Meu Bolo Favorito – E o medo de morrer sozinho

O cinema iraniano é um dos mais aclamados do mundo, reunindo nomes como Samira Makhmalbaf, Abbas Kiarostami e Jafar Panahi. A nova onda do cinema iraniano surgiu na década de 1960, mas ganhou força principalmente a partir dos anos 1970, posicionando-se contra o regime fundamentalista instaurado após a Revolução Iraniana, marcado por tendências conservadoras e teocráticas.

Desde então, artistas e cineastas iranianos dedicam-se a retratar histórias de seu povo e sua complexa relação com esse regime, frequentemente marcada por perseguições, prisões e violações dos direitos humanos. A título de curiosidade, o cineasta Jafar Panahi, por exemplo, foi preso e proibido de realizar filmes por 20 anos. Uma das características mais marcantes do cinema iraniano é sua persistência em retratar a realidade e resistir às mais duras opressões. Mesmo sob tais condições, Panahi dirigiu mais de quatro longas-metragens desde sua condenação em 2010.

Esse contexto é essencial para compreender e discutir Meu Bolo Favorito (Keyke Mahboobe Man, 2024), dirigido por Maryam Moghadam e Behtash Sanaeeha, que também assinam o roteiro. O filme conta a história de Mahin (Lili Farhadpour), uma senhora de 70 anos que vive sozinha no Irã, enquanto sua filha reside no exílio, na Europa. A narrativa acompanha a rotina de Mahin em seu país, explorando suas relações com amigas, vizinhas e um taxista que ela conhece ao longo da trama, com quem desenvolve um interesse amoroso mútuo.

Em determinado momento, um dos personagens revela que seu maior medo é morrer sozinho. Esse temor, que por muitos anos também foi o meu, é algo que acredito ser compartilhado por muitas pessoas. Assim, o filme aborda uma questão atemporal e universal da condição humana, algo que todos, em alguma medida, já experimentaram. Ao explorar essa temática por meio de um casal de terceira idade, a obra acerta ao humanizar a história e demonstrar que, mesmo aos 70 anos, ainda é possível encontrar amor.

A relação de Mahin com o taxista Faramarz (Esmaeil Mehrabi), embora breve, é intensa, permeada por desejos e momentos compartilhados, como a degustação de vinho, sempre sob o olhar vigilante dos vizinhos e a constante ameaça da Polícia da Moral, presente no país. O filme é pertinente ao destacar os principais pontos de resistência da população iraniana e as ações arbitrárias das autoridades locais. A câmera mantém-se próxima dos personagens, captando suas respirações e desejos, ao mesmo tempo que transmite uma sensação de inocência.

Meu Bolo Favorito sugere que a maior forma de resistência de um indivíduo ou povo contra um regime totalitário e opressor é o amor. No filme, esse sentimento é apresentado de maneira delicada, rompendo o medo da solidão na morte. Resistir, portanto, é amar, e isso é demonstrado nas pequenas ações e gestos do cotidiano, seja ao trocar a lâmpada do jardim, compartilhar uma garrafa de vinho ou dançar na sala de estar. Viver é belo e desafiador; amar é superar o medo e resistir.


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