Superman – A adaptação e o herói que a DC e o mundo precisavam

O universo dos super-heróis e das adaptações de quadrinhos — que, embora se cruzem, são coisas diferentes (ainda que às vezes sejam a mesma coisa) — continua até hoje a render inúmeras versões para o cinema. Um dos heróis que ficou mais conhecidos para o público em geral ao longo das décadas é o Homem de Aço, escondido por trás de um óculos como o repórter Clark Kent e usando uma capa vermelha e uniforme azul debaixo de uma cueca: o Superman. São parte indissociável da iconografia de super-heróis, sua mitologia como um alienígena, último sobrevivente de seu planeta natal, enviado para uma distante civilização onde o mesmo cresce sendo criado por fazendeiros e usa suas habilidades únicas para ajudar o próximo. 

Nos últimos anos, a ideia de um ser com super força e outros poderes, enviado por uma outra sociedade para a Terra (ou semelhantes) se tornou entediante ou mal trabalhada para a audiência. Daí vieram obras como Brightburn: Filho das Trevas (Brightburn, 2019), Invencível (Invincible, 2021 -), The Boys (2019 -), até mesmo o universo alternativo da DC Comics: Injustice, onde esse conceito é deturpado. Afinal, um ser “superior” tem a capacidade e o poder de subjugar a raça humana e não existe razão para não o fazer, assim, o público vem sendo levado a pensar nos recentes anos. Essa lógica escorre mesmo para as últimas adaptações do próprio Superman, nos cinemas – Snyderverso -, seriados – primeira temporada de Superman & Lois (2021 – 2024) -, ou animações – Minhas Aventuras com Superman (My Adventures with Superman, 2023 -). 

A nova adaptação do icônico super-herói, originalmente intitulada como “Superman: Legacy” e depois modificado para apenas Superman (2025), nos últimos meses, é estrelada por David Corenswet dando vida ao protagonista. Literalmente ao protagonista, pois se há algo faltando em certo nível nesse filme é mais do Clark Kent, portanto David brilha muito bem com o carisma de Superman, mas mal tem cenas como o repórter desajeitado que encobre sua identidade secreta. Não se pode ter tudo, e isso não chega a ser um problema ao longo do filme, o trabalho do mesmo como o super-herói, suas nuances e como lida com os fardos colocados em seus ombros – às vezes por si mesmo, é impecável. A jornada de Kal-El nesse filme é algo nunca explorado nas telonas, seu legado e herança kryptonianos colocados diretamente em conflito com sua natureza altruísta e heroica.

Com cenas de ação inovadoras de muitas perspectivas, o filme consegue entregar um enredo maduro sobre  ser um super-herói. Não estamos falando de ser um deus entre homens, de ser um alienígena com uma missão de salvar ou conquistar, mas sim como o Superman de Corenswet se coloca como um herói para o mundo. Mundo, isso mesmo, suas atividades heroicas são para além da cidade de Metrópolis, para além mesmo dos Estados Unidos. O próprio personagem se posiciona diante de um conflito internacional, onde ele para uma invasão de uma nação a outra, falando sobre como nenhuma nação tem direito de subjugar outra sob qualquer justificativa. No atual clima político, um filme blockbuster – mesmo que estadunidense – tocar neste assunto em particular é uma importante escolha e fala muito sobre a missão de contar a história de um herói. 

Há muito tempo não vejo um desenvolvimento de um “interesse amoroso” dentro de um filme de quadrinhos tão bom quanto a Lois Lane de Rachel Brosnahan. Uma adaptação extremamente fiel à personagem e ainda bastante convincente, capaz de não ser apenas passiva no enredo do filme. Quando se diz “interesse amoroso”, não é com a mínima intenção de reduzir o papel da mesma, integral não apenas ao enredo do filme, mas também com sua própria trajetória dentro da narrativa, Lois faz o filme andar muito para além de sua relação com Clark e Superman. A química incrível dela com Corenswet entrega muitas cenas de muita tensão, romance e tesão, em particular a cena da entrevista feita entre a jornalista e o Superman, podendo ser uma cena de terapia de casal ou de uma preliminar. 

Para além de criar uma nova roupagem para o último filho de Krypton, reinventando o personagem em contrapartida a adaptações dos recentes anos para um mundo atual, o filme também tem a difícil missão de apresentar esse novo universo da DC nos cinemas. Honestamente o faz com grandiosidade, sem contar com easter eggs e cameos, faz com que a construção do mundo com meta humanos, super-heróis, ameaças, pareça natural e ao mesmo tempo sem se prender ao pé de realidade. É um universo baseado em quadrinhos e o filme abraça isso através da linguagem cinematográfica, parecendo um quadrinho ganhando vida. O roteiro e a direção de James Gunn conseguiram criar um início extremamente coeso para esse novo Universo Cinematográfico da DC

Dentro da obra, os heróis ou personagens para além da mitologia do Superman, funcionam na narrativa e auxiliam a construir as bases deste novo universo sem parecer forçado. Parece mesmo que a equipe por trás desse filme tem observado como a construção de universo do Universo Expandido da DC e como a Marvel Studios recheia seus filmes com personagens sem necessidade pelos crossovers sem focar no elenco de apoio do protagonista de suas obras. Metamorpho (Anthony Carrigan) e Senhor Incrível (oh tradução horrível para Mr. Terrific, interpretado por Edi Gathegi) são peças importantes demais ao enredo e entregam cenas criativas e incríveis. Inclusive, Edi tem a justiça pelo racismo sofrido por seu personagem em X-Men: Primeira Classe (X: First Class, 2011) e entrega uma das cenas de ação que deve entrar para a história dos filmes de quadrinhos. Já a personagem da Mulher Gavião (Isabela Merced) entrega perfeitamente a que veio, de todas as formas possíveis.

O antagonismo do filme atua de várias formas, sejam corporações corruptas, governos ditatoriais querendo eliminar outras nações, mas o medo de imigrantes é uma chave importante para o arco de fazer as pessoas do mundo duvidarem do Superman. Em um clima político semelhante ao atual Estados Unidos, onde imigrantes estão sendo arrancados de casa e tratados como animais selvagens. O filme, gravado há algum tempo, parece ter previsto como o governo anti-imigrantes dos Estados Unidos sob a “liderança” de um preconceituoso contumaz atuaria para com pessoas imigrantes. Abordar a origem do herói tratando o conceito de imigração não é uma ideia original de Gunn, mas é importante mais uma vez pontuar como um filme de um grande estúdio trazendo essa mensagem de forma escrachada é uma medida um tanto corajosa. 

Aliado diretamente a isso há a figura do bilionário obcecado com a figura do Superman, disposto a fazer absolutamente tudo para destruir o herói pelo simples fato dele ter vindo de outro planeta e possuir poderes. Lex Luthor se sedimenta nesta obra como um vilão maníaco obcecado com a destruição do Superman e a forma como a tridimensionalidade da loucura, do poder, do ódio do personagem é trazida a vida por Nicholas Hoult é de tirar o fôlego. Muitos vilões marcaram o gênero “super-heróis” no cinema, mas a muito tempo não há um vilão tão capaz de fixar a atenção e causar tanto ódio e uma certa diversão como o Luthor de Hoult o faz em Superman. Além de obcecado, o próprio é a encarnação do bilionário acostumado a ter tudo como deseja e capaz de destruir quem minimamente for contra qualquer palavra sua. Um verdadeiro bebê mimado, só que muito inteligente e cheio de dinheiro, quase um espelho de alguns bilionários da vida real. 

Superman tem seu lançamento nas salas de cinema dia 10 de Julho e é uma obra cinematográfica com uma abordagem mais episódica, algo no meio, e parece ser mesmo essa sua proposta. Estamos no meio de um universo cheio de informações e o filme é uma obra focada naquilo acontecendo ali, sem propor uma grande explosão e um novo mundo. No final das contas, em um mundo cheio de heróis, vilões, alienígenas, robôs, isso é só mais uma quinta feira e praticamente essa é a sensação causada pela obra. Como adaptação de quadrinhos, o filme dirigido por James Gunn é a mais fiel e criativa forma de trazer os quadrinhos diretamente à vida dos últimos anos. 


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