2024 mal havia começado e já me atreveria a dizer que They/Them: O Acampamento (They/Them, 2022) provavelmente foi uma das piores experiências audiovisuais que tivera esse ano.
Antes de tudo, a premissa tinha um potencial enorme, tanto para o sucesso como para o fracasso: um acampamento de “cura gay”, onde vários jovens LGBT estão reunidos por pressões familiares e sociais, enquanto um suposto assassino está a solta. Partindo disso, temos dois elementos centrais que compõe a narrativa.
O primeiro é o plot do assassino. Aqui, a execução é pavorosa: as cenas que envolvem o personagem tem pouquíssimo tempo de tela, as mortes acontecem muito rápido e não trazem o impacto esperado de um slasher, visto que todos os personagens mortos, além de não gerarem empatia, são justamente aqueles que a audiência quer ver sofrer. Assim, a trama falha terrivelmente na tentativa de se estabelecer como um slasher.
O segundo elemento central da narrativa é o drama de cada um dos personagens do núcleo principal. Aqui, eu queria muito poder dizer que o filme falhou miseravelmente, ou que pelo menos foi medíocre, mas a verdade é que o roteiro de John Logan foi magistral em gerar desconforto e mal-estar de uma maneira muito realista. Não me entendam mal, em um filme que une drama e terror, deveríamos esperar sentir emoções assim, não? Porém aqui, o caso é diferente.
Durante mais de uma hora de filme, acompanhamos jovens sofrendo discriminação, importunações sexuais, violência física e psicológica, tudo partindo da homofobia e transfobia dos instrutores do acampamento. Roteiro e direção se unem para criar cenas cruas, duras e reais desses momentos de tortura. Somos apresentados a seções de “terapia” absurdamente cruéis, momentos de abuso psicológico e até temos uma cena demorada de terapia de choque. A única experiência que pude experimentar foi uma série de gatilhos e um desconforto descomunal que quase me fizeram desistir de ver o filme ainda na metade.
Um dos únicos pontos positivos do filme são as atuações, dando destaque para as interpretações de Kevin Bacon e Carrie Preston, que desempenham um papel incrível nos fazendo odiar profundamente seus personagens. Também têm destaque Theo Germaine, Darwin del Fabri, Quei Tann, Austin Crute e Cooper Koch que, apesar de trabalharem com um roteiro que chega a quase esteriotipar seus personagens, conseguem entregar camadas e certa profundidade que torna tudo mais crível. Infelizmente, isso funciona de maneira trágica, pois faz com que os momentos de abuso e violência se tornem ainda mais difíceis de assistir, pois o sofrimento dos personagens é muito bem retratado. O resto do elenco entrega atuações convincentes, exceto por Anna Chlumsky, que interpreta Molly, a enfermeira do acampamento. Durante suas poucas cenas, a personagem parece perdida e estar ali mais como um recurso de roteiro para certas situações se desenrolarem. No final, quando o plot twist é revelado, ela entrega uma atuação histriônica e exagerada, que além de não convencer, me pareceu mais saída de um filme da franquia Todo Mundo em Pânico do que de um verdadeiro slasher.
SPOILERS A PARTIR DAQUI
Falando em Molly, o plot do assassino é raso, pouco aparece e não tem impacto nenhum na história até os 30 minutos finais. A motivação – uma ex aluna do acampamento que se infiltra para voltar e se vingar de seus torturadores – é quase um pastiche e não consegue ir além do nível do clichê.
Como suspense, a trama também desaponta, visto que nada ali era muito inesperado e não havia nenhum grande mistério a ser descoberto. O twist de Molly ser a assassina me pegou um pouco desprevenido, confesso, mas a essa altura isso já pouco importa e a condução da revelação e seus impactos foi medíocre demais.
Depois de quase duas horas acompanhando o sofrimento de nosse protagoniste e seus coadjuvantes, esperava pelo menos por um momento catártico ao final, vendo os instrutores sofrerem e pagando pelos seus atos. Infelizmente, até isso me foi negado, pois as mortes desses personagens são rápidas e sem graça (a psicóloga Cora Whistler morre fora de tela), sem gerar nenhum sentimento de recompensa narrativa. A única morte impactante é, ora que surpresa, do único personagem queer que faz parte do grupo de antagonistas. Essa sim, é uma morte cruel, seca e dura de assistir, mas fica o questionamento: por que será que ela foi reservada justamente para esse personagem?
Criado, escrito e dirigido por um homem cis branco, They/Them tenta trabalhar com corpos dissidentes, negros e transgêneros, mas sem nenhum tato ou empatia real. Embora o filme aparentemente tente se comportar como uma denúncia às crueldades vividas em acampamentos de “cura gay”, ele se apresenta mais como queerexploitation do que qualquer outra coisa.
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Jornalista, roteirista e escritor, apaixonado pela arte de contar histórias. Fã de narrativas de horror e suspense, perdido em mundos de fantasia e magia. Obcecado por musicais e dramas existenciais.