Todo ano, nas minhas primeiras aulas da disciplina de Arte para o 6º ano do Ensino Fundamental, faço a seguinte pergunta aos alunos: para que serve a Arte? Obviamente que esta é uma espécie de pergunta retórica, não há uma resposta simples para ela, é apenas para criar uma reflexão, para que eles pensem sobre. A Arte em si é muito complexa, mas uma de suas várias características que podemos cravar é que ela é algo genuinamente humano, próprio da nossa natureza. Logo, o que podemos concluir é que sem vida (humana) não há arte, e eu adicionaria que o contrário também é verdadeiro.
Dirigido por Greg Kwedar, Sing Sing (2023) foi inspirado no Rehabilitation Through the Arts (em português, Reabilitação Através das Artes), um programa do presídio de segurança máxima de Sing Sing, em Nova Iorque, que tem como objetivo incentivar a participação dos detentos na criação, produção e execução de peças teatrais. No filme acompanhamos Divine G (Colman Domingo) e outros membros do grupo iniciando os preparativos para mais uma produção do RTA. O personagem de Domingo é um homem negro que foi condenado por um crime que não cometeu, mas que dento da prisão ajuda a fundar o programa que, com a ajuda do dramaturgo e também presidiário Brent (Paul Raci), leva seus membros a encontrarem um propósito e viajar para outros mundos através da arte.
Só isso já seria o bastante para dar ao filme uma premissa interessante, mas é apenas a primeira de várias camadas que envolvem a obra. Logo no início, G e seu amigo Mike Mike (Sean San Jose) vão em busca de recrutar um novo membro para a trupe, e é a introdução de Divine Eye (Clarence Maclin) ao grupo um dos motores do longa. O novato, apesar do potencial percebido pelos veteranos, é um detento brigão e envolvido com o tráfico de drogas dentro do presídio, um homem cheio de amarguras e que inicialmente reluta em se entregar ao ritmo do grupo. As interações entre Divine G e Divine Eye é um dos pontos altos do longa, pois ambos demonstram personalidades bastante opostas, mas que aos poucos percebemos que podem se tornar complementares, com um aprendendo com o outro.
Além da dupla principal os outros membros do grupo, ainda que em papéis secundários e sem tanto aprofundamento, demonstram bem a dinâmica de equipe e o grau de inventividade daqueles artistas. A elaboração da ideia para a peça que será ensaiada durante alguns meses – uma comédia de viagem no tempo, com personagens os mais variados possíveis, indo de Freddy Krueger à Hamlet -, já aponta para a forma colaborativa e livre que faz o grupo funcionar como um escape para aqueles homens, com passados tão duros e cheios de dificuldades e muitos sem uma perspectiva de futuro pela frente.
Outras camadas estão na própria produção do filme. 13 dos personagens que aparecem no filme, incluindo a maior parte do grupo que compõe o RTA, interpretam eles mesmos. Com exceção de Divine G, Mike Mike e Brent, todos os outros personagens são realmente ex-detentos que tiveram suas vidas transformadas pelo programa, inclusive Clarence ‘Divine Eye’ Maclin, com uma atuação impactante e comovente. Além disso, a produção seguiu um modelo inovador e raro em produções hollywoodianas: toda a equipe envolvida recebeu salários equivalentes, tendo o filme custado apenas 2 milhões, o que é bem baixo para uma produção deste tamanho e que se destacou em várias premiações, inclusive recebendo três indicações ao Oscar 2025: melhor ator para Colman Domingo (que está simplesmente sensacional), melhor roteiro adaptado e melhor canção original para a música Like a Bird interpretada por Abraham Alexander & Adrian Quesada.
Sing Sing é uma obra que, com sua metalinguagem, nos faz lembrar do poder transformador da arte e de quanto nos precisamos dela para viver. Nos lembra que sem arte a vida perde parte de seu sentido e mesmo quando tudo parece perdido, quando somos tragados pela névoa que cerca nossas almas, a arte pode ser a mão que se estende para nos tirar do fundo do penhasco. Com arte podemos nos sentir livres, podemos nos sentir vivos.
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Cineasta e Historiador. Membro da ACECCINE (Associação Cearense de Críticos de Cinema). É viciado em listas, roer as unhas e em assistir mais filmes e séries do que parece ser possível. Tem mais projetos do que tem tempo para concretizá-los. Não curte filmes de dança, mas ama Dirty Dancing. Apaixonado por faroestes, filmes de gângster e distopias.