Agatha: Casa de Harkness, entrando na casa (das ideias)
Agatha Harkness é uma importante bruxa dos quadrinhos da Marvel, uma anciã originária de Nova Salem. Adaptada em animações prévia a sua estreia oficial no MCU, onde a personagem teve uma repaginada de visual e também de personalidade ao estrear na primeira série oficial do Universo Cinematográfico da Marvel – WandaVision (2021). Interpretada por Kathryn Hann, a personagem foi apresentada no seriado com o nome Agnes antes de revelar ser de fato uma antiga feiticeira: Agatha Harkness. Ela serviu como antagonista para o final da série, batalhando contra a Feiticeira Escarlate (Elizabeth Olsen) e terminando encantada para acreditar estar dentro de um seriado de TV como fingia ser durante a série.
A história acabou por aí. Bem, infelizmente foi feito Doutor Estranho no Multiverso da Loucura (Doctor Strange in the Multiverse of Madness, 2022), um filme cujo o foco foi totalmente a Feiticeira Escarlate e ignorou o arco e desenvolvimento da série WandaVision. Agatha, como Visão (Paul Bettany) – um dos importantes focos de Wanda durante o seriado – não foram sequer mencionados pela personagem durante sua caça multiversal por seus filhos. Engraçado como as últimas palavras de Wanda para Agatha em WandaVision foram: “Se precisar de você, saberei onde te encontrar”. Ela ou não precisou de Agatha, portadora durante séculos do Darkhold, ou os responsáveis por esse filme nunca leram os roteiros ou sequer assistiram WandaVision.
Em seu primeiro título, a nova série foi divulgada como “Agatha: House of Harkness”, provavelmente explorando a história presente e passado da personagem. Não havia muito a ser divulgado sobre a obra, afinal, a personagem em si sempre foi desenvolvida nos quadrinhos como coadjuvante de outros personagens. A série iria contar a história de Agatha, livre do feitiço de Wanda após a “morte” da mesma, em busca de seus poderes. Contando com a presença de várias personagens bruxas dos quadrinhos, sem tantas aparições ou destaques próprios, e um jovem – interpretado por Joe Locke, a jornada do grupo era um mistério em si.
Com algumas informações sobre o projeto sendo divulgadas, seria a primeira série da Marvel a trabalhar elementos de terror (e também de musical). Uma mistura bem curiosa, especialmente levando em consideração o universo de super heróis ao qual a série pertencia. Por outro lado, Patti Lupone estaria presente na obra, então podia se ter expectativas em icônicos números musicais. Fazia um certo sentido o tom musical do seriado considerando o sucesso da canção composta por Kristen Anderson-Lopez e Robert Lopez – “Agatha All Along” – no seriado pelo qual a personagem ficou mais conhecida antes de ganhar seu spin off.
O Caminho das Bruxas foi um conceito apresentado nos quadrinhos da Marvel durante Feiticeira Escarlate (2016), mostrando a heroína e feiticeira se aventurando no caminho ao lado da sua falecida mentora – Agatha Harkness – e salvando a magia. Já na série, o Caminho é um local místico onde bruxas teriam de passar por provações para alcançar seus almejados objetivos. O fim do Caminho guarda o prêmio. O enredo consistiria em Agatha juntando um coven para atravessar o Caminho, com o objetivo de recuperar a sua magia tomada pela Feiticeira Escarlate no episódio final de WandaVision.
Agatha – Coven do Caos, elenco e personagens marcantes
Daí o segundo título divulgado, “Agatha: Coven of Caos”, dando indício de que o seriado iria explorar a relação de Agatha e seu novo coven. Como as próprias palavras da personagem, ela não estava à procura de bruxas em sã consciência para seu coven. Harkness cita uma regra para o personagem de Locke, que a convence a buscar pelo Caminho das Bruxas, que em um raio de 5km haverão bruxas com habilidades para formarem um coven. Foram necessárias quatro bruxas fora Harkness para invocar a entrada do Caminho das Bruxas, através da Balada do Caminho das Bruxas.
Mergulhando um pouco na dinâmica do show e a importância das personagens para a construção da narrativa e do próprio coven, vamos falar um pouco da seleção de Harkness para este, assim como dos personagens não exatamente escolhidos por Agatha para fazer parte de seu coven. Por exemplo, o Jovem, personagem de Joe Locke, que foi “sequestrado” por Harkness durante sua alucinação resultado do feitiço de Wanda e responsável também por quebrar tal feitiço. A personagem de Kathryn Hann ressalta como o Jovem deve ser poderoso para quebrar um feitiço lançado pela Feiticeira Escarlate. Bem, há realmente uma associação feita pelos conhecedores dos quadrinhos aí entre o personagem de Locke e a “falecida” bruxa. De início o Jovem é um fã de bruxaria, sem exatamente prática na arte ou habilidades próprias, encantado com um sigilo, sigilo esse bloqueando o personagem de revelar sua identidade para qualquer bruxa viva sob a Terra, inclusive a responsável por ter lhe encantado com tal sigilo. A química de cena entre Joe Locke e Kathryn Hann é realmente palpável através das trocas entre seus personagens ao longo de diferentes fases dessa relação.
Fazendo juz a sua série original, o seriado também teve o embranquecimento de uma personagem romani – Lilia Calderu era uma feiticeira de adivinhações dos quadrinhos com laços com Barão Mordo (presente brevemente em Multiverso da Loucura após a promessa de se tornar um grande vilão no primeiro filme do Doutor Estranho que até hoje aguarda uma continuação digna para o personagem) e a família Maximoff. Pati Lupone interpretaria a personagem, mais uma vez com a Marvel embranquecendo a história de uma personagem romani. Afora isto, a personagem de Patti realmente é um dos destaques da série, cujo elenco foi fundamental para seu sucesso. Com poderes de adivinhação e visões pela qual nem a personagem entendia direito, Patti Lupone foi protagonista de um dos mais bem elaborados episódios da série. A forma como sua personagem, suas visões, seus lapsos de memórias amarram muito bem a história contada é realmente maravilhosa. Para além disso, o conceito de tempo estabelecido pelos poderes da mesma tem conexões diretas para conceitos estabelecidos durante a segunda temporada de Loki (2021 – 2023).
Na segunda parada da dupla Agatha e o Jovem buscam por uma bruxa de poções e a obra apresenta a formosa Jennifer Kale interpretada por Sasheer Zamata. A escolha de Sasheer é extremamente importante não apenas por trazer uma atriz preta para interpretar uma personagem originalmente branca, mas também porquê os trejeitos, a ironia, o sarcasmo da personagem combinam demais com a atriz. Além disso, a bruxa com seus poderes bloqueados buscando os recuperar, o drama de ter sido bloqueada de utilizar sua magia há anos e como sua trajetória no seriado é sobre reconhecer a importância e capacidade de continuar fazendo seu trabalho, fazem da personagem uma das mais interessantes da série. Vinda de uma família de parteiras e curandeiras, é possível percebermos a associação com o bloqueio de seus poderes e o machismo, assim como o preconceito contra métodos não convencionais de cura cujos seus praticantes foram historicamente marginalizados. Explorando conexões, a personagem nos quadrinhos é prima de Johnny Blaze – conhecido como Motoqueiro Fantasma, e é interessante pensar o futuro dos personagens do seriado para além desta série.
Lembrando o quadrinho responsável por inspirar a série, Alice Gulliver esteve presente ao lado da Feiticeira Escarlate lidando com um caso sobrenatural e a personagem também foi adaptada aqui. Interpretada por Ali Ahn, Alice Wu Gulliver é uma bruxa de proteção e também uma bruxa de sangue, filha de uma bruxa com maiores habilidades. Seu enredo é de uma complexidade extrema, sendo descendente de uma linhagem de bruxas amaldiçoadas e filha de Lorna Wu (interpretada por Elizabeth Anweis), quem lançou A Balada do Caminho das Bruxas. Embora sua trajetória fosse muito envolvente, a personagem parece ser a mais apagada do coven de bruxas, a performance de Ali Ahn não estava nivelada com o resto do elenco. Momentos importantes de sua personagem não alcançaram o peso necessário, nem sequer no episódio focado em sua história.
Completando o coven temos Rio Vidal, personagem interpretada por ninguém mais ninguém menos do que Audrey Plaza. A atriz nasceu para a personagem, ex de Agatha Harkness e A bruxa verde, responsável pela conexão com a natureza e uma personagem “original” para a série. Original pois nos quadrinhos não existe nenhuma Rio Vidal, mas há algo na identidade da personagem “escondido” à primeira vista. Escondido pois ao longo do seriado a mesma nunca parece de fato esconder sua identidade, após uma vez revelado pode-se observar o quanto a personagem nunca ocultou de fato quem era. A tensão sexual entre Agatha e Rio poderia facilmente ser cortada com uma faca e mesmo a série explorando um pouco a relação a algum nível era necessário bem mais foco e destaque para a história das duas. Mesmo assim, o casal (ou ex casal) de bruxas é o primeiro casal sáfico a ter protagonismo numa obra da Marvel. Para além da ótima personagem, é notável o quanto Aubrey Plaza se divertiu interpretando e brincou muito com a experiência de fazer parte de um seriado de bruxas.
Mesmo com o seriado acompanhando Agatha Harkness e suas canastrices, seu coven é a parte integral junto a outros elementos responsáveis por fazer o seriado ser o sucesso que foi.
Agatha – Diários do Darkhold, um flerte com o terror e o sombrio (vocês não imaginam o quanto)
Nossa bruxa protagonista, em todos os títulos possíveis e divulgados, foi a primeira portadora do Darkhold apresentado no MCU e havia uma expectativa do Livro dos Condenados ter sua importância na sua série. Bem, ele é mencionado, especialmente quando se trata de como a bruxa possivelmente o conseguiu. Rumores são de que Agatha Harkness trocou Nicholas Scratch, seu filho, pelo Darkhold, e através dos episódios o público é levado a acreditar na relação entre o desaparecimento ou falecimento do filho de Agatha e a bruxa conseguindo o Livro.
Embora até o Mefisto seja mencionado no seriado, não há nenhuma resposta ou indício sobre a relação de Agatha e o Darkhold. Embora a história fosse interessante, raramente a Marvel foca em explorar o passado por explorar, e após a peneira cheia de furo de roteiros que foi Multiverso da Loucura, não haviam mais cópias do Darkhold, em nenhum universo. Isso é inclusive ressaltado ao longo do primeiro episódio da série. Então, embora a relação de Agatha com seu filho seja importante, a narrativa optou por deixar no ar até seus últimos episódios se isso teria ou não relação com o Livro dos Condenados. Honestamente a história real de como a personagem perdeu seu filho é bem mais especial, complexa, surpreendente e útil para a narrativa presente da série de nove episódios.
Utilizando de conceitos sobre bruxaria e regras um tanto confusas como se feitas por um adolescentes, o Caminho é um personagem em si na obra. Não só pela sua importância, mas pelos visuais. Construído fisicamente como cenário (algo que ninguém imaginava que a Disney ou a Marvel fossem capazes de fazer há um bom tempo), o Caminho das Bruxas e todas as suas provações tem aspectos especiais fazendo referências a inúmeras obras da cultura pop e se encaixam perfeitamente com as bruxas do coven. Brincar com elementos do terror, em diversas nuances e subgêneros diferentes como demônios, fantasmas, scape rooms e etc, a série realmente conseguiu se destacar dos outros programas da Marvel. Figurinos e cenários são importantes peças no quebra cabeça das razões pela qual o show se tornou tão marcante durante seus episódios lançados semanalmente.
A morte está bem ali. Desde os primeiros episódios é deixado bem evidente o fato de que a morte se mostraria presente, para uns mais do que para outros. Isso se chama mostrar riscos, e Jac Schaffer – responsável pela criação de WandaVision e de Agatha Desde Sempre – trabalhou muito bem não apenas na criação de uma narrativa, com riscos reais constantes, mas também ótimos episódios. Mesmo assim, preciso ressaltar aqui o talento brasileiro por trás da direção dos episódios finais, assim como o episódio focado no personagem de Joe Locke – Gandja Monteiro.
O que esperar desse seriado? Não dava para dizer, com as constantes mudanças de títulos às vezes lançadas online e logo deletadas, como o título “Agatha The Lying Witch with a Great Wardrobe” (Agatha A Bruxa Mentirosa com um Ótimo Guarda Roupa). Mas era exatamente isso o esperado da personagem: imprevisibilidade, e a série entregou nos seus nove episódios exatamente isso. O enredo, as revelações, a forma como a magia foi retratada pelo seriado, foge daquilo esperado do Universo Cinematográfico da Marvel. Efeitos práticos, cenários construídos, foco numa personagem sáfica, presença de importantes personagens da mitologia do Universo Marvel sem tirar o foco da história e construído de forma adequada com a narrativa. Sabem qual série entregou tudo isso?
Foi ‘Agatha Desde Sempre’.
E a cena pós crédito? Ela entrega um episódio inteiro pós crédito. Desenvolvendo mais conceitos apresentados no seriado, explicando melhor todo o andamento da narrativa e dando respostas para perguntas deixadas no próprio enredo. Agatha Desde Sempre foi o seriado mais barato da Marvel e um dos que mais alcançou um crescente público ao passar das semanas. Mostrando a possibilidade de contar boas histórias com um espetacular elenco sem dependentes de computação gráfica e falta de uma narrativa coesa pelo fan service.
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Cineasta graduade em Cinema e Audiovisual, produtore do coletivo artístico independente Vesic Pis.
Não-binarie, fã de super heróis, de artistas trans, não-bináries e de ver essas pessoas conquistando cada vez mais o espaço. Pisciano com a meta de fazer alguma diferença no mundo.