Amigos Imaginários – Filmes infantis também precisam ser coesos

Quase todo mundo já conhecia John Krasinski como o maravilhoso Jim de The Office (2005 – 2013), mas em 2018 o ator surpreende dirigindo, co-escrevendo e estrelando um dos melhores filmes de terror daquele ano, Um Lugar Silencioso (A Quiet Place, 2018), e mesmo não sendo sua estreia na direção – já tinha dirigido alguns episódios de The Office e um longa de drama que passou despercebido em 2016 – a direção de Krasinski foi tão certeira que pediu uma continuidade com Um Lugar Silencioso: Parte II (A Quiet Place Part II, 2020) que mesmo não causando tanto estardalhaço dá prosseguimento ao ótimo trabalho feito em seu antecessor. Parecia que sua identidade estava se formando e teríamos um ótimo realizador e roteirista de filmes de terror crescendo em nossa frente. Mas eis que ao anunciar seu próximo trabalho na direção de um longa Krasinski no surpreende com uma história infantil e que parecia inicialmente bastante promissora, ainda mais por contar com o astro em franca ascensão Ryan Reynolds, além de um elenco secundário de peso entre as vozes das criaturas animadas em CGI.

Amigos Imaginários (IF, 2024) é sobre uma garotinha, Bea (Cailey Fleming), que após perder sua mãe para alguma doença fatal, ainda precisa lidar agora com a situação do pai (o próprio Krasinski) que aguarda uma cirurgia no hospital, enquanto Bea fica no apartamento de sua vó (Fiona Shaw). Até que ao notar que alguém a persegue a menina segue até o último andar do prédio de sua vó e bate na porta de um dos apartamentos, onde a pessoa parece ter entrado, e é quando é recebida por uma espécie de moça inseto fofinha com olhos de animação dos anos 50 chamada Blossom (voz de Phoebe Waller-Bridge), uma criatura peluda grandalhona e desengonçada chamada Blue (voz de Steve Carell) e um homem de meia idade carrancudo chamado Cal (Ryan Reynolds). Bem, pelo menos foi o que eu conseguir entender, já que eu jamais havia me deparado com um início tão confuso em um filme infantil.

Talvez eu estivesse com uma expectativa diferente em relação ao que veria, mas por mais que tenhamos flashbacks, diálogos e até gravações caseiras apresentando desde o começo os acontecimentos que levaram ao pontapé inicial do filme, eu confesso que algumas informações importantes foram mal executadas ou transmitidas com pouca objetividade (lembrando, mais uma vez, que se trata de um filme voltado para um público infantil). Por exemplo, demorei a entender o que havia acontecido à mãe de Bea e depois a seu pai, o quão preocupante seria seu procedimento ou o que o levou à ser internado em um hospital? Depois, quando encontra os amigos imaginários do título (IF – imaginary friends no original e Migues/migles? na dublagem em português), como e porque Bea consegue enxergá-los enquanto mais ninguém consegue? A lógica dos migues que “se aposentam” após suas crianças crescerem e que depois precisam encontrar outras crianças novas. As crianças de hoje não conseguem mais criar novos amigos imaginários? Quem criou aqueles que vemos no filme? Por que é necessário que uma “agente” faça o trabalho de conseguir novas crianças para os amigos abandonados?

Sei que todas essas dúvidas podem ir abaixo com o argumento de que minha mente de adulto, que sempre precisa de respostas, não conseguiu apreender a aura infantil do filme que traz uma fantasia inocente, sem muita objetividade. Porém, primeiro: assisti com meu filho de sete anos e ele também estava com as mesmas dúvidas que eu; segundo: tenho quase certeza que não tinha nenhuma criança entre os roteiristas do filme (no IMDb consta apenas o nome de Krasinski como roteirista). Logo, não acho que o fato de um filme ser infantil ou voltado para um público infantil o exima de ter coerência em sua narrativa, mostrando de forma coesa tudo o que constrói aquele universo em potencial.

Dito isto, acho que o filme possui alguns poucos pontos positivos e a maioria deles está em seu senso de humor, contido especialmente nas criaturas e suas peculiaridades, e mesmo tendo visto o filme dublado gostei do trabalho de voz em português, e conhecendo o trabalho do elenco original de vozes tenho certeza que também fizeram bem sua parte. Entretanto não engoli Ryan Reynolds praticamente reprisando seu papel de personagem chato e ranzinza de Pokémon: Detetive Pikachu (Pokémon: Detective Pikachu, 2019) – só que agora não mais na pele de um Pokémon fofinho com chapéu de detetive. Por sua vez a interpretação de Cailey Fleming como Bea é de uma falta de carisma imensa, e atriz parece aqui também repetir seu papel como Judith em The Walking Dead (2010 – 2022). Compreendo que uma é menina passa por momentos difíceis, especialmente na primeira metade do longa, mas senti bastante dificuldade em ter empatia com alguém que não consegue mostrar os dentes ao sorrir nem mesmo nos momentos mais animadores do filme.

O drama em Amigos Imaginários nunca parece convencer e no fim das contas o roteiro parece fazer um esforço tremendo para no fim nos entregar uma inacreditável lição de vida que irá mudar a forma como pensamos a infância, o luto e a coragem de enfrentar as mudanças, no entanto, esse esforço é desperdiçado, já que o espectador gasta todos os miolos de seu cérebro tentando encontrar a saída do labirinto em que o filme se meteu. É sim possível se emocionar com o filme, afinal, ninguém é de ferro, mas as voltas dadas pela narrativa talvez não valham tanto a pena. Talvez John Krasinski mereça outras chances de arriscar sua direção em outros gêneros além do terror, talvez uma ideia muito pessoal e a possibilidade de usar um elenco estelar tenha o levado a ir com muita sede ao pote, mas o fato é que não foi dessa vez que me fizeram esquecer sua direção fenomenal de 2018 e 2020.


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