Garotos Detetives Mortos – Um coming of age sobrenatural

Garotos Detetives Mortos (Dead Boy Detectives, 2024 -) é uma série de Steve Yockey e Jeremy Carver, ambientada no mesmo universo de Sandman (The Sandman, 2022 -). Embora boa parte do marketing da série tenha sido focada nesse universo compartilhado, foi um prazer assistir e perceber que, sim, ambas as tramas se passam em um mesmo mundo, com personagens da primeira aparecendo aqui e ali, mas Garotos Detetives Mortos tem uma personalidade e vida própria que não depende em nada do sucesso de seu precursor. A diferença de tom também é gritante: enquanto Sandman adota um tom mais sombrio, com dramas existencialistas e questões filosóficas, a nova série traz um senso de humor leve e espirituoso, permitindo-se levar menos a sério em alguns momentos. Com tramas bem construídas, o que une as duas narrativas é, principalmente, a mitologia que serve de base para ambas. Uma cena específica do sétimo episódio aponta que conexões mais fortes devem ser exploradas nas temporadas seguintes, mas acredito que as duas produções já conseguiram se estabelecer de forma independente.

Na trama, Charles Rowland (Jayden Revri) e Edwin Payne (George Rexstrew) são uma dupla de fantasmas que atuam como detetives sobrenaturais na agência de investigação que dá nome à série. Os dois são espíritos que, após o fim de suas vidas, não fizeram a passagem para o além e continuam na Terra ajudando outros fantasmas a solucionarem mistérios. Dessa forma, eles estão constantemente fugindo da Morte pois, caso ela os encontre, eles serão levados para o Além e separados um do outro. 

Terminando de compor o trio protagonista, Crystal (Kassius Nelson) é uma jovem médium que foi possuída por um demônio. Apesar de ser “libertada” de sua possessão pelos dois detetives fantasmas, o demônio que a possuía levou embora suas memórias. Com isso, Crystal passa a acompanhar Charles e Edwin até que seu caso seja devidamente resolvido. 

A dinâmica entre os três personagens funciona muito bem: Edwin é o cérebro da equipe, sendo o “mais velho” (contando os anos que se passaram após a sua morte) dos três, e reunindo um vasto repertório sobre seres sobrenaturais e magia; Charles é os músculos da equipe, conseguindo enfrentar criaturas perigosas no corpo a corpo; Crystal, embora menos experiente que os dois companheiros, usa e abusa de seus poderes para coletar pistas que os outros não poderiam ter acesso. 

Dentre os personagens, não podemos deixar de destacar Jenny (Briana Cuoco) e Niko (Yuyu Kitamura). Jenny é uma açougueira nada simpática e proprietária do imóvel onde Crystal fica hospedada ao chegar em Port Townsend, cidade que serve como cenário dessa temporada. Niko, por sua vez, é a vizinha de quarto de Crystal. De espírito leve, a menina é obcecada por animes e histórias BL (boys love), além de ter uma abertura imensa para aceitar o sobrenatural. Essas duas personagens, particularmente, roubam a cena sempre que estão em tela. Do lado dos antagonistas da temporada, temos a bruxa Esther (Jenn Lyon) e a Enfermeira da Noite (Ruth Connel), cujas intérpretes entregam performances deliciosas e cativantes.

A dinâmica entre os personagens é provavelmente o ponto alto da série, além de ser o elemento central da temporada. Sim, cada episódio conta com um caso específico que será investigado por nossos protagonistas, mas como obra detetivesca, a produção não conseguiria se manter. Cada um dos mistérios é divertido, mas suas soluções ou são muito simples, ou parecem ter sido tiradas do fundo da cartola. Como grande fã de histórias de detetive, esse ponto me incomodou um pouco, mas prossegui um episódio após o outro pois tinha sido cativado pelos personagens. E é justamente no drama e motivações de cada um deles que a história encontra sua força: embora aparentemente rasos em um primeiro momento, todos os que foram citados e que formam o núcleo principal da primeira temporada têm suas questões pessoais bem exploradas e passam por um arco próprio que funciona muito bem.

A série não é sobre os casos sobrenaturais, espíritos, demônios ou magia, embora use todos esses elementos para compor essa narrativa. Ela é sobre como jovens marginalizados e dissidentes encontram, uns nos outros, uma família. É sobre os dilemas e questões de adolescências interrompidas: Charles e Edwin morreram com 16 anos, Crystal perdeu as memórias e não se lembra de quem é, Niko emigrou do Japão após a morte do pai e se afastou de sua família. Sobre como pessoas tão diferentes conseguem encontrar laços que os unem e como, durante todo esse processo, aprendem a lidar com conflitos e encontrar, uns nos outros, o apoio para superarem seus traumas. Nesse sentido, a trama tem muitos aspectos de uma história de coming of age, como As Vantagens de Ser Invisível (The Perks of Being a Wallflower, 2012), por exemplo. Além disso, também é abordada com delicadeza e de maneira bem sucedida as questões sobre a vida após a morte, o medo do desconhecido que há depois e as razões para aqueles que se recusam a partir.

Se esse é o ponto alto, diria que o maior erro da produção é justamente o ritmo. O primeiro episódio, apesar de divertido, é recheado com informação demais: nos são apresentados basicamente todos os núcleos e todos os pontos de partida para todos os conflitos que irão se desenrolar nos sete episódios seguintes. Daí para a frente, temos altos e baixos, com alguns episódios muito frenéticos e outros que parecem enrolar para fechar a duração de quase uma hora. Algumas soluções chegam a beira o deus ex machina, principalmente um ponto específico relativo a Crystal nos episódios finais. A falta de um ritmo contínuo pode tornar a experiência um pouco cansativa para alguns, principalmente para quem gosta de maratonar. As tramas de cada episódio são divertidas e interessantes, mas não sustentariam a narrativa por si sós. Nos dois episódios finais, o roteiro parece finalmente ter se encontrado melhor, fazendo com que a duração longa não fosse sentida como nos anteriores. A primeira temporada me pareceu, de certa forma, um grande piloto, uma introdução para a história que começará de verdade a partir daqui.  

No todo, Garotos Detetives Mortos oferece uma experiência divertida e leve, com personagens carismáticos e que, apesar de alguns buracos no caminho, entrega um desfecho gratificante e instigante o suficiente para despertar ansiedade pela segunda temporada.


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