O cinema queer cearense através de 5 curtas-metragens

Por Pedro Igor, Ruan Nascimento, Duda Rocha, Lucas Hilário Gomes e Victor Comenho

Texto resultado da OFICINA DE CRÍTICA DE CINEMA PARA PESSOAS DISSIDENTES, COM ERIC MAGDA LIMA – MINISTRADA NA CASA AMARELA EUSÉLIO OLIVEIRA DURANTE O PERÍODO DE 18 DE JUNHO A 02 DE JULHO.


Embora ainda sem espaço na grande mídia e nas principais salas de cinema, a produção audiovisual independente no Ceará é rica e abundante. Nessa lista, elencamos cinco curtas-metragens com narrativas queer que fogem ao estereótipo de tropes que giram em torno do sofrimento dos personagens LGBTQIA+. Nossas histórias são múltiplas e nossa experiência de sexualidade e gênero compõe apenas parte de quem somos, e as narrativas aqui elencadas traduzem exatamente isso: somos muitos, somos diversos e nossas histórias podem ser tão infinitas quanto os mundos que podemos experienciar, cada um à seu modo.


Sombra

João Pedro Rabelo, 2024

Jorge e Marcos são um casal que mora junto há algum tempo e estão abertos para experiências casuais com mais um parceiro. Em meio à vida comum do casal, Jorge recebe o resultado de exames feitos recentemente. O resultado positivo para HIV desperta vários sentimentos e pensamentos em Jorge, oriundos de preconceitos interiorizados acerca de ser uma pessoa que vive com HIV, que ofuscam seus sentidos, impedindo-o inclusive de ouvir o que a médica tem a lhe dizer sobre o tratamento e fazendo-o fugir do consultório. 

Sombra toca em uma questão temática que pode parecer recorrente em filmes LGBTQ’S+, que é viver com HIV e os decorrentes preconceitos enfrentados a partir dessa vivência. No entanto, nesse curta todas as sombras internalizadas que perseguem e amedrontam Jorge são dissipadas por um desfecho de compreensão, acolhimento e companheirismo que deslocam o tema do estereótipo da tragédia e do sofrimento.


Janaína Overdrive

Mozart Freire, 2016

Janaína (Layla Kayã Sah) é uma transciborgue sexual modelo T1000 que tem sua existência ameaçada quando a Corporação decide reciclá-la e substituí-la por novos modelos high-tech. Ao invés de aceitar o seu fim, ela luta pela sobrevivência ao buscar nas periferias de uma Fortaleza distópica um terminal pirata que a permita fazer upload da sua mente para o plano virtual e, assim, impedir que a Corporação tenha controle sobre seu corpo. 

Em apenas 19 minutos, Janaína Overdrive consegue construir, através da conjunção de um enorme acervo de referências cyberpunk e ambientações propriamente cearenses (em que outro filme se veria ciborgues deitados em redes?), um universo complexo, visceral e fascinante. A partir dele, a obra levanta uma importante questão: de que formas a tecnologia pode ser utilizada enquanto instrumento de controle de corpos e gêneros — e também de sua libertação?

Assista ao filme completo aqui:


Ordem das Magnólias

Rafa Sousa, 2022

Ordem das Magnólias é uma obra de uma delicadeza e força absurdas, na mesma quantidade. E esse equilíbrio garante ao filme a sua potência. Somos apresentados a Silva, nossa protagonista, que convive com todas as emoções vindas do dilema de não se enxergar no gênero que lhe foi atribuído ao nascimento. Toda a primeira parte do filme nos apresenta, nos detalhes, através das sutilezas, o drama de Silva, de forma muito íntima. Na segunda metade da história, o ponto de virada nos leva para um mundo fantástico e transforma não apenas a história da personagem, como também toda a forma de enxergar a trama até então. Todo o suspense criado nos minutos iniciais, envolvendo a aparição de uma figura misteriosa, acaba tendo um desfecho gratificante e catártico, com um encerramento glorioso.

O curta-metragem, além de trazer para tela um elenco composto na íntegra por pessoas trans, também traz uma equipe de produção completamente trans por trás das câmeras.

Assista o filme completo aqui:


O Melhor Amigo

Allan Deberton, 2013

 

Os melhores amigos Lucas (Jesuíta Barbosa) e Felipe (Victor Sousa) viajam juntos para Canoa Quebrada, no interior do Ceará. Durante a viagem, sentimentos inesperados despertam em Lucas uma paixão/desejo platônico por Felipe.

O curta-metragem faz um excelente trabalho ao mostrar a sutileza dos sentimentos desenvolvidos pelo personagem. Por meio dos enquadramentos faciais e corporais, Deberton consegue evidenciar com maestria, desde as ressalvas de Lucas, por estar se apaixonando pelo melhor amigo, como também a tensão sexual que vai crescendo em seu âmago. Ademais, o roteiro evidencia um Felipe que insiste em estar se autoafirmando hétero, com comentários corriqueiros e até ações mais problemáticas, se contrapondo aos sentimentos de Lucas e ressaltando ainda mais a platonicidade romântica da relação.

Assista o filme completo aqui:

 


Os Finais de Domingos

Olavo Júnior, 2023

O que resta de nós senão as memórias de quem um dia fomos para aqueles que ficaram ? Em Os Finais de Domingos, nos confrontamos com esse questionamento. O curta de 8 minutos de Olavo Júnior começa com um homem idoso, quase cego, realizando suas atividades diárias em um fim de tarde até receber uma visita inusitada: o homem que mais amou na sua vida, e que já não está mais com ele. Afinal, são nos finais de domingos que as lembranças de quem fomos um dia voltam à tona… e trazem junto a imagem de quem um dia amamos. 

Em um pequeno recorte diegético, o filme explora temas pertinentes à senescência, mas sobretudo coloca em evidência uma questão pouco discutida: o envelhecimento das pessoas LGBTQIAPN+. Por muitos anos, ouvimos a falácia de que antigamente não existiam gays, lésbicas, travestis, etc. E em Os Finais de Domingos, o diretor reforça não só a tese de que essas minorias sempre existiram, mas que também sobreviveram às inúmeras perdas que prescindem à vida.

Assista o filme completo aqui:


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