RESENHA | Ioga, de Emmanuel Carrère

Tenho lido excelentes livros atualmente. Isso me deixa feliz porque passei por uma ressaca literária que durou meses. Além de vários problemas de saúde que não me davam sossego pra parar e focar em alguma leitura. Saindo da frase deprimida e entrando na de mania, tenho lido sem parar, quase que o tempo inteiro que me é possível. O que faz com que eu me sinta viva, mergulhando em diversas histórias, conhecendo muitos personagens interessantes, chatos, cansativos e instigantes. Um desses livros é Ioga, de Emmanuel Carrère. Eu já tinha visto alguns influenciadores literários indicando e já estava na estante há alguns meses, tanto pelas indicações quanto pela capa ser belíssima.

Foi meu primeiro contato com o autor francês, que eu sei que tem vários outros bons livros, mas que ainda não tinham passado pelo meu redor. Em Ioga, Carrère nos conta sobre um retiro de meditação ao qual foi. Lá, seriam 10 dias em total silêncio, apenas meditando, sem contato com o mundo fora do local ou até mesmo entre as pessoas que ali estavam. Era realmente uma experiência extrema, difícil, mas que prometia ser potente para quem se desafiasse. Emmanuel estava ali para conseguir inspiração e escrever o seu próximo livro, que ele queria que fosse sobre ioga e meditação. Só que algo aconteceu no meio do caminho e o fez entrar em um estado de depressão tão intensa, que foi necessário se internar em uma clínica psiquiátrica.

O livro começa contando dos seus dias no retiro. Ainda não passei disso, aliás, então não tenho como falar muito sobre o que vem depois, mas as discussões sobre a meditação muito me interessam. Já no início o autor nos oferece algumas definições sobre o que é meditação. O tempo inteiro fiquei pensando em quando eu estava em completo desespero, no início da minha síndrome do pânico. Eu estava em um estado de angústia muito intenso. Tinha tanto desejo de melhorar que aceitaria quase todos os tipos de tratamento que me oferecessem. Procurando pela internet, vi muitas pessoas falando sobre os benefícios da meditação nesses casos.

Baixei aplicativos e realmente me entreguei. Sempre que eu tinha uma crise mais forte, desligava todas as luzes, me trancava no quarto, colocava os fones de ouvido e acompanhava a meditação guiada, que realmente me ajudava. Eu deixava de focar apenas nos sintomas da crise e conseguia relaxar um pouco. Só que o autor fala isso aqui no seu livro:

“Em vez de encarar com animosidade os pensamentos de que não nos orgulhamos tanto, em vez de buscar erradicá-los, nos contentamos em observá-los sem fazer drama. Porque eles existem, porque eles estão bem aqui. Nem verdadeiros nem falsos, nem bons nem ruins: microacontecimentos psíquicos, bolhas na superfície da consciência.”

O que significa isso? Provavelmente, que eu não estava meditando da forma correta, já que eu só queria me livrar daqueles sintomas naquele momento. Eu realmente não estava afim de olhá-los e aceitá-los como são. No meio da angústia não tem muito espaço para pensar em tudo aquilo que eu acredito, já que, durante tanto tempo, estudei psicanálise e é nela que realmente acredito para tratar a angústia.

Na psicanálise também não existe intenção de sumir com os sintomas, mas, falar sobre eles, olhá-los de frente. Nada disso importava quando eu acordava às 3 da manhã sentindo as piores sensações possíveis e imagináveis. Quando não estava por angústia, sim, ia religiosamente para a análise e tentava colocar em palavras todos os sentimentos que me tomavam. Não sei bem o que eu estava fazendo, se era ou não meditação. Sei que me concentrar na minha respiração me ajudava e me acalmava.

Em outra passagem, Carrère explica:

“A meditação é tudo aquilo que acontece durante esse tempo em que se está sentado, imóvel, em silêncio. O tédio é meditação. Os barulhos estranhos na barriga são meditação. As dores nos joelhos, nas costas, na nuca, são meditação. Os pensamentos aleatórios são meditação. A impressão de estar perdendo tempo ao fazer um troço de espiritualidade trambiqueira é meditação. A preparação mental para o telefonema e a vontade de pegar o telefone são meditação. Resistir a essa vontade é meditação – mas ceder a ela, não. E isso é tudo. Nada além disso.”

Quando penso nesse trecho, já acredito que, sim, de alguma forma, o que eu fiz pode ser considerado meditação. Eu ficava parada, estática, imersa nos meus próprios pensamentos. Concentrando-me na minha respiração para não ser engolida por eles, para não ser atropelada e me desfazer completamente. Onde eu quero chegar com isso, ainda não sei. “Ioga” tem me inquietado, me feito refletir bastante sobre o que nós realmente sabemos sobre certos assuntos. Será que precisamos de uma experiência imersiva? Só tentar, de casa, após ler na internet, já é o suficiente? E (que bom!), sinto que, de alguma forma, a meditação também se aproxima da psicanálise. O foco não é se livrar das angústias, mas aceitar que elas existem, se fazem presentes em nosso dia a dia. Que pensar nelas não significa ser dominada por elas.


Título original: Ioga

Editora: Alfaguara

Publicação: 2021

Tradução: Mariana Delfini

Nº de páginas: 342


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