O suspense dirigido e escrito por Caroline Fioratti e produzido pela Aurora Filmes, acompanha as 24 horas que se passam dentro de um único cenário: Um condomínio de luxo em São Paulo. Dentro desse recorte temporal acontece o aniversário de 17 Anos da protagonista Virgínia (Bella Piero) que termina em uma fatalidade. Dividido entre passado (noite do aniversário) e presente (dia seguinte à tragédia), vemos os acontecimentos daquela trágica noite e o que há por trás dos arquétipos perfeitos daquelas famílias.
Sofia Coppola e vivências pessoais como pilares da obra
Bebendo de sua bagagem pessoal e das obras de Sofia Coppola, em especial As Virgens Suicidas (The Virgin Suicides, 1999) e Encontros e Desencontros (Lost in Translation, 2003), Caroline transcreve com muita clareza sua visão enquanto diretora, estabelecendo desde a primeira cena que aquele filme terá um tom de suspense dramático e que há algo de errado naquela estrutura familiar plástica. Tomando o tempo necessário para isso, ela apresenta cada personagem que será aprofundado ao decorrer do filme e como cada um deles se vê obrigado a segurar essa performance de idealização imposto por seus pais. O suspense é construído de maneira diferente, mas interligado, nos dois recortes temporais. No passado as coisas desandam em um caminho perigoso e no presente o luto consome cada um, os atravessando dentro de cada vivência pessoal.
“Isso passa pela minha compreensão de que essa fase da vida é uma ruptura, um luto em si”, explicou. “Os sentimentos são vivenciados de forma intensa e, quando não compreendidos, podem se traduzir em violência contra si e contra o outro”.
Roteiro carece de posicionamento sociopolítico em uma narrativa sobre classe e perpetua estereótipos racistas
O foco no núcleo adolescente do filme atua como uma faca de dois gumes no roteiro de Fioratti. O desenvolvimento deles acaba colaborando um pouco com a construção dos personagens mais velhos ao observarmos como cada jovem mimetiza de alguma forma os comportamentos problemáticos de suas figuras paternas, mas esvazia muito do potencial crítico da obra ao não se posicionar sobre os privilégios de classe e raça. Seus problemas estão muito mais centrados nas opressões de suas nuances pessoais, na hipocrisia do conservadorismo e em uma ideia de que os muros de segurança máxima são prisões e não sobra espaço para reflexões mais viscerais sobre o lugar em que estão inseridos.
Sim, os jovens se sentem aprisionados, mas soa muito raso debater a opressão desses espaços sobre essa ótica, afinal tudo aquilo representa uma estrutura racista e classista que se isola e sustenta toda essa performance de perfeição intocada como um instrumento de higienização social. O filme não apenas se isenta de questionar essa estrutura, como reforça ela com um elenco quase todo composto por pessoas brancas. As duas únicas personagens interpretadas por pessoas negras estão pautadas em estereótipos racistas.
A excelente roteirista e atriz Lena Roque não tem o potencial de seu talento bem trabalhado, sua personagem Silmara é a empregada doméstica da família de Virginia e não é desenvolvida de forma alguma em nenhuma nuance que vá além dos serviços prestados naquele apartamento. Luana, vivida pela talentosíssima Mari Oliveira, é uma personagem bem escrita, especialmente quanto à sua relação com sua mãe, mas ainda é retratada como alguém de poder aquisitivo inferior ao de seus colegas. Sua personagem levanta questionamentos importantes sobre objetificação, mas muito mais pautadas no feminismo e pouco sobre as questões de raça que perpassam as violências do olhar masculino sobre seu corpo.
Personagens rasos, mas bem conduzidos pelo elenco
Gabriel, personagem de Daniel Botelho, traz aquele clichê do jovem rico que acredita ter uma moral questionadora quanto ao lugar onde nasceu e cresceu, mas suas atitudes quanto a isso são rasas e imaturas, sem abrir mão dos seu berço de ouro e muito menos agir para de alguma forma modificar aquela estrutura. Do inicio ao fim do filme é apenas mais um incel branco cis de classe alta com complexo de superioridade. Em paralelo, Nicollas interpretado por Michel Joelsas, tem seu ponto de partida em um lugar muito parecido com o de Gabriel, mas à medida que vamos conhecendo mais sobre ele e sobre sua família, ele ganha camadas de complexidade e levanta pautas mais próximas da atualidade com ares de denúncia ao cenário político brasileiro nos últimos dez anos.
Virginia e sua mãe Patrícia, vividas por Bella Piero e Maria Luisa Mendonça respectivamente, têm uma química ímpar quando estão juntas. Bella entrega uma atuação magnética e trágica. Virginia tem sede de viver mais, seus laços familiares, afetivos e de amizades são frágeis. Ela traz esboços de denúncia sobre negligência à saúde mental de adolescentes, mas ainda parte de uma premissa rasa que só ganha traços de complexidade pela performance de Bella. Patrícia é o casamento perfeito entre boa atuação e bom roteiro. É sufocante assistir aquela mãe excessivamente cuidadosa, mas muito carinhosa, afundar em um luto conturbado sem ter um apoio genuíno de ninguém que está a sua volta, muito menos de seu marido abusivo Roberto, interpretado com uma frieza assustadora por Caco Ciocler em uma única, mas precisa aparição.
Bella, Maria Luisa, Mari Pereira e Michel Jolsas são, sem dúvidas, o elo forte do elenco, alguns conseguindo elevar seus personagens além do material disponível.
Uma odisseia visual asfixiante
A direção de fotografia de Hélcio Alemão Nagamine ao lado da direção de arte de Monica Palazzo constroem uma ambientação grandiosa e luxuosa, mas claustrofóbica. É um trabalho tão potente e de forte presença no longa, que é capaz de denunciar que aquela história é uma tragédia anunciada desde seu primeiro frame. Flavia Tygel é dona de um portfólio excelente, mas a identidade de seu trabalho não gera um bom casamento com Meu Casulo de Drywall (2023) capaz de trazer empatia e comoção nas cenas mais dramáticas, mas não conseguindo construir tanta tensão quanto alguns momentos do filme pedem.
Com distribuição de Gullane +, Meu Casulo de Drywall estreia nos cinemas brasileiros no dia 12 de setembro.
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Travesti não binária, artista multilinguagens e gastronoma com foco na cultura alimentar cearense. Desde criança encontrou na fantasia e no horror espaços de fuga de uma dura realidade e hoje, enquanto escritora e produtora audiovisual, busca contar narrativas sobre transgeneridade. Assina a direção e montagem do curta Ordem das Magnólias e de suas performances como a drag queer YÜMMY, além outros trabalhos com figurino, produção de trilha sonora e pós produção.