A suavidade da infância constantemente é marcada por avassaladores momentos de descoberta e autoconhecimento da puberdade. Para uns mais cedo do que para outros. Filmes sobre dramas de amadurecimento, também conhecidos por “coming of age”, são comuns nas mais diversas regiões do mundo. Diferentes perspectivas, diferentes idades, contextos familiares, mas o ato de contar histórias sobre passar a se entender como uma pessoa perante o mundo é bem comum. Do topo da cabeça existem filmes como Meu Primeiro Amor (My Girl, 1991), um clássico sobre sentimentos e infância, conhecido por muitos. A suavidade de contar histórias sobre sentimentos de uma perspectiva jovem, podendo citar também ABC do Amor (Little Manhattan, 2005). Ambas as histórias tem fatores em comum, por serem obras estadunidenses e também de uma perspectiva de sentimentos heterossexuais.
Mas essa infância não é universal… Mesmo atualmente ainda há muita frustração de parte da sociedade em imaginar outras possibilidades para além de um mundo onde se nasce heterossexual. A perspectiva de amor e paixão, ou ao menos o conceito romântico sobre esses sentimentos, falam muito sobre não poder controlar ou escolher, e mesmo assim boa parte do mundo ainda é avesso a lógica de duas pessoas do mesmo gênero se amando. Nem vou me alongar sobre a importância de representar as múltiplas formas de se relacionar, pois aparentemente cada vez mais nos últimos tempos as pessoas pararam de se importar de fato sobre isso. Esse não é um ponto positivo ou negativo sobre a narrativa, é apenas um detalhe sobre ela, buscando uma ideia de narrativa diferente se pode abrir um leque de possibilidades para explorar novas histórias.
O maior trunfo de Corações Jovens (Young Hearts, 2024) é, sem pestanejar, o elenco infantil, destaque em especial ao protagonista Lou Goossens, que interpreta Elias, filho de um cantor local e mais novo de sua família. Nosso personagem namora Valerie, interpretada por Saar Rogies, os dois fazem parte de um grupo de amigos e a família de Elias é extremamente receptiva à relação dos dois. Não aparenta existir problemas, tudo é bem comum e normal, apesar do gigante ego do pai de Elias, Luk (Geert Van Rampelberg) que não parece enxergar para além da sua carreira musical. Uma família se muda para a casa ao lado e é então quando Elias conhece Alexander, interpretado por Marius De Saeger, e os dois formam uma amizade com companheirismo.
Esse companheirismo se aprofunda cada vez mais com o passar do tempo, especialmente após uma importante conversa entre os dois sobre amar. Elias confessa a Alexander sobre nunca ter sentido amor romântico, mesmo tendo seu relacionamento, e pergunta ao outro jovem se ele já. Após responder que sim, Alexander fala a Elias sobre ter amado seu ex, um menino. A informação não é segredo, não é surpreendente, o clima do filme não muda, é um detalhe sobre o personagem de Alexander e sua forma de sentir. Sutilmente isso desperta para Elias ao decorrer dos próximos minutos de filme a possibilidade de seus sentimentos pelo outro rapaz ser mais do que amizade.
Morando com seus pais e seu irmão mais velho, Elias convive muito com o seu avô e as memórias da sua avó, já falecida. Falo memórias pois as interações entre Elias e seu avô sempre são preenchidas por falar sobre a relação de ambos com a avó de Elias, ressaltando o sentimento de amor do avô do rapaz. Essa referência de amor é essencial para o adolescente, ao longo do filme, sendo um importante fator para ele compreender seus próprios sentimentos. É interessante pensar como a diferença das relações não fala sobre uma diferença sobre sentimento, levando como o amor romântico é amor, independente dos fatores, do gênero, do tempo. E há entre Elias e seu avô um comovente diálogo onde o mais velho pode falar de sua relação com sua falecida esposa, a importância dos seus sentimentos e fazer Elias pôr em perspectiva o peso de seus próprios sentimentos.
Traçar caminhos para a vida, decidir seus próprios caminhos é uma parte essencial do amadurecimento, e o filme busca traduzir isso através de sequências de Elias acompanhado de Alexander ou até mesmo de seu grupo de amigos andando de bicicleta. Há muito disso ao longo do filme para representar o estado da relação de Elias e Alexander, seus momentos sorrindo em seus passeios ou caminhos de bicicleta. Momentos onde os dois andam juntos de bicicleta, assim como momentos de Elias sozinho pelos caminhos da cidade. Enquanto Alexander é novo na cidade, Elias lhe mostra o caminho, e Alexander mostra para Elias os caminhos sobre amor à medida que a relação dos dois evolui para se tornar algo romântico. Lou e Marcus tem uma ótima química, fazendo as cenas entre os dois e a evolução da relação de ambos parecer extremamente natural e real. Não é um trabalho para qualquer pessoa ser tão jovem e carregar com suas interpretações uma história tão única e pessoal.
Em muitos filmes sobre juventude e adolescência é relativamente difícil se levar por atitudes dos personagens pelo costume de atores e atrizes adultos interpretando adolescentes, esse não é o caso aqui. Os jovens interpretam adolescentes, isso torna totalmente mais crível as atitudes infantis de seus personagens, suas decisões erradas, como parte da juventude. Afinal, não é necessária uma suspensão de descrença assistindo a obra e vendo os adolescentes dela, diferente de inúmeras obras com histórias sobre adolescentes onde são comumente interpretados por adultos. A oportunidade de permitir a um elenco mais jovem brilhar numa história tão única e leve é uma qualidade importante da obra a ser apreciada.
Conduzindo a história de forma intimamente leve, a direção e o roteiro do filme são assinados por Anthony Schatteman, criando uma obra particularmente única sobre o primeiro amor de um jovem. Trabalhando o romance de forma digna, essa história esteve presente na 74º Festival Internacional de Cinema de Berlim em Fevereiro de 2024 e atualmente não há data de estreia para os cinemas brasileiros.
VEJA TAMBÉM
Close – Um coming-of-age pautado no drama, silêncios e perda da inocência
Red: Crescer é Uma Fera – “Não deixe de ser você. Por ninguém.”
Cineasta graduade em Cinema e Audiovisual, produtore do coletivo artístico independente Vesic Pis.
Não-binarie, fã de super heróis, de artistas trans, não-bináries e de ver essas pessoas conquistando cada vez mais o espaço. Pisciano com a meta de fazer alguma diferença no mundo.