Existe uma particularidade na era dos streamings que se destaca exatamente pela quantidade de conteúdo, muita coisa é passada batida quando o próprio serviço não promove a produção, surgindo assim tesouros escondidos dentro do catálogo. Outras produções, já tem a sorte de ser promovida principalmente se tem nomes hollywoodianos atrelados ao projeto, produzindo um interesse e marketing instantâneo.
Este é o caso da nova produção da AppleTV+, Lobos (Wolfs, 2024), filme de ação e comédia, com toques de drama criminal dirigido por Jon Watts, de Homem-Aranha: De Volta Ao Lar (Spider-Man: Homecoming, 2017), retornando as produções menores depois de uma temporada na Marvel Studios lidando com orçamento enormes, Tom Holland e fãs malucos no hype infinito de Homem-Aranha.
A trama do longa, conta a história de dois “solucionadores” que são chamados para um mesmo trabalho para encobrir um erro de uma importante figura pública de Nova York. O roteiro, também assinado por Watts, tira o expectador da zona de conforto logo nos primeiros minutos quando somos levados a uma pomposa cobertura na grande Manhatan e uma situação inusitada com Margaret (Amy Ryan), que está coberta de sangue, com um corpo imóvel no chão e apenas um celular para ligar para alguém desconhecido no outro lado da linha.
Este desconhecido é interpretado por George Clooney que chega ao local e começa a cuidar do problema. Só que as coisas tomam um rumo diferente, quando a dona do hotel, percebendo um problema a vista, chama seu próprio “solucionador” que tem a aparência de Brad Pitt, criando uma situação desconfortável que ainda precisa ser resolvida.
É assim que Lobos se torna um filme único com um charme irresistível que te ganha por conseguir desenvolver seu enredo em situações simples que em determinadas circunstâncias – que vão mudando quase como um acaso – atraindo os dois protagonistas para mesma órbita de forma a se livrar do cadáver em apenas mais um dia de trabalho.
Para os mais exigentes, talvez o longa seja um pouco monótono no primeiro ato, pois a direção de Jon Watts não tem pressa, mas sim fixação pelos detalhes, seja a forma como posiciona suas câmeras em ângulos curiosos, deixando os personagens movimentarem de forma metódica para entendermos como trabalham, ou seja na forma como absorve a atmosfera fria de uma grande metrópole que ainda guarda seus perigos e peculiaridades.
Muito do longa lembra filmes como o recente O Assassino (The Killer, 2023) e o mais antigo O Espião Que Sabia Demais (Tinker Tailor Soldier Spy, 2011), porém Watts traz um humor que quebra qualquer seriedade que o filme possa ter, utilizando de bons diálogos para aumentar a química magnética entre Clooney e Pitt revivendo a parceria da trilogia Onze Homens que parece ter envelhecido como vinho, afinal os dois atores parecem tão a vontade trabalhando juntos, que até mesmo os momentos conflitantes entre seus personagens se tornam pontos altos da narrativa.
E Lobos não para por aí, por mais que se estenda bastante em um local só, começa a ganhar ritmo à medida que situações e reviravoltas vão acontecendo levando os personagens para o submundo de Nova York criando um ambiente para perseguições, cenas de ação pontuais e outras sequências inacreditáveis mostrando que o roteiro sabe tirar bons coelhos da cartola de uma forma no mínimo surpreendente.
A verdade é que não existe aqui uma pretensão de ser algo mais, porém fica claro que a expansão de universo criada por Jon Watts é riquíssima com personagens e atmosfera sóbria que cria um filme irresistível até para o cinéfilo mais exigente. É claro que em termos de história, o longa é previsível, mas jamais subestima a inteligência do expectador, mas valoriza o entretenimento proporcionado pelo talento de suas duas estrelas hollywoodianas.
O terceiro ato talvez seja minha única ressalva, pois acaba abraçando clichês do gênero criando um engodo que é resolvido sem muita sutileza, porém nada que atrapalhe o que foi construído durante toda a trajetória dos dois solucionadores e sua carga que dá mais trabalho do que esperado, digo isso sem revelar muito, afinal, o que faz desta obra tão boa é se deixa levar pela trama.
De uma forma geral, Lobos é um ótimo filme, daqueles feito sobre medida para quem gosta de um bom cinema, com uma narrativa aparentemente comum, mas que surpreende como um bom vinho, com gosto agradável de uma fotografia sombria e fria, misturada com talento na direção de Jon Watts e as boas atuações de George Clooney e Brad Pitt, onde o conjunto da obra entrega uma produção que diverte e entretém do começo ao fim, provando mais uma vez que Apple sabe produzir filmes menores com verdadeiro potencial de se tornarem pequenos clássicos num futuro próximo. A audiência agradece.
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Engenheiro Eletricista de profissão, amante de cinema e séries em tempo integral, escrevendo criticas e resenhas por gosto. Fã de Star Wars, Senhor dos Anéis, Homem Aranha, Pantera Negra e tudo que seja bom envolvendo cultura pop. As vezes positivista demais, isso pode irritar iniciantes os que não o conhecem.