Durante o ensino fundamental, aprendemos sobre fábulas. De modo geral, trata-se de um gênero narrativo originado na antiguidade, cujo princípio é transmitir uma lição educativa por meio de uma linguagem simples e carregada de metáforas. Além disso, esse tipo de história frequentemente apresenta animais como protagonistas, como nas obras de Esopo, escritor da Grécia antiga, como por exemplo, “A lebre e a tartaruga”.
Ao longo dos séculos e da trajetória humana, essas narrativas foram recontadas e reinventadas, ganhando novos contextos sociais e políticos. No entanto, suas características essenciais permaneceram, adaptando-se a diferentes formas de expressão, seja na literatura, no teatro ou – como no caso do filme que abordaremos aqui – no cinema.
Flow (Straume, 2024), dirigido por Gints Zilbalodis, é um exemplo dessas fábulas modernas que emergiram e se consolidaram na sétima arte. A obra acompanha a jornada de um gatinho e suas aventuras em um mundo atingido por uma grande inundação, sem motivo aparente, explorando sua relação com os companheiros que encontra ao longo do caminho. Em diversos momentos, somos levados a sentir emoções como empatia, compaixão e confiança.
Ao analisarmos os aspectos técnicos e a linguagem cinematográfica, o filme dispensa diálogos, mas essa ausência não é um problema. Aqui, aplica-se a famosa máxima do cinema: “Show, don’t tell” (mostre, não conte). Todas as emoções e expressões são transmitidas por meio de olhares, onomatopeias e ações narrativas, complementadas por uma trilha sonora minimalista, mas que enriquece o sentido da obra. Outro ponto digno de destaque é a impressionante movimentação da câmera. Não me recordo de nenhuma animação que utilize essa escolha estilística de forma tão eficaz. Em certos momentos, a câmera parece flutuar livremente, seguindo o gatinho em movimentos que simulam a técnica de câmera na mão ou o uso de um steadycam. Essa abordagem é executada com maestria e contribui para a identidade visual do filme, especialmente ao retratar a história do felino. É quase como se o animal fosse o impulso por trás de uma câmera tão dinâmica e expressiva.
Por ser uma obra poética e literária, Flow abre espaço para diversas interpretações. Pode-se enxergar nele uma bela jornada de autoconhecimento e confiança nos amigos ou, ainda, uma crítica a um mundo onde as mudanças climáticas e o aquecimento global ameaçam o equilíbrio da natureza. Certamente, o filme merece todo o reconhecimento que vem recebendo e, de certa forma, esse reconhecimento é necessário, pois ele resgata um gênero importante na história da narrativa e o desenvolve com uma experiência cinematográfica excepcional.
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Doutorando em Comunicação, sócio da Aceccine e da Abraccine, e um dos fundadores do SMUC. É bacharel em Cinema e licenciado em Letras. Apaixonado por cinema, literatura, histórias em quadrinhos, k-dramas e animes, ama os filmes de Bruce Lee, Martin Scorsese e Sergio Leone, além de gostar de cinema latino-americano e asiático. Escreve sobre jogos, cinema, quadrinhos e animes. Considera The Last of Us e Ocarina of Time os melhores jogos já feitos e acredita que a vida seria muito melhor ao som de uma trilha musical de Ennio Morricone ou Nobuo Uematsu.