Magnatas do Crime: 1ª Temporada – O refinamento inglês segundo Guy Ritchie

O diretor Guy Ritchie é um dos cineastas mais originais e autênticos de sua geração, a maioria de seus filmes tem uma aura própria principalmente quando coloca suas mãos em tramas envolvendo thrillers criminais com máfias e submundo do crime. É neste contexto que surgiram os brilhantes Snatch – Porcos e Diamantes (Snatch, 2000), Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes (Lock, Stock and Two Smoking Barrels, 1998) e Rock’n’Rolla: A Grande Roubada (RocknRolla, 2008), desde então o diretor transitou em diversos gêneros, passando pelas aceleradas aventuras de Sherlock Holmes em Sherlock Holmes (2009) e Sherlock Holmes: O Jogo de Sombras (Sherlock Holmes: A Game of Shadows, 2011), o bagunçado Rei Arthur: A Lenda da Espada (King Arthur: Legend of the Sword, 2017), o charmoso O Agente da U.N.C.L.E. (The Man from U.N.C.L.E., 2015), flertando com seu gênero favorito de novo em Magnatas do Crime (The Gentlemen, 2019) e Infiltrado (Wrath of Man, 2021), além do blockbuster Aladdin (2019), totalmente fora do seu escopo.

Dentre tantas produções, faltava um retorno ao gênero que o definiu, faltava aquele humor sujo, misturado com charme bagaceiro e violência imprevisível que alguns de seus filmes não conseguiram capturar. Eis que a série Magnatas do Crime (The Gentlemen, 2024) da Netflix é o seu retorno oficial ao universo da máfia de uma forma triunfal e também um retorno aos velhos tempos.

Apesar de ser o mesmo nome do filme de 2019, a série que se passa no mesmo universo só pegou emprestado o título, mas não tem nenhuma relação com a narrativa protagonizada por Matthew McCounaghey. Talvez apenas a premissa, afinal a trama segue a história de Eddie Horniman (Theo James), um soldado que precisa voltar para casa às pressas após o falecimento de seu pai para tomar conta dos negócios da família, descobrindo no processo que é sócio num esquema de produção e venda de maconha. 

O que vai definir se você irá gostar de Magnatas do Crime é o tom dos dois primeiros episódios dirigidos e escrito pelo próprio Guy Ritchie. Se a premissa, a execução e as pirações te agradarem, o resto da temporada será uma experiência ainda melhor. O roteiro traz o charme inglês que vem do refinamento do protagonista e sua família fazerem parte da nobreza inglesa (afinal o patriarca era um Duque), desta forma existe todo um polimento, riqueza e ostentação que pode ser não só sentida, mas vista em tela.

Este contexto é armado exatamente para ir mostrando aos poucos que no meio de tanto luxo, existe sujeira envolvendo os negócios escusos da família. E nisto Guy Ritchie é especialista, então “Refined Agression” (1×01) e “Tackle Tommy Woo Woo” (1×02) são dois episódios com as melhores loucuras possíveis enquanto somos apresentados ao resto do elenco regular, que ainda tem o maluco irmão de Eddie, Freddy Horniman (Daniel Ings), a matriarca Lady Sabrina (Joely Richards), o guarda costa da família Geoff Seacombe (Vinnie Jones), a irmã mais nova Charlotte Horniman (Chanel Cresswell), a mulher de Freddy, Tamasina Horniman (Chanel Cresswell), além da introdução da co-protagonista Susie Glass (Kaya Scodelario) e do vilão Stanley Johnston (Giancarlo Esposito).

A partir do momento que a série estabelece sua mitologia e quão perigoso é o mundo do crime, a trama deslancha, com Guy Ritchie e sua equipe de roteiristas sabendo explorar a cada novo episódio uma vertente diferente de um universo em franca expansão, tudo aos olhos de Eddie e Susie, com o primeiro tentando sair fora dos negócios e a segunda tentando convencê-lo a permanecer como sócio, afinal a produção de maconha comandada por ela está nas terras da família do herdeiro Horniman.

É tudo sobre um jogo de gato e rato, ações inteligentes, outras equivocadas e um caldeirão de conspirações com um cobiçado jogo de poder crescendo nas entrelinhas como podemos ver nos ótimos episódios “Where’s My Weed At?” (1×03) e “An Unsympathetic Gentleman” (1×04), onde a narrativa parece equilibrar bem seu lado “episódico” com seu lado “serializado” ao mesmo tempo que fica ainda mais interessante e charmosa.

Muito disso se deve a química explosiva entre Theo James e Kaya Scodelario, parceiro nos negócios e com uma forte atração. Não caindo no clichê de virar um casal chato, talvez o maior trunfo do roteiro é focar na parceria profissional dos personagens e deixar um possível romance para ser imaginado pelo expectador. Desta forma, temos aqui a chance de vê-los transitando entre amigos e inimigos no decorrer da série. 

A segunda metade da temporada é uma montanha russa cheia de tensão, ótimos arcos e bons ganchos entre um arco e outro a começar pelo episódio “I’ve Hundreds of Cousins” (1×05) que tem um desfecho maravilhoso. Confesso que a série só fica melhor quando o elenco coadjuvante mostra a que veio, o personagem de Giancarlo Esposito, o empresário Stanley Johnston, é deliciosamente perigoso. E Ray Winstone no papel do mafioso Bobby Glass é uma das coisas mais sensacionais da série.

A intensidade do seriado atinge todo seu potencial nos explosivos “All Eventualities” (1×06) e “Not Without Danger” (1×07), onde os arcos começam a se fechar e alianças são testadas de uma forma que gera diversos conflitos que é impossível parar de assistir. É claro que no meio disso tudo, arcos secundários acabam sendo irrelevantes, como o irmão estúpido de Eddie tentando entrar no negócio de maconha, ou o arco de Lady Sabrina com Guarda Costas relacionado a filha caçula. Claramente, são histórias feitas para preencher mais espaço do que acrescentar algo relevante a história.

De uma forma geral, Magnatas do Crime é uma grande série, daquelas irresistíveis de começar e difíceis de parar. A narrativa tem uma crescente muito boa até chegar ao ótimo final de temporada “The Gospel According to Bobby Glass” (1×08) que entrega tudo aquilo que você espera de um thriller criminal. A produção é impecável, a fotografia é deslumbrante e pomposa, o elenco é maravilhoso e a narrativa é a certeza de que Guy Ritchie só precisava equilibrar o charme inglês com uma trama com maconha para entregar uma das séries mais divertidas e charmosas do ano. Se você é fã do diretor, é um presente, se você está conhecendo agora, é certo que irá amar. Que venha a segunda temporada.


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