O texto a seguir contém leves spoilers de Pablo e Luisão
Em 2020, quando Paulo Vieira, comediante “tocantinense” (ele nasceu em Goiás, mas se mudou ainda criança pra Palmas, portanto se considera tocantinense) começou uma thread (o famoso “fio”) no Twitter contando algumas histórias de Pablo e Luisão, foi um sucesso imediato. Ganhando cada vez mais leitores e mais pedidos de “virar série”, a ideia se concretizou agora, em 2025. Mas não se engane, quem conhece o Paulo sabe que ele planejava isso há muito tempo. Talvez tivesse medo que os pedidos de “virar série” não viessem, mas não tem problema: como quase sempre, ele fez com medo mesmo, mas esperando o melhor resultado possível.
Talvez eu seja a pessoa errada pra escrever esse texto, devido à minha proximidade com Paulo. Quando o conheci, em uma de suas primeiras apresentações em um clube de comédia em São Paulo, ele ainda não era ESSE Paulo Vieira. Ou, melhor, era, mas quase ninguém o conhecia. Certo dia, nos vimos em um desses restaurantes da região dos Jardins. Paulo gentilmente convidou meus pais e eu para sentarmos na mesa com ele. Recusamos, claro. Ele insistiu. Ainda bem. Desde lá, daquela primeira apresentação que vi em pleno 2014 (nem eu lembrava que fazia tanto tempo assim. Meu Deus…), não parei de acompanhar o FENÔMENO que ele se tornaria. Prêmio Multishow de Humor, Quem Chega Lá? do Faustão, Record, Globo, GNT, BBB, Globoplay, Porta dos Fundos, stand-up, comédia, TV, internet, filme, série, agora novela… É tanta coisa que eu quase (eu disse quase) esqueci que ele toca, compõe e canta e lançou um EP infantil, “Circo das Pulgas”, e uma música em homenagem à São Paulo com ninguém menos que Tulipa Ruiz. Talvez eu seja a pessoa certa pra escrever esse texto.
Tá bom, tá bom, eu vou falar de Pablo & Luisão (2025 -), calma. Luisão é pai de Paulo e Neto. Pablo, o melhor amigo de Luisão. E por melhor amigo eu quero dizer a melhor (ou pior?) dupla dinâmica que já existiu. Não é à toa que Paulo começa o seriado com a preocupação genuína de que ninguém vai acreditar no que ele conta na série. É inacreditável mesmo. Todas as 16 surreais histórias divididas em episódios de mais ou menos 25 minutos, sequer arranham a superfície de todas as histórias, causos, furadas e confusões que Pablo e Luisão já armaram.
Luisão, interpretado por Aílton Graça, é o típico pai de família tradicional: acha que sabe de tudo, que arte não presta e que artista usa drogas (assiste que você entende porque eu tô citando isso). Mas é carinhoso, apesar de estar equivocado em inúmeras – e eu digo inúmeras com gosto – vezes. Aílton Graça traz um ar leve a um personagem complexo, usando toda sua expertise de atuação, mas também seu conhecimento em palhaçaria, fazendo de Luisão quase um palhaço sem maquiagem em tela. Uma inocência misturada com a simplicidade de uma vida dura de quem só pôde estudar até à 6ª série.
Já Pablo, que é interpretado pelo hilário Otávio Müller, figurinha carimbada em diversas produções da Globo, é performado com maestria. Otávio brinca no exagero e no cômico-dramático que Pablo, um ser humano simples, que não mede muito bem as consequências das suas ações e, apesar de dar muito (é sério, muito) prejuízo à família Vieira, é um sonhador. Sonhador caótico, mas um sonhador.
Essas histórias malucas envolvem diversas pessoas, inclusive a família toda: Paulo e Neto, mas principalmente Conceição, a matriarca. Desde dinheiro emprestado, passando por simplesmente aguentar morar em uma sala comercial com vitrines de vidro em frente à uma escola por mais de um ano, até desistir da cozinha dos seus sonhos, Conceição é a cola do seriado. Não me entenda mal, a produção conta as histórias partindo do ponto de vista de Pablo e Luisão, mas se essa série tem uma protagonista, eu acredito que seja Conceição. O foco é dela. E não poderia ser diferente. Ela é uma força inexplicável da natureza, quando está com raiva, sim, mas quando está feliz, também. E triste. E principalmente quando se trata de seus filhos. A orgulhosa, mas dedicada, Conceição, não poderia ser interpretada por outra atriz além de Dira Paes. Sim, a semelhança física é até fator importante, mas definitivamente não é o que brilha aqui. Dira atua na tênue e fina linha entre ser explosiva e ser a mãe tradicional brasileira. E ela não anda, ela voa. Dira traz a força da mulher trabalhadora, dona de casa, mas que se preocupa com a educação de seus filhos. E vendo o trio verdadeiro, no segmento “os reais” ao final de cada episódio, você entende de onde Dira tirou tudo aquilo. Paulo a instruiu direitinho.
É impossível não mencionar aqui Seu Justino, um funcionário da fábrica de salgados de Conceição e Luisão, que muda completamente a dinâmica da família. Um queridinho do público, brilhante e docemente interpretado por Wilson Rabelo. Seu Justino é um personagem tão bem escrito que parece ficção, daqueles que vem pra ser o “sidekick” da protagonista (que no caso, é Conceição). Seu Justino é um respiro numa dinâmica conturbada, é um pouco de ordem no caos.
Os jovens Yves Miguel (que interpreta Paulo Vieira) e João Pedro Martins (que interpreta Neto, o irmão de Paulo) são de uma presença impressionante em tela. Eles estão presentes o tempo todo, mesmo que quase nenhuma das histórias envolvam eles diretamente. João Pedro traz uma inocência infantil à Neto, embora ele entenda perfeitamente todos os perrengues que as maluquices de Pablo e Luisão trazem à sua família. Esse ar de inocência é um contraponto ao que Yves Miguel faz. Paulo Vieira, sempre muito ácido, não perdoa e nem poupa nenhum comentário sobre todas as situações. A série gira em torno de Pablo e Luisão, mas como a própria psicanalista do Paulo disse: a série é sobre ele. É o olhar DELE sobre as coisas insanas que aconteceram na vida dele por causa do trio.
E apesar de ser o narrador (ele mesmo), Paulo confere uma responsabilidade enorme em cima de Yves, que entrega com muito primor um Paulo Vieira fiel à realidade: um Paulo observador, sério, mas muito ácido e verdadeiro. É impressionante a semelhança física de Yves e Paulo, o olhar é incrivelmente parecido. Eu não sei exatamente o quanto aqui é trabalho do Paulo, da preparadora de elenco, ou se é tudo obra do destino, mas é impressionante. E que privilégio é poder enxergar tudo isso na tela. Yves deve ter um futuro brilhante na atuação.
A cereja do bolo, ainda que a série não precisasse de mais nenhuma atuação marcante, são as personagens secundárias e recorrentes. Com participações especiais, que vão desde Ane Freitas e Paulo Manduca (amigos de longa data de Paulo), até Karine Teles e Miguel Falabella, até terminar com ninguém menos que Lima Duarte no último episódio. Essa série acerta em muitos aspectos, mas definitivamente atuação é um ponto chave, que foi cuidadosamente pensado e feito com muito carinho.
Uma produção não pode ser feita só pelas atuações, então a série de comédia com maior orçamento da história da Globo não economizou em nada mesmo. Com uma fotografia que ressalta não só a cidade cenográfica, mas a beleza das paisagens naturais de Palmas e do Tocantins, Pablo & Luisão possui uma fotografia bonita, que cabe muito dentro do contexto da série. Além de um design de produção de dar inveja: tem casa, quintal, bar e vários cenários e objetos de cena extremamente legais.
Como se não bastasse tudo isso, o texto coroa a série com elegância. O roteiro é hilário, e mistura realidade e ficção de forma brilhante, com não só situações cômicas, mas frases extremamente engraçadas. Não era por menos, afinal o time conta com a jornalista Bia Braune, o comediante Patrick Sonata, a atriz e escritora Nathalia Cruz e o comediante e ator Caito Mainier, além de ter redação final do ator, roteirista e diretor Maurício Rizzo. Um time de peso que sabe exatamente o que está fazendo e tece de forma cativante uma trama ficcional entrelaçada com intervenções do próprio Paulo Vieira de forma natural e divertida.
Como série, Pablo & Luisão cumpre bem o papel de entreter e divertir, mas é muito mais do que isso. Contando a vida dura de uma família pobre, que enfrenta muitos desafios, mas tem o sonho de mais, Paulo Vieira coloca o Brasil na tela. Ele tem essa mania, de contar sobre o povo para o povo, como faz no seu outro projeto Avisa Lá Que Eu Vou (2022 -), onde passa por cidades do Brasil em busca de histórias incríveis (e acha). Paulo é sensível, humano e, apesar da acidez, extremamente delicado quando é pra contar sobre outras pessoas. Ele toca na ferida, mas sempre com gentileza, porque é exatamente nessa gentileza que ele consegue se conectar. Ele não tem medo de se expor em tela, nem que isso mostre seu lado mais ríspido e mordaz, ele só quer ser real, verdadeiro. É por isso que muitas pessoas se identificam, por isso que ele ganha cada vez mais espaço. Essa história que o povo brasileiro não gosta de se ver na tela é falácia e Paulo Vieira prova isso toda vez que aparece com um projeto na TV. O povo brasileiro é como Pablo & Luisão. Tá bom, nem todo mundo se mete com os PIORES golpistas desse país o tempo todo, mas a beleza de Pablo e Luisão tá justamente no fato de sempre esperarem o melhor da pior situação possível. Paulo ainda conseguiu RIR de tudo isso. Existe algo mais brasileiro do que isso?
VEJA TAMBÉM
Se Avexe Não – Encomenda do Ceará para todas as famílias
O Melhor Amigo – Apaixonante, envolvente e musical

Cineasta finalmente formada, nascida e criada em São Paulo, infelizmente. Quando empregada, atua como fotógrafa. Prefere maratonar séries do que dormir, cai muito fácil em provocações, mas tem o riso frouxo e gosta de abraços.