes para que seu filho possa existir, contribuindo assim para que seus planos de salvar o segundo mundo se concretizem. Ao passo que Adam (Jonas) tenta impedi-los, e até chega a matar Martha grávida para que a criança não nasça. Porém, mesmo os dois personagens tendo sucesso em suas missões, ainda assim, cada um dos mundos acaba por ser destruído. Provando, que não era o filho a ligação entre os mundos.
A verdadeira conexão entre os mundos paralelos
Mais uma vez o nome H.G. Tannhaus se torna de suma importância na trama. A terceira temporada nos faz compreender de onde surge a criação dos estudos da viagem no tempo. Todo o processo parte dos antepassados do relojoeiro. E por fim, motivada a ser concluída por Tannhaus, com o intuito de salvar seu filho, nora e neta de um trágico acidente de carro.
Na primeira tentativa de pôr seu plano em ação, ele acaba por criar não apenas a viagem no tempo, mas também os dois universos que conhecemos (o de Jonas, o primeiro mundo que vimos na 1º temporada ) e o de Martha (do segundo mundo que vimos). E nesse ponto que a personagem Claudia Tiedemann se torna uma peça fundamental para o fechamento da série, pois é ela que descobre o ponto de origem entre os mundos, a ação realizada em um mundo original que desencadeia a criação das realidades paralelas. Muito embora, esse fato tenha ficado bastante subjetivo e seja um dos pontos que merecia mais relevância.
O que podemos inferir sobre a descoberta de Claudia, é que durante todas suas idas e vindas entres os tempos, ela correlacionou diferentes informações que se montariam para o encaixe da história. Sendo a principal delas: A relação da Morte da família de Tannhaus e sua primeira tentativa de usar a máquina de viagem no tempo.
As outras conclusões de Claudia
Estamos cientes que Regina, filha da Claudia (a viajante mais astuta da série), morre em qualquer das realidades em que ela visita. Ao compreender que esse acontecimento era inevitável em toda as realidades criadas, ela atenta-se ao fato de que existem pessoas nas arvores genealógicas de Winden que fazem parte do ‘nó’ entre os mundos, ao passo que outros não são afetados por eles (os dois universos); Ou seja, algumas pessoas que acompanhamos na série são apenas um reflexo, um resultado falho desse cruzamento de realidades paralelas.
Então, de forma oculta, ela se põe a investigar sobre essa terceira possibilidade de mundo (que seria o mundo original), deixando os planos de Adam e Eva seguirem, para que ela não fosse impedida. Quando finalmente Claudia chega a verdade sobre a origem da criação, ela revela isso a Adam (Jonas), para que assim, usando o nanosegundo em que o mundo parou (informação que ela escutou num rádio), e onde todos os universos também pararam, para que pudessem enviar o Jovem Jonas e a Martha do segundo mundo até 1986, e evitar a tragédia com a família de Tannhaus (quebrando assim o ciclo e evitando o surgimento de realidades paralelas) . O plano é realizado com sucesso e com isso os mundos paralelos de ambos vão desaparecendo, assim como todos os personagens que eram oriundos de suas relações de existência .
Deixando os protagonistas no paraíso, onde não existe dor, morte e nem sofrimento, ou seja a Escuridão (Dark), nome mais que perfeito para a série.
Como confirmação do que descobriu Claudia, a cena final apresentada a nós, apenas os personagens que não tinham vínculos com os cruzamentos dos mundos paralelos, sendo eles: Regina, a filha de Claudia, Katharina, Peter e Hannah e o policial Torben. Só para reforçar, no exato momento em que a primeira viagem no tempo foi impedida, personagens como Ulrich e seus filhos com Katarina não podem existir, pois são frutos de relações entre viagens no tempo.
Com o nó desatado, mesmo assim vemos que Hannah está grávida e diz que vai dar a seu bebê o nome de Jonas, porém desta vez , ele não pode ser filho do Mikkel/Michael, logo não será o mesmo Jonas que acompanhamos. Será?
Mas o que significa Jonas e Martha se enxergarem na infância ?
Pois é meus caros leitores, não tenho a menor ideia. Talvez seja apena uma daquelas coisas que os roteiristas guardam no coração para deixar os fãs enlouquecidos, porém, existe uma teoria de que o casal já teria vivido essa sensação/ visão em suas infâncias. O que provaria que a travessia para o momento em que eles tentam evitar que o relojoeiro inicie a primeira viagem possa acontecer, já estava fadada a acontecer.
Após essa surra de spoilers, eu gostaria de dividir com vocês uma coisa pessoal, que me motivou acompanhar essa série até o episódio final. Peço aos leitores, que peguem uma xícara de café ou algo que gostem, pois, a parte boa de terminar uma série é sentar e conversar sobre ela, estou errada?
Eu poderia falar mais sobre as teorias, os paradoxos e toda parte de ficção cientifica que nos maravilhou os olhos. Entretanto, vou falar do que mais amo e tenho um pouco de domínio, a Filosofia em Dark. Por isso, eu vou apelar aos vossos corações que me concedam a mesma pausa de um ‘nanosegundo’ que mudou todo o rumo da série.
Bom, vamos lá. Certa vez, enquanto ministrava uma oficina de escrita criativa para dramaturgia em teatro, um dos alunos me entregou um texto que nunca esqueci. O texto narrava a história de uma criança que nunca nasceu, e exatamente por esse fato de não existir, a história que eu li trazia ações e reações causadas pela sua ausência. Como seria possível ter essa consciência do que vamos ou não causar nas vidas das pessoas com a nossa falta de existência?
Foi essa a questão que eu me fiz, após ler o texto do aluno. Eu olhei para ele e perguntei como ele chegou aquela ideia tão criativa e maravilhosa. E ele me respondeu: Minha mãe estava grávida, porém o meu irmão nunca nasceu. O aluno criou um conto, uma história , sobre a não existência de um ser e suas impactos. Ao assistir Dark, me senti revivendo o conto.
Logo no primeiro desaparecimento de Mikkel, e assim por diante, com todos aqueles que nasciam ou desapareceram pelo simples fato da possibilidade de escolha de uma ação ou reação humana. Ou seja, toda as leis da causalidade, nossa autonomia, nossas decisões éticas, nossa liberdade de escolha infligem as ações e reações nesse mundo em que vivemos. Sendo essa a base da metafisica kantiana (Immanuel Kant), a busca pela origem da natureza do homem.
Voltando a Dark e sua temporada final, vemos Jonas em diferentes paradoxo da física, quando por exemplo ele sabe que existe mesmo sua origem sendo de um mundo que não deve existir; vemos ele vivenciando o mais famoso experimento do paradoxo do gato de schrödinger (quando ele seria A: resgatado pela Martha do segundo mundo, levado para outro universo e morreria; ou B: sobrevive sozinho ao apocalipse e fatalmente se tornaria Adam);
Porém o que mais me toca é quando vemos Jonas tomar consciência, juntamente com Martha, de que suas ausências seriam parte da resposta da solução do problema.
E seguir com essa escolha de pôr em pratica suas liberdades para realizar a missão, que de forma ética, salvaria o filho, a nora e a neta de Tannhaus, contudo dando fim as suas existências e alcançando ao paraíso, que é a escuridão da não existência.
Deixo aqui uma pergunta aos leitores que pacientemente chegaram até aqui: seríamos capazes de escolhermos estar “ausentes” de nossas existências (antes que ela seja concreta) , abandonar nossas relações afetivas e tudo mais, para corrigir a sequência e existência da vida de outros ?
Metafisica meus amigos, lindamente contada em três temporadas para nós, ornamentadas de forma fantásticas com analogias religiosas: Adam (Adão / Jonas) Eva ( Martha) e livre arbítrio. Eis uma série que guardo em meu coração. E me usando da premissa de Dark, sigo aqui dizendo: O fim de um texto, também é um começo de uma reflexão. Portanto, fico aqui aguardando a chegada de seus comentários.
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Pisciana, web-jornalista, filósofa, social media, editora, aspirante à mochileira, dramaturga, maquiadora de efeitos especiais e viciada em fazer monografias. Sabe fazer malabares com objetos, mas joga bem melhor com as palavras. Detesta vestir roupa, filmes redublados e não pode comer abacaxi, mas adoraria.