Kung Fu Panda 4 – Pouca dedicação para ter grandes lucros

Kong Fu Panda 4. Imagem: Dreamworks/ Divulgação

Kung Fu Panda (2008) marcou toda uma geração com seu herói inesperado e desastrado. Obviamente, a indústria sendo como é, o filme ganhou continuações. Assim, com Kung Fu Panda 2 (2011) e Kung Fu Panda 3 (2016) a jornada de Po foi muito bem explorada e teve um final muito satisfatório e apropriado, com o protagonista indo de um cidadão comum até um verdadeiro mestre do kung fu. Então surge a questão: essa história tão bem contadinha, precisava de um quarto capítulo?

Em Kung Fu Panda 4 (2024) Po vai encarar, talvez, seu maior desfio até então: deixar de ser o Dragão Guerreiro, o que ele mais ama ser. Agora portando o Bastão da Sabedoria, entregue a ele por Mestre Oogway no Reino dos Espíritos no filme anterior, ele deve de tornar o Líder Espiritual do Vale da Paz e deixar o combate para seu sucessor. Ele evita a decisão e se sente muito inapto para ser guia espiritual, até ser informado da ameaça d’A Camaleoa, uma feiticeira transmorfa que quer trazer mestres vilões do kung fu do Reino dos Espíritos para absorver suas habilidades. Então ele precisa se unir a Zhen, uma raposa-das-estepes ladra para chegar até a nova ameaça e impedi-la.

Assim como fiz no meu texto de Wish: O Poder dos Desejos (Wish, 2023), vou ser bem direta: Kung Fu Panda 4 é sim um filme divertido, engraçado e bem dinâmico. As crianças vão se apaixonar e você vai se entreter. Se essas poucas informações bastam para você assistir ao filme, assista!

Mas, se assim como eu, você agora é uma pessoa adulta exigente assistindo a um filme infantil, segura aqui na minha mão e vamos lá.

O filme é dirigido por Mike Mitchell, veterano no estúdio, tendo produzido o terceiro filme e dirigido Shrek Para Sempre (Shrek Forever After, 2010) e Trolls (2016) em parceria com Stephanie Stine que participou das equipes de arte de She-Ra e as Princesas do Poder (She-Ra and the Princesses of Power, 2018-2020), Como Treinar o Seu Dragão 3 (How to Train Your Dragon: The Hidden World, 2019) e Raya e o Último Dragão (Raya and the Last Dragon, 2021). O roteiro é de Jonathan Aibel e Glenn Berger que participaram dos roteiros de todos os outros filmes da franquia junto com Darren Lemke que fez parte dos roteiros de Shrek Para Sempre e Turbo (2013).

A trilha sonora é de Hans Zimmer que dispensa apresentações com Steve Mazzaro que compôs a trilha de O Poderoso Chefinho (The Boss Baby, 2017) e O Poderoso Chefinho 2: De Volta aos Negócios (The Boss Baby: Family Business, 2021). E o design de produção é de Paul Duncan que só exerceu a função até então em Spirit: O Indomável (Spirit Untamed, 2021).

No elenco Jack Black volta para a voz original de Po, assim como Lúcio Mauro Filho retorna para a dublagem e entram para o elenco Awkwafina como Zhen e Viola Davis como A Camaleoa. Aqui no Brasil elas foram dubladas respectivamente por Danni Suzuki e Taís Araújo, o que é importante, como já falei nos meus textos sobre Mulan (2020) e Red: Crescer é Uma Fera (Turning Red, 2022), termos dubladores que correspondem etnicamente ao elenco original, quando isso é importante. E claro, as duas se saem muito bem.

Espremendo os produtos

Kung Fu Panda é uma franquia importante para muitas pessoas que, assim como eu, cresceram indo ao cinema assistir a esses filmes. Ou que se sentiram representadas ao ver um herói gordo superar todas as expectativas e se tornar aquilo que sempre esteve destinado. Mesmo lidando com piadas meio desagradáveis que não envelheceram lá muito bem ou já nasceram antiquadas.

Sendo assim, ela se tornou um dos carros-chefes da Dreamworks Animation, tendo rendido até mesmo três séries animadas, Kung Fu Panda: Lendas do Dragão Guerreiro (Kung Fu Panda: Legends of Awesomeness, 2011–2016), Kung Fu Panda: The Paws of Destiny (2018–2019) e Kung Fu Panda: O Cavaleiro Dragão (Kung Fu Panda: The Dragon Knight, 2022–2023) para expandir o universo.

O que é algo normal, a Dreamworks faz isso com várias das suas franquias, até mesmo Spirit: O Corcel Indomável (Spirit: Stallion of the Cimarron Spirit, 2002) sofreu um reboot completo para se tornar mais vendável para crianças. E com O Poderoso Chefinho 2: Negócios da Família, Trolls 3: Juntos Novamente (Trolls Band Together, 2023) e especialmente com Gato de Botas 2: O Último Pedido (Puss in Boots: The Last Wish, 2022), achamos que essas continuações seriam boas ou com alto nível de dedicação, por mais motivadas por dinheiro que fossem, mas… Não é isso que algumas outras produções têm nos mostrado.

Uma continuação estranha e desnecessária

Eu considero Kung Fu Panda 3, o mais fraquinho da trilogia, enquanto Kung Fu Panda 2 é o ponto mais alto, mas olhando a história como um todo, ele completa tudo muito bem. O novo capítulo, então, veio com a ideia da jornada do mentor, que tem se tornado popular em Hollywood. Carros 3 (Cars 3, 2017) é um exemplo incrível disso e claramente uma inspiração para este quarto capítulo, só que não chega nem aos pés do filme da Pixar. O trailer já deixava a desconfiança e ao ver o filme tive certeza, Kung Fu Panda 4 foi feito só para arrecadar bilheteria mesmo.

Agora Po está bem estabelecido como Dragão Guerreiro, os pandas se mudaram para o Vale da Paz e ele deve se tornar um Líder Espiritual… É terreno para coisas novas, mas tudo na história é requentado dos filmes anteriores, além de ser extremamente previsível e partir praticamente só do primeiro filme, assim como Carros 3. O problema é que a franquia Carros deu uma grande derrapada (com o perdão da piada) em seu segundo filme, mas, Kung Fu Panda, não. Então tudo se concentra muito na questão do Dragão Guerreiro assim como o primeiro longa.

É muito óbvio que, no fim, Zhen será a nova aprendiz de Po, que ela trabalhava secretamente para A Camaleoa e o estava enganando e, claro, que Po vai aceitar seu destino. Porém, é tudo mal desenvolvido, raso. Eu ainda não entendi em que momento Po aprendeu a ser Líder Espiritual, nem porque ele desaprendeu todas as lições das obras anteriores. Parte disso se deve ao subplot feito para encher linguiça, protagonizado por Ping e Li, os pais de Po. Agora com uma dinâmica que os faz ser basicamente um casal gay. É ótimo vê-los no início mas, quando iniciam a subtrama de não confiar que Po estará seguro – mais personagens que não evoluíram – e começam a segui-lo e, eventualmente, encontrá-lo, eles não sustentam esse tempo extra de tela. Toda essa jornada poderia ser, na verdade, um curta-metragem lançado depois e deixar o tempo de tela para desenvolver Po e Zhen. Ou mesmo criar uma história com os Cinco Furiosos, que foram retirados do filme para, como a crítica d’O Retalho bem observou, não ofuscarem Zhen, ganhando apenas uma participação no final.

O filme até mesmo se ignora, por exemplo, quando Po chega n’A Cidade do Zimbro e parece ser a primeira vez que ele está em uma cidade grande. Mas, no segundo filme, ele, literalmente, esteve em Gongmen City! Que, inclusive, era muito mais interessante e rica, A Cidade do Zimbro me pareceu muito ocidental e sem atrativos, que em nada contribui para a trama. Lutas e perseguições são bem feitas, mas nenhuma marcante como de filmes anteriores.

No entanto, o mais decepcionante para mim foi a estética. Mesmo tendo momentos em que pinceladas aparecem na tela, Kung Fu Panda 3 tinha uma animação muito mais ousada e que agora vemos que foi uma grande experimentação para Os Caras Malvados (The Bad Guys, 2022) e Gato de Botas 2: O Último Pedido, mas que neste filme foi relegada a flashbacks e visões enquanto a animação principal voltou a ser realista.

Uma vilã sintomática

A primeira cena da Camaleoa no primeiro trailer, é uma cena que está, literalmente, no início do terceiro ato. Isso diz muito sobre ela.

Estamos falando de uma franquia com vilões icônicos ou pelo menos com motivações interessantes e eu estava empolgada para a primeira vilã feminina de Po. Mas a verdade é que ela não tem isso. E teve seu marketing apoiado no retorno dos vilões antigos, que até voltam, mas são deixados de escanteio e uma grande importância é atribuída a Tai Lung. Quando sabemos que Shen foi o grande inimigo do nosso protagonista. Mas, de novo, esse filme só olha para o primeiro. Existe até mesmo um momento em que A Camaleoa vira um monstro gigante e o combate nem é mais uma luta de kung fu e eu apenas me perguntando o que esse filme queria fazer.

Foi empolgante ver os vilões novamente e, em um mesmo filme, poder observar como seus estilos de luta e de animação são únicos e diferentes entre si. Mas isso, por si só, não sustenta muita coisa. A grande motivação d’A Camaleoa é que ela queria aprender kung fu, mas foi negada por TODOS os mestres por ser pequena e fraca. Eu nem tive palavras para quando ouvi isso. Tudo bem, talvez fosse possível fazer um paralelo com Po, que também foi subestimado. Ou mesmo dizer que viram maldade em seu coração como Tai Lung. Mas, não! É raso assim mesmo. Esse filme não se escutou nesse momento. Literalmente, nossas maiores figuras de poder na franquia são Oogway e Shifu, uma tartaruga e um pequeno panda vermelho. Existem figuras mais subestimáveis? E, pior ainda, um dos Cinco Furiosos é a porcaria de um LOUVA-A-DEUS! UM INSETO! Mas ela era pequena demais? Aiai!

O objetivo do estúdio foi atingido

Kung Fu Panda 4 custou 85 milhões de dólares. Os filmes anteriores custaram, por ordem de lançamento, 130 milhões, 150 milhões e 145 milhões. Esse orçamento reduzido se reflete no escopo do filme. Muito, com certeza, foi economizado deixando as vozes originais dos Cinco Furiosos de fora, afinal Angelina Jolie, Jackie Chan, Seth Rogen, Lucy Liu e David Cross, valem uma grana e o filme tenta nos compensar com a adição de Awkwafina e Viola Davis, dando mais tempo para Li e Ping, cujas vozes originais são de Bryan Cranston e James Hong. Temos o retorno de Ian McShane como Tai Lung, a participação de Ke Huy Quan como Han e até mesmo uma pontinha do Mr. Beast (atualmente um dos maiores youtubers do mundo). Mas nada disso substitui um bom desenvolvimento de personagens, uma boa história ou até mesmo uma história que honre sua franquia.

Mesmo podendo ser um especial ou um média-metragem, claramente a estratégia deu certo, pois a bilheteria do filme já passa dos 170 milhões e vem liderando os númeross nos Estados Unidos, deixando Duna: Parte Dois (Dune: Part Two, 2024) para trás.

No fim do filme eu me diverti e dei boas risadas, mas enquanto ouviu a versão de Baby One More Time do Tenacious D (a dupla de rock satírico de Jack Black e Kyle Gass) eu só podia esperar pelo melhor em Shrek 5.


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