De Volta aos 15 – A experiência trans do passado ainda pode ser boa

De Volta aos 15 (2022 -) é uma série que, através de uma rede social famosa do início dos anos 2000, leva para o passado uma garota frustrada com a sua vida, uma nova chance de consertar tudo o que deu errado a todos da pequena cidade do interior de São Paulo. No entanto, mesmo me divertindo muito vendo a primeira e a segunda temporada, uma personagem me foi mais profundamente tocado e esse texto será sobre ela. Cé… ou melhor, Camila. 

Confesso que estou há algumas semanas procrastinando a ideia de escrever esse texto e talvez ele não consiga passar tudo o que senti e pensei enquanto assistia essa série tão curta. Caso o que eu resumi do enredo da série acima não seja o suficiente, recomendo que vejam o trailer tanto da primeira, quanto da segunda temporada, acho que eles passam bem o ritmo e temática da série, além de como será o elenco que você terá que lidar pelos episódios.

Conheci De Volta aos 15 por causa da atriz Alice Marcone, numa entrevista sobre a série, conhecendo seu trabalho desde Manhãs de Setembro (2021 -), tive grande interesse em vê-la trabalhando com nomes como Camila Queiroz e Maisa Silva numa série da vermelhinha e que tinha uma proposta que eu adoro ver: volta no tempo. Sendo assim, não foi difícil sentar no sofá e dar play na série na primeira temporada – tendo o plot que Alice, como a personagem Camila no futuro, seria Cé no passado. E muito menos tive dificuldades de acompanhá- la na segunda temporada, já em sua jornada pela descoberta. 

Mesmo repetindo muito “que nenhuma experiência é individual”, acredito que a descoberta pela verdadeira identidade de cada pessoa trans é sim individual e mesmo que a jornada de Camila não tenha nenhuma relação com a minha, essa personagem mexeu comigo em vários lugares que eu nem esperava. 

Camila em sua adolescência já é uma escritora famosa de fantasia no universo online, publicando através do Orkut com um pseudônimo feminino. Por viver numa cidade de interior, Camila não demonstra muitos sonhos além de sobreviver a vida no colégio e quem sabe torcer por uma vida menos ruim longe de Imperatriz, a tal cidade do interior. Existem três pontos importantes que eu quero falar nesse texto: a) a vida profissional, b) a vida amorosa e c) a potência que é possível atingir quando se tem apoio. 

Um destaque nessa personagem é como ela é atingida com as mudanças que outros personagens causam no futuro, enquanto eles brincam de causa e consequência tentando evitar as maiores dores e traumas que acompanharam suas adolescências, Camila apenas quer ser quem é, mesmo não sabendo exatamente o que isso significa, a cada passo que dá, independente de qual futuro, ela o encara sem medo.

Sendo uma escritora famosa ou uma advogada de sucesso – mas não tão feliz -, a série teve o cuidado de não deixá-la cair em carreiras estereotipadas para pessoas trans. E eu não sou uma pessoa de aplaudir o mínimo, mas ver séries em que pessoas trans têm carreiras normais, como motogirl em Manhãs em Setembro ou uma simples estudante em Alice Junior (2019), é um mínimo que não costuma acontecer. Pessoas trans também devem ter direito a serem frustradas e não terem seus sonhos alcançados, mas que viver com trabalhos medíocres seja uma possibilidade. 

Falando em coisas medíocres, acredito que uma experiência coletiva de pessoas trans é a vida amorosa com mais fatores negativos que positivos. Na primeira temporada o par romântico dela é Leo, um garoto em estágio de negação que não aceita a própria sexualidade, mas se aproxima de um “garoto” afeminado acreditando que esse caso se manterá em segredo, no entanto, Cé sabe muito bem o que não quer, e ser amada escondida é algo que definitivamente ela não quer, e novamente, ela não tem medo. Se é para ser amada apenas nas sombras, ela encontrará a própria luz. 

Como uma pessoa que morre de medo de ficar só, de me sentir só, o destemor dela me é fascinante, assim como entrar de cabeça em novas experiências se agarrando a qualquer mínima oportunidade de vivenciar tudo o que o mundo pode dar. Isso é fascinante e completamente assustador. uma cena maravilhosa que mostra isso, é quando Anita (Maisa Silva) e Joel (Antonio Carrara) decidem ir para São Paulo numa missão para salvar a irmã de Anita, e acabam tendo que levar Cé e Fabrício (João Guilherme) juntos, nisso ela não perde a oportunidade de ir numa balada LGBTQIAP+ e tem uma conversa adorável com uma travesti. Nisso, acredito que jovens paulistas trans passam por esse processo canônico, conversar com mulheres trans e travestis no centro de São Paulo de madrugada guia vidas e traça caminhos cósmicos indescritíveis.

Além de viver suas experiências sozinha, Camila tem desde a primeira temporada o acolhimento de Anita, a protagonista da série e que desliza pelo tempo decidindo quando tudo estará bom para todos, sabendo quem Camila realmente é, a amizade delas se torna imprescindível. Anita sabe agir muito bem como não apenas uma mulher hetero aliada, mas uma amiga que apoiará todas as novas descobertas de uma pessoa que ainda nem sabe quem se tornará. Novamente, não é exatamente a experiência que eu tive, mas conhecer pessoas, principalmente garotas, que me apoiaram na experimentação e questionamentos sobre identidade de gênero foi importante. Não se trata de roubar protagonismo ou tomar as rédeas por outras pessoas, mas compreender que nesse momento que é conturbado, ter os amigos de infância do nosso lado, descobrindo tudo junto da gente pode nos dar potência de continuarmos. 

Como disse no início desse texto, não acredito que em algum momento conseguirei expor tudo o que senti vendo essa personagem ao longo dessas duas temporadas, também não sei o que será da terceira temporada que já está confirmada pela Netflix, só espero que Camila continue seguindo seu percurso com a mesma força e destemor de agora e causando as ótimas discussões e comparações positivas de vivências entre pessoas trans.


VEJA TAMBÉM

Manhãs de Setembro – O afeto no não afeto

Alice Júnior – O protagonismo trans no Brasil