Confesso que fiquei bastante surpreso quando uma série derivada do excelente Batman (The Batman, 2022) de Matt Reeves focada no surpreendente Pinguim de Colin Farrell foi anunciada. Claro que é cada vez mais comum que séries derivadas de grandes filmes e franquias focadas em personagens coadjuvantes ou histórias paralelas sejam produzidas, mas ainda assim. Entretanto, ao mesmo tempo, fiquei feliz por ver que havia um plano em expandir esse novo universo do Homem Morcego que, apesar de ser um herói já excessivamente explorado no audiovisual, tem nessa nova versão um potencial que me parece diferente do que já havíamos visto antes. E um dos personagens que mais me instigou curiosidade no filme de 2022 foi exatamente o assistente de mafioso Oz Cobb, que lá tinha um papel coadjuvante, ainda que fundamental para a narrativa. Além disso, tanto o trabalho de maquiagem quanto a interpretação de Farrell foram duas das grandes boas surpresas que o filme havia nos apresentado.
Dito isto, foi com bastante expectativa que comecei a ver a minissérie Pinguim (The Penguin, 2024), exibida semanalmente pelo canal de streaming Max. Logo de início (e já era sabido para quem acompanhou as notícias sobre a produção do show) percebemos que o foco seria realmente todo no desenvolvimento de Oz, imediatamente após os acontecimentos do filme, sem pretender nenhuma menção, nem mesmo indireta, ao herói de Gotham. Partindo disto vemos a cidade tentando a muito custo se reerguer após o caos criado pelo Charada, tanto do ponto de vista estrutural quanto em relação ao submundo do crime que empesteia a cidade e que agora se via em uma guerra interna para preencher o vácuo deixado após a morte de Carmine Falcone. E com o outro grande líder da família mafiosa rival, Salvatore Maroni, preso, temos a oportunidade perfeita para Oz começar a planejar sua ascensão como o grande chefe do crime a que sempre esteve destinado a ser.
Mas Oz ainda precisava lidar com o herdeiro de Falcone por direito, seu filho Alberto (Michael Zegen), o que é resolvido ainda no ótimo e empolgante episódio piloto After Hours, dirigido por Craig Zobbel (que também comanda os dois episódios seguintes), com a ajuda de um novo e inesperado aliado, o jovem Victor (Rhenzy Feliz). Mas eis que a verdadeira antagonista surge para melar os planos de Oz em se legitimar como um nome forte para comandar os negócios dos Falcone. A escolha de Cristin Milioti para interpretar Sofia “The Hangman” Falcone foi uma das melhores coisas que aconteceram no mundo das séries em 2024. Cristin faz de Sofia uma personagem que exala o perigo que é capaz de provocar ao mesmo tempo que esconde uma fragilidade decorrente de tudo que passou nos anos anteriores aos acontecimentos da série, um passado que aos poucos vamos conhecendo no decorrer dos episódios através de flashbacks e diálogos.
Percebendo o risco que corria com o surgimento de Sofia, Oz astuciosamente tenta uma aliança, já que ambos tinham uma história pregressa quando ele ainda era um simples motorista do chefe da família Falcone e era encarregado de transportas seus filhos. Porém Sofia tem seus próprios planos para os negócios da família, mas o fato de ser mulher e de ter passado anos encarcerada no Arkham faz com que outros membros da gangue tomem a dianteira em seu lugar e achem que poderiam se sobrepor ao ímpeto dela, o que posteriormente se mostra um grave erro. Enquanto isso, Victor toma cada vez mais protagonismo na série e mesmo sendo um personagem criado para o show (sem nenhuma aparição anterior em nenhuma mídia do universo do Batman), acaba se tornando o parceiro ideal para que conheçamos um lado “humano” de Oz, enquanto ele mesmo passa a ser um personagem com quem nos importamos e torcemos na série, já que estamos falando sobre uma história que tem como principal protagonista um conhecido vilão da cultura pop. Claro que queremos saber a que fim a jornada do Pinquim irá levar e como isso ocorrerá, mas é difícil torcer por ele.
Além dessa jornada por sua ascensão ficamos conhecendo aos poucos também o passado de Oz, especialmente a complexa relação com sua mãe, e é preciso também destacar a interpretação magnífica de Deirdre O’Connell. E é interessante como isto não é algo apenas ilustrativo, como uma curiosidade para entendermos o personagem um pouco melhor, mas também será mais a frente parte fundamental da narrativa da série, contribuindo para plots que vão se montando com bastante maestria durante seus oito episódios. Farrell aprofunda ainda mais seu personagem, já que no filme não tivemos tempo para o conhecermos melhor, agora o ator tem uma série inteira para trabalhar seu Ozwald Cobb, e é fascinante ver como toda oportunidade para isto é aproveitada pelo ator.
Todo o visual da série segue bastante o que vimos em Batman, mas o show não deixa de criar também sua própria identidade, já que aqui estamos falando de uma série de máfia, com tudo o que uma clássica série de máfia precisa ter, o que pessoalmente me deixou muito feliz. Intrigas e alianças entre grupos criminosos os mais diversos, corrupção do poder público, e uma violência sempre presente. Com um elenco marcante e um enredo que nos prende do início ao fim, Pinguim mostra que veio não apenas como um anexo de uma franquia de um grande personagem, mas muito mais do que isso, se firma como uma produção que funciona perfeitamente bem de forma independente e que empolga não apenas por seu material de origem, mas por si só.
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Cineasta e Historiador. Membro da ACECCINE (Associação Cearense de Críticos de Cinema). É viciado em listas, roer as unhas e em assistir mais filmes e séries do que parece ser possível. Tem mais projetos do que tem tempo para concretizá-los. Não curte filmes de dança, mas ama Dirty Dancing. Apaixonado por faroestes, filmes de gângster e distopias.