Íris Vivazz é uma artista trans travesti, nordestina, de Fortaleza, e lançou, no dia 3 de maio, seu segundo álbum de estúdio, “Vai Doer Bem Mais”.
Com 16 faixas, que incluem os hits Beira Mar e Água na Boca, o álbum passeia por diferentes gêneros musicais e traz letras poderosas com batidas dançantes. Nesse papo com Victor Comenho para o site Só Mais Uma Coisa, a artista contou sobre seu processo criativo, influências musicais e compartilha suas experiências na cena musical independente.
O Vai Doer Bem Mais é um álbum que mistura vários estilos, indo do pop ao rock e o forró. Como você descreveria a sua abordagem na criação dessa fusão de estilos?
Íris Vivazz: Então, quando a gente começou o processo criativo do álbum, eu e Raffa, era basicamente um álbum de forró, mas eu nunca decido escolher um gênero só, então eu precisei formular ali outros gêneros também porque eu gosto de experimentar. E porque não experimentar não só o forró, mas coisas que eu já havia experimentado, de uma nova abordagem, um amadurecimento musical, e tudo isso foi trazido pro álbum de uma forma mais orquestrada, entendeu?… Quando eu falo orquestrada, é porque todas as músicas que estão dentro do álbum, todos os gêneros que estão dentro do álbum, foram bem pensados não só por mim, mas pelo Raffa, que é um dos produtores do álbum, e o direcionamento dele pra trazer o público e realmente eu trouxe um público que eu não estava alcançando com o meu primeiro álbum de trabalho. Esse álbum, o “Vai Doer Bem Mais”, pra mim é um marco, é uma mudança, da água pro vinho né. Eu tô entregando agora o vinho. E realmente, soa mais coeso com o meu trabalho, com o meu público também. Eu acho que o meu público gostou mais do meu trabalho, gostou do meu amadurecimento, sentiu as batidas das músicas. É um álbum pop perfeito.
Quais as suas maiores inspirações e referências durante a criação do álbum?
Íris Vivazz: Quando eu tava na criação do álbum, eu escutava muito Pabllo, muito Glória Groove, muita Beyoncé, e querendo ou não eu acho que eu peguei ali umas referências, umas coisas (risadas)
As letras das músicas parecem formar uma narrativa de superação amorosa. Essa foi a intenção ao montar o álbum?
Íris Vivazz: Sim, a criação do álbum… o álbum se passa em uma relação amorosa tóxica e mostra ali a dor, a resiliência e a superação de tudo isso né. A capa do álbum também foi pensada estrategicamente a muito tempo, desde meados de 2021, que foi quando eu comecei o projeto, tipo o início do início do álbum, mas eu já tinha em mente a capa, que era eu segurando um coração… Que é eu entregando o meu coração à pessoa. E as músicas foram organizadas de uma forma que inicia ali na relação tóxica e abusiva, na dependência emocional e após isso tem ali a saída daquela relação. Depois vem a cura emocional, né, que é um pouco delicada, que você vai beber, vai curtir, vai sair com as amigas e depois vêm… E isso tem partes ali, o álbum foi pensado estrategicamente nisso, dessa forma de mostrar da dor de uma relação tóxica, à superação.
Como você acredita que a sua identidade de gênero se reflete nas suas composições e no seu trabalho artístico no geral?
Íris Vivazz: Eu acho que sempre vai refletir, porque quando eu vou falar de mim eu sempre falo que eu sou uma mulher trans travesti, e quando eu afirmo isso, artistacamente eu já estou refletindo a minha identidade de gênero. E isso, nas composições também, às vezes, passa muito fácil também, essa transparência passa muito fácil, pois quando eu vou falar de amor, é… Por que amor? Por que uma relação tóxica? Eu, como pessoa trans, já vivi várias relações tóxicas, e muitas das vezes o direito de amar alguém é negado para pessoas trans, é negado porque as pessoas acham que a gente não sabe amar, que a gente não tem o direito de amar, então isso reflete muito no meu trabalho e nas minhas composições. Muitas das vezes somos objetificadas, e a gente precisa também amar, a gente precisa também falar de quando o amor não é verdadeiro. Que a gente não precisa estar naquela relação quando não vale a pena.
A vida na cena artística independente acaba trazendo vários obstáculos. Quais foram as maiores dificuldades durante a produção desse álbum?
Íris Vivazz: Digamos que a dificuldade de um artista independente é o dinheiro, sempre né. Eu não sou uma pessoa rica, herdeira, eu sempre ralei desde o meu primeiro álbum, eu ralei e juntei dinheiro pra poder conquistar e entregar aquele álbum. Com esse álbum (Vai Doer Bem Mais), também, foram os mesmos sacrifícios. Às vezes eu falo… Hoje eu escuto o áudio de Urias e é muito isso sabe, é muito o que ela falou no áudio do álbum dela, onde às vezes eu tirei dinheiro da minha saúde pra custear videoclipe, pra pagar roupa, pra pagar look, pra pagar capa de single… E ainda bem que eu sou muito inteligente, e eu consigo fazer fotografia, eu consigo gravar videoclipe, eu consigo editar as minhas coisas… Que eu tenho um amigo meu que trabalha em Goianésia que a gente troca serviço, eu faço música pra ele, ele faz música pra mim, me dá alguns beats, e eu escuto com ele, eu produzo com ele, porque se eu não tivesse isso, eu acho que o meu trabalho nunca… O trabalho que eu entrego de dois em dois anos, de três em três anos um álbum, eu acho que demoraria muito mais. E dinheiro é uma coisa muito necessária. Dinheiro pra poder divulgar o álbum, dinheiro pra poder fazer capa, fazer isso, comprar figurino… É muito gasto. Gasto pra poder gravar no estúdio, gasto pra poder fazer um beat, é gasto, gasto, gasto… É gasto, muito gasto. E muitas das vezes a gente não tem de onde tirar, e eu não tenho às vezes de onde tirar e teve momentos que precisei me prostituir pra poder pagar músicas, e tirei de onde eu não podia pra poder entregar um trabalho bom. Então ser artista independente é bem cansativo. E como eu sempre falo, ser artista independente é trabalhar lento para um consumo rápido, porque a gente trabalha muito devagar, e entrega tudo pra ser consumido pelas pessoas muito rapidamente, porque em quatro plays, cinco plays, dez plays, a pessoa já enjoa da música e quer outra.
Até agora, temos Água na Boca e Beira-Mar como os dois singles desse projeto. O que foi considerado na hora de escolher essas faixas?
Íris Vivazz: Então, quando eu tava na produção do álbum, todas as músicas que estão no álbum, os únicos singles oficiais são Beira Mar e Água na Boca. E os lead singles são singles que eu lancei pra teste, que são Tatuagem, Babilônia, Batimento, essas outras faixas, e a faixa título do álbum, Vai Doer Bem Mais… Todas essas faixas foram lançadas antes do lançamento do álbum como teste pra ver o público, ver o que o público ia achar, e ver se eu tava ali no caminho certo. Quando eu e Raffa estávamos na produção do álbum, a gente finalizou Água na Boca e eu falei “Essa música tem que ser single, eu tenho que gravar o clipe dela”. Eu já tinha certeza que a música ia ter um abraço muito grande do público, porque ela era muito pop, ela é a cara do verão, ela é muito pop, e eu falei “Essa música tem que ser trabalhada como single”, e no dia eu e Raffa até tivemos uma treta ali na conversa da produção, porque ele queria aumentar a música, ele dizia que 01:55 era muito pequena, e eu falei que não, que seria 01:55, eu bati o pé ele concordou. E quando a gente lançou a música, realmente a música entregou tudo que a gente imaginava. Eu tenho um ouvido muito bom, e quando eu escuto uma música eu sei se ela pode ser trabalhada como um single ou não, e todas as músicas do “Vai Doer Bem Mais”, elas foram produzidas para serem singles, foram produzidas para agradar o público na primeira escutada, no primeiro play, agradar o público no primeiro play. E não só “Vai Doer Bem Mais”, não só “Água na Boca”, não só “Beira Mar”, mas todas as faixas do álbum são comerciais o suficiente para serem singles, e isso foi a estratégia do álbum.
Existe alguma faixa específica neste álbum que seja particularmente significativa para você? Se sim, por que essa faixa é especial?
Íris Vivazz: Então, eu amo todas as faixas do álbum, mas “Tua” é uma das faixas que mais me pega, e quando eu escuto ela tocar me dá logo vontade de pegar um cigarro e chorar na esquina tomando um litrão de vinho. Essa faixa é tão especial pra mim, pois quando eu escuto ela eu lembro de todas as relações tóxicas em que eu vivi, e que na maioria delas não tinha diálogo, não tinha conversa, não tinha reciprocidade 100%, sempre era um joguinho, sempre era algo “Vamos terminar” ou tipo, joguinhos psicológicos, e nessa faixa eu vejo que eu consigo conversar e entender, e saber onde eu tô pisando, e que o melhor caminho sim é a reciprocidade.
Qual é o seu objetivo principal como artista independente? Onde você espera chegar com sua música e sua carreira?
Íris Vivazz: Eu faço música porque a música me faz viver. A música faz o meu coração bater. Sem ela eu acho que eu não seria nada. E o meu objetivo de fazer música, como artista independente hoje, é eu viver. Eu consigo viver, eu consigo viver plena sabendo que eu tô fazendo minha música, eu consigo viver mais leve sabendo que eu posso tirar os sentimentos que estavam aprisionados em meu ser e transformar em música, em arte. Eu quero chegar em todos os lugares com a minha música, eu quero transformar, eu quero chegar em lugares onde eu nunca cheguei, mostrar minha música onde nunca foi mostrada. Eu quero impactar, eu quero emocionar, quero fazer as pessoas dançarem, as pessoas rebolarem. Eu quero fazer as pessoas sentirem a letra. Eu quero chegar em todos os lugares, desde um festival, um show na Parada LGBTQIAP+, eu quero emocionar, eu quero levar o meu trabalho a todos os lugares que eu nunca consegui levar… E levar esses trabalhos a todos esses lugares é levar a minha vida, porque a música é tudo em mim.
Como você enxerga o papel das redes sociais e plataformas de streaming na divulgação e distribuição da sua música, especialmente como artista independente?
Íris Vivazz: Eu vejo que é bem complicado, pois nós, como artistas independentes, temos que ralar pra entregar o nosso trabalho ao público. Eu vejo que algumas plataformas de streaming não atualizam sempre as suas playlists editoriais, e isso faz com que artistas independentes sempre fiquem de lado, e os artistas já que são famosos e têm reconhecimento ou gravadora sejam sempre as prioridades das plataformas de streaming. Uma das plataformas que eu vejo muito isso acontecer é o Spotify, desde de 2021 eu não vejo nenhuma artista ou nenhum artista independente em playlists oficiais do Spotify grandes, eles sempre priorizam artistas já com gravadoras, ou artistas que já tenham um nome na indústria.
Que conselho você daria para outros artistas independentes, especialmente aqueles que enfrentam desafios semelhantes aos que você enfrentou ao longo da sua carreira?
Íris Vivazz: Ser artista independente nunca foi fácil, e nunca vai ser. Ser artista nunca vai ser fácil. E o que eu digo sobre isso é: acredite no seu corre, acredite em você, acredite no destino que você quer. Porque se você não acreditar no seu trabalho, ninguém vai acreditar no seu trabalho. Se você não confiar em si, ninguém vai confiar em você. A pessoas já não acreditam na gente mesmo a gente confiando e acreditando na gente, imagina quando você mesmo não acreditar no seu trabalho. Então foca no seu trabalho, corra atrás, faça loucuras. Eu lembro que pra produzir o meu primeiro álbum de trabalho eu pedi demissão do trabalho onde eu tava, peguei todo o dinheiro que eu tinha recebido da minha demissão e paguei o meu álbum, que foi o Transição. Peguei o dinheiro todinho que eu poderia gastar com várias outras coisas, eu taquei todinho na mão do produtor e falei “Eu vou gravar todas as minhas músicas”. E gravei. Então, se você não acreditar no seu trabalho, você não chega a nenhum lugar. E sempre cultive amizades ao seu lado, que acreditem de verdade no seu trabalho, não aquelas que só dizem que vai dar certo. Porque existem aquelas que só dizem que vai dar certo, mas na mente delas elas nunca tão concordando com você.
O álbum Vai Doer Bem Mais está disponível nas principais plataformas de streaming de áudio. No dia 27 de julho, Vivazz irá abrir o show da cantora Urias, que acontece em Fortaleza, a partir das 17h, no Pirata Bar.
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Jornalista, roteirista e escritor, apaixonado pela arte de contar histórias. Fã de narrativas de horror e suspense, perdido em mundos de fantasia e magia. Obcecado por musicais e dramas existenciais.